Discurso no Senado Federal

ANALISE DO FENOMENO DA GLOBALIZAÇÃO E DAS CRISES QUE PONTILHARAM O CRESCIMENTO CAPITALISTA. FARSA DO CHAMADO CUSTO BRASIL, SOMENTE POSSIVEL ATRAVES DA REDUÇÃO DO SALARIO DOS TRABALHADORES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DO FENOMENO DA GLOBALIZAÇÃO E DAS CRISES QUE PONTILHARAM O CRESCIMENTO CAPITALISTA. FARSA DO CHAMADO CUSTO BRASIL, SOMENTE POSSIVEL ATRAVES DA REDUÇÃO DO SALARIO DOS TRABALHADORES.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/1997 - Página 19156
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, HISTORIA, CAPITALISMO, LIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, REDUÇÃO, CUSTO, BRASIL, PREJUIZO, SALARIO, TRABALHADOR, AUMENTO, DESEMPREGO, CRISE, EXCESSO, PRODUÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, dessa forma, abro mão do meu pronunciamento neste momento. Fui convocado por V. Exª, mas não havia preparado o meu discurso. No momento em que V. Exª me convocou, falou que eu dispunha de 40 minutos, tempo este que seria suficiente para eu dar o meu recado. Mas não conseguirei falar tudo em apenas cinco minutos. Não consigo ser tão sintético.

O SR. PRESIDENTE (Ronaldo Cunha Lima) - Confesso a V. Exª que fiz uma interpretação errônea do Regimento. V. Exª dispõe do tempo que desejar para abrilhantar esta Casa e para nos proporcionar um conforto espiritual.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF)- Agradeço muito a generosidade de V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estivemos, sem dúvida alguma, sob o signo daquilo que se convencionou chamar, eufemisticamente, de globalização. Na realidade, não é a primeira vez que o capitalismo mundial se vê impulsionado a partir do centro onde se concentram as contradições, a força e os problemas da economia de mercado, da economia capitalista, individualista, egoísta, movida pela auri sacra fames, pela fome sagrada do dinheiro, fome que, obviamente, ajuda a carregar as naus do capitalismo mercantil e ajuda também, hoje, a carregar as naus da Internet, num processo multissecular em que, de tempos em tempos, as necessidades de expansão, de dominação se afirmam.

Portanto, como dizia Marx, em O Capital, o capitalismo não nasce na circulação, mas não pode nascer fora dela. Coisa complicada: não nasce na circulação, mas não pode nascer fora dela. É que o processo de produção é que realmente determina a circulação, a distribuição, o consumo, o processo de produção em que a tecnologia pousa, se instala e, a partir daí, irradia o processo de transformação contínuo, revelando a inquietude do homem nesta era do capitalismo.

Pois bem. Depois das grandes navegações, que constituem este momento inicial da globalização, impulsionado pelas transformações que ocorreram silenciosamente durante a Idade Média, Max Weber, por exemplo, afirma que, se não fosse o zero introduzido no século IX, na Europa Ocidental, por Algareism, se não fosse a contabilidade de dupla entrada e outras aparentemente pequenas aquisições que a Europa Ocidental veio incorporando ao longo da Idade Média, o capitalismo seria impossível.

Existe, inclusive, um livro em três volumes para mostrar a técnica de atrelar animais, que, em Roma, eram atrelados pela barriga, e que, a partir de certo momento, passaram a ser atrelados pelas patas dianteiras, próximo ao pescoço. A transformação que houve no processo de aproveitamento da energia foi tão ou mais importante do que aquele que ocorria na agricultura, quando as transformações que permitiram ocupar e fazer produzir o solo em várias etapas do ano ajudaram também, ao lado dos portulanos e da arte de navegar, a impulsionar o capitalismo para fora da Europa. Capitalismo mercantil que depois foi sobredeterminado pelo capitalismo industrial - de início, manufatureiro -, e, somando-se os artesanatos à manufatura, uma mudança quantitativa e qualitativa se verificou. A partir daí, nesse embrião da grande indústria capitalista já se verificam os grandes problemas que aguardavam essa nova forma de organização da produção e de organização da sociedade, de divisão do trabalho, da técnica, do poder, do mercado.

Quando a primeira e a segunda Revoluções Industriais - a primeira ocorrida no século XVII, na Inglaterra, e a segunda, a partir de 1780, na França - se instauram, é óbvio que também, com esse aumento das forças produtivas, agigantadas pela Revolução Industrial, as crises do capitalismo, as contradições contidas nesse processo e que, obviamente, foram responsáveis pelas globalizações ocorridas desde o princípio, tendem, inexoravelmente, a se globalizar também.

A crise capitalista nasce como um embrião. Por exemplo, nas crises de 1810 e na de 1815, na Inglaterra, existe apenas a produção de meios de consumo. A partir dessas primeiras décadas do século XIX é que a produção se ergue sobre seus próprios pés e começa a produzir máquinas por meio de máquinas.

