Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO NO BRASIL E NO MUNDO, E SUAS CONSEQUENCIAS.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO NO BRASIL E NO MUNDO, E SUAS CONSEQUENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/1997 - Página 18642
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, AUMENTO, DESEMPREGO, MUNDO, ANALISE, FUNÇÃO, ESTADO.
  • CONSTITUCIONALIDADE, RESPONSABILIDADE, ESTADO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, POLITICA DE EMPREGO, DEFESA, SOLUÇÃO, VALORIZAÇÃO, TRABALHO.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o presságio marxista anunciado há pouco mais de um século atualiza-se ante o cenário de hoje. Um espectro ronda o mundo. O fantasma do desemprego, que assusta a família, a Nação e a soberania dos países, independentemente de cada situação econômica. Sugere um exercício de inteligência às autoridades para decidir sobre um dilema hamletiano: escolher entre manter uma leva de marginalizados para estabilizar a contabilidade governamental, ou buscar a plenitude do emprego dos meios de produção como uma meta do bem-comum.

Essa preocupação é compartilhada por todos quantos se preocupam com o ambiente da instabilidade social. Estruturalmente, a nítida influência da tecnologia prefere máquinas a homens, e, conjunturalmente, a globalização exige otimização do ser humano ora além de suas capacidades, ora aquém das oportunidades que lhe são oferecidas como instrução. É a formação ignóbil de um exército industrial de reserva.

O trabalho humano é uma preocupação que acompanha as mais variadas teses das políticas de desenvolvimento. Nos países pobres e emergentes, então, a moldura a ser levada a efeito não pode desprezar rígidas e quase imutáveis estruturas de produção que se assentaram a partir da colonização.

O Brasil é um exemplo propício. País emergente, virtual candidato à uma vaga no exclusivo - e excludente - Conselho de Segurança das Nações Unidas, mentor de uma política bem-sucedida de união transnacional, o Brasil contemporiza a nova ordem econômica mundial, de maneira a implantar uma política de desenvolvimento que atenda a necessidade de comércio com as demais nações do mundo.

Esses acontecimentos, entretanto, não surgem após vencidas as etapas que retratam um país onde a pobreza não é apenas uma circunstância mas uma anomalia.

A violência urbana, a precariedade dos serviços de saúde e o Movimento dos Sem-terra em busca da reforma agrária, aliados à nítida falta de segurança nas relações comerciais - a falência da Encol e dos planos de seguro saúde são exemplos -, clamam por uma auto-análise de natureza intrínseca, despojada de conotações internacionais. São retratos emblemáticos de um país ainda incipiente e que não podem ser olvidados.

Sr. Presidente, mesmo nas nações consideradas desenvolvidas a questão do emprego toma contornos de insegurança generalizada. Experts políticos creditam o sucesso dos partidos de clivagem socialista francês e inglês, exatamente às metas governamentais de desenvolvimento implementadas por anos a fio por partidos conservadores, despreocupados com os reclamos da população economicamente ativa e emergente.

Lançado recentemente no Brasil o livro "O Horror Econômico", da jornalista francesa Viviane Forrester, segue uma tese assustadora antes pregada por pontífices da Igreja Católica numa seqüência de cartas pastorais, como a Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Populorum Progressio, Pacem in Terris e Laborem Exercens. Bertrand Russel não fez diferente no trabalho publicado no início dos anos 30 onde discorria sobre "O Elogio ao Lazer".

Dessas pregações magistrais exsurge uma indagação que deve ser costumeira aos ouvidos tecnocratas: o que significa o sucesso do governo quando se despreza a nação? Ou melhor dizendo: qual o valor do trabalho humano na contabilidade governamental? Será apenas um dado na estatística, cujas variações são suportes de publicidade?

A resposta é soprada pelo vento nas mais inesperadas oportunidades. Recentemente, quando encaminhava-se ao Senado Federal para a sabatina de sua escolha à Presidência do Banco Central, o economista Gustavo Franco foi, por assim dizer, incomodado pela realidade social. Uma criança pobre, morando com uma família em casa de papel nas proximidades do Congresso Nacional, concitou a mais respeitável autoridade monetária do País a contribuir para sua renda familiar, na sua forma possível de auferir rendas: a esmola.

É possível esquecê-la?

À juventude, no vestíbulo do mercado de trabalho, não falta apenas a esperança da oportunidade, falta-lhe a segurança familiar, na presunção de que os empregos dos membros da família podem desaparecer ao sabor do mercado globalizado e da tecnologia, a escola fundamental pública com a construção preparatória e os meios de qualificação de aprendizagem.

Srªs e Srs. Senadores, quando da sessão que homenageou o ex-Presidente Getúlio Vargas, esta Casa teve a oportunidade de discutir temas tão envelhecidos pela existência, quanto contemporâneos pela insistência.

A reforma da previdência - cujo estágio atual, em realidade, reclama as mais delicadas providências - é um convite à reflexão sobre os erros cometidos na gestão desse negócio público. Pari passu o Congresso Nacional também se dedica à reforma do Estado por meio de uma reavaliação da administração pública.

O Estado concebido como "grande pai", albergue de todos - certo que com mais dedicação de alguns - já não suporta nem todos nem alguns. Entretanto, a grande maioria é de deserdados. Não que o poder público seja o empregador direto, mas que não pode fugir as suas responsabilidades como incentivador do desenvolvimento social. Ah! Isso ele não pode.

O episódio atual da Encol não é menos traumático que saber que a Companhia Siderúrgica Nacional - privatizada - anuncia demissão de seus trabalhadores. Que leitura é possível fazer nos dois episódios? Que no modo de produção atual é menos importante o homem - ser humano, senhor de sentimentos - cujo trabalho é marginalizado.

A dependência brasileira - quiçá de todo o mundo emergente - é endógena, diz mais respeito às capacidades de responder às indagações e perspectivas da Nação em si mesma do que à influência do ambiente internacional.

Sob o manto constitucional estão abrigados princípios que o constituinte originário consagrou, respeitantes à justiça social na relação entre os meios de produção. Por esse norte, no art. 170, a Constituição Federal prega uma existência digna para todos, observado entre outros o princípio da busca do pleno emprego, certo que na sua compreensão econômica de utilização potencial de todos os fatores. Antes, no preâmbulo, já se confirma a predisposição do legislador pela garantia do bem-estar numa sociedade fraterna. É de se questionar a presteza do estado democrático de direito, quando a democracia não corresponde a uma relação de igualdade entre os integrantes da Nação.

É hora de dirigir os esforços para encontrar soluções valorativas do trabalho humano como o ápice da felicidade de um povo. O concerto das grandes nações deve entoar um cântico de alegria para a glória do ser humano, sem espectros e assombrações.

A pregação final que pode ser feita neste instante é a exortação do economista americano Keneth Galbraith, assessor dos Presidentes Kennedy e Johnson, para quem o Brasil deve aceitar um papel no sistema econômico global sem que "isso signifique o sacrifício da legislação de serviços e assistência social" e sem "um compromisso inteligente e humano entre essas tendências e necessidades globais".

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/1997 - Página 18642