Um departamento novo se inaugura na história da tecnologia mundial: máquinas produzindo máquinas. E, obviamente, agora a crise não atinge apenas os meios de consumo, como ocorreu em 1810, quando a Inglaterra, que tinha sua capacidade produtiva dimensionada pelo mercado mundial, passa a sofrer os efeitos do bloqueio mundial, do Bloqueio Continental, decretado por Napoleão Bonaparte em 1806, quando se encontrava na Alemanha.

O estrangulamento do mercado faz com que a produção de grãos, de meios de consumo, a única praticamente existente em escala industrial na Inglaterra, venha a sofrer profundas crises, como as de 1810, a de 1815 e a de 1823. Só mais adiante, depois que se produzem máquinas por meio de máquinas, aumenta-se a capacidade produtiva enormemente, fazendo baixar os preços dos tecidos, de todas as mercadorias e produtos, que passam a ser objeto da produção industrial.

Com esse aumento da produtividade, com essa eficiência crescente, as crises agora passam a ser mais profundas e mais completas. Não apenas o departamento que produz meios de consumo, mas também o departamento que produz máquinas por meio de máquinas passa a compor o quadro das crises, que se desenvolvem juntamente com a aparência da eficiência e da produtividade capitalistas.

A história econômica do capitalismo gosta de mostrar os feitos e os efeitos, mas os defeitos são escondidos. É por isso que, até hoje, quando vem uma crise e revela, abre a anatomia do capitalismo e mostra a sua entranha, não sabemos entender porque estamos acostumados apenas a falar em "desenvolvimentismo", em crescimento, em eficiência e não entendemos que o processo de produção está ligado, necessariamente, ao processo de destruição.

Como aponta Joseph Schumpeter, na sua História da Análise Econômica, três tomos, se a tecnologia nova não vier destruir parte da capacidade produtiva instalada, virá uma guerra para destruir essa capacidade produtiva. O processo de produção de Schumpeter é um processo de produção destruidora.

Não vou me deter nas inúmeras crises que pontilharam esse crescimento capitalista, mas evidentemente que, na medida em que a Inglaterra abarrota o seu mercado, os empresários ingleses não podem continuar a comprar as máquinas e os equipamentos produzidos na própria ilha. A ilha se fecha para ser a única beneficiária da Revolução Industrial. Então, os empresários do Departamento 1, que produzem máquinas, têm que romper o Tratado de Methuen, por exemplo, que proibia Portugal e suas colônias de desenvolver a produção industrial e importar máquinas da Inglaterra.

A Inglaterra percebe cedo que, para que o seu espaço econômico seja garantido, é preciso evitar que a periferia do mundo, que as colônias e subcolônias venham a se desenvolver. Por isso, em 1730, um deputado na Câmara dos Comuns da Inglaterra alertava que, se a Inglaterra quisesse competir com o artesanato fantástico que se desenvolvera na Índia, só poderia fazê-lo se pagasse aos trabalhadores ingleses o mesmo salário que ganhava um trabalhador indiano. E hoje, no mundo, a mesma coisa se repete. Se quisermos competir, nessa globalização, com os trabalhadores do sudeste asiático e da China, só poderemos fazê-lo se pagarmos aos nossos trabalhadores os 80 centavos de dólar que ganha um trabalhador chinês.

Portanto, a redução do Custo Brasil - essa farsa que mudou o nome do arrocho salarial - só poderá ter êxito e o Brasil só poderá adquirir capacidade de exportação e de competição no cenário mundial se e quando este Governo tiver reduzido o salário de nossos trabalhadores a um dólar por dia. Porque a tecnologia está nivelada por cima; a tecnologia realmente foi globalizada. As grandes indústrias procuraram os países e as áreas em que os salários eram baixos e ali se instalaram.

Surge agora, obviamente, a contradição entre a capacidade de produção a custo primário, a custo do trabalho humano praticamente zero e as mercadorias que chegam nos países cêntricos, onde a renda per capita é de US$24 mil por ano, como acontece nos Estados Unidos, ou de US$33 mil, como acontece no Japão.

É impossível reduzir os salários dos trabalhadores dos países avançados, advanced capitalist countries (acc), a ponto de permitir que eles compitam com os produtos chineses que invadem todos os mercados.

Uma outra fase importante do processo de globalização ocorreu devido à crise de 1873 - 1870 no continente. Quando ocorre uma crise, caem os preços. A deflação é um dos principais sintomas da crise. A de 1873 não poderia ser diferente. Em todas as crises, a partir da de 1810, os preços caem, como acontece agora, com essas imposições neoliberais. O que veremos rapidamente é que os neoliberais, os "neoneoliberais", a partir de Friedman e de Hayek, o que fizeram de novo foi fornecer aos Estados capitalistas em crise a desculpa que lhes permite continuar fingindo que estão agindo.

A ação que vemos do Governo, o enxugamento, esse Governo que seca, esse Governo que emagrece, esse Governo que não atende nem sequer os setores sociais de educação, de saúde, esse Governo que não compra vacinas para as crianças não atende nem aos setores que Sua Excelência diz que vai privilegiar no futuro. Por quê Porque esse Governo se encontra em crise. Obviamente, quando existe crise, a queda de preços permite que parte do dinheiro que era usado para pagar os trabalhadores, para comprar mercadoria, para fazer a reprodução em uma escala muito elevada da capacidade produtiva, seja liberada. O dinheiro liberado, chamado idle money, dinheiro ocioso, obviamente vai-se transformando: eurodólares, petrodólares, nipodólares e, agora, dinheiro volátil, dinheiro desocupado em escala mundial. E, como sempre aconteceu a partir de 1870, ele reflui para a periferia do mundo.

Os banqueiros não acreditavam nos pobres, não lhes davam crédito. A dívida externa era então realmente limitada. Mas, a partir de 1870, o dinheiro sobrante, o dinheiro superabundante no centro, na França, na Inglaterra e na Alemanha, corre para se transformar em empréstimos externos. Na crise de 1870, a Rússia se endividou e a industrialização do império russo e o seu fracasso decorreram justamente dessa imensa dívida externa que ele passou a ter a partir de 1870, quando a oferta de dinheiro bateu às suas portas. Naquele momento, iniciou-se realmente um processo de formação de capital na Rússia, no qual o Estado teve uma importância fundamental. Os setores bélicos, que eram indispensáveis para fazer a defesa da Rússia, e o setor industrial eram alimentados pela dívida externa.

No Egito, essa dívida, esse dinheiro ocioso serviu para alimentar o milagre econômico da agricultura, promovido por Said Pacha. Pois bem, ele importou equipamentos agrícolas para fazer a grande revolução agrícola no Egito. Endividou-se e chegou até, numa ocasião, na Inglaterra, a encomendar tantas máquinas que o empresário inglês disse que só poderia produzi-las num período de três anos ou mais. Said Pacha perguntou, então, ao empresário quanto ele queria para entregar-lhe tudo aquilo no ano seguinte. O empresário disse que precisaria dobrar a sua indústria. Said Pacha perguntou quanto isso custaria e acabou por pagar o preço de uma indústria inglesa de equipamentos para apressar, para açodar o processo de crescimento e desenvolvimento do Egito.

A Inglaterra, a Alemanha e a França tomaram conta da alfândega, passaram a cobrar impostos no lugar do Estado devedor e impuseram todas as regras ao Egito. Eles aumentaram tanto os impostos para conseguir os recursos para pagar as dívidas, que os fazendeiros abandonaram as suas terras. Terras foram abandonadas em virtude do endividamento externo, em virtude do crescimento açodado, do "desenvolvimentismo" irresponsável, que tantas vezes aconteceu no Brasil. A partir daí, o governo egípcio passou a cobrar um imposto elevadíssimo sobre as terras. Os fazendeiros abandonaram as terras. Ficaram as palmeiras, e o governo passou a cobrar imposto sobre as palmeiras abandonadas. Os fazendeiros mandaram, então, cortar as palmeiras. E a polícia fuzilou os camponeses que cortavam as palmeiras a mando dos donos das terras abandonadas. Esse é o milagre econômico do Egito, é o milagre financeiro do Egito.

Portanto, mais uma vez, verifica-se o que o Imperador Meiji, que assumiu o centro da restauração japonesa, em 1875, sempre disse: "Devemos tomar cuidado com a dívida externa. Não devemos jamais recorrer a ela; e, se o fizermos, devemos pagá-la na véspera do seu vencimento". Temos os exemplos do Egito e da Espanha, dois países que perderam tudo, inclusive a soberania, por causa da dívida externa.

Nós aprovamos essa mesma dívida externa todos os dias neste plenário; essa dívida externa que cresce, que sobe como um foguete. Essa dívida irresponsável, feita em nome de mil e um bons propósitos, levou países e países à derrocada, ao atraso, à subserviência, como aconteceu com o Brasil na virada do século, por exemplo. Também o nosso País entrou nessa situação, endividou-se com esse dinheiro que ficou ocioso na França e na Inglaterra; importou 10 mil quilômetros de ferrovias sob Pedro II, equipou os portos e comprou as máquinas que estavam sobrando na Inglaterra.

Em 1844, a Lei Alves Branco estimula o Brasil a comprar as máquinas inglesas que agora podem ser vendidas. Para quê? Para resolver o problema da Inglaterra, cujo mercado estava abarrotado de máquinas. Então, o Brasil passa a importar máquinas e se desenvolve razoavelmente, até que eles nos estrangulam no final do século.

Campos Sales, eleito Presidente da República, antes de sua posse vai à Inglaterra pedir as bênçãos e conversar com Rothschild. O livro em que ele retrata todo o seu itinerário chama-se "Uma Campanha Republicana". Ele vai lá e assina um tratado de intenções, que depois é modificado, obrigando-nos a Inglaterra a demitir funcionários, como acontece hoje - é a voz do dono.

Naquela ocasião, ainda não havia o FMI, que foi criado em Bretton Woods, ao término da Segunda Guerra Mundial. Não existia o FMI, mas já havia a voz do dono, mandando Campos Sales enxugar, demitir funcionários, vender empresas estatais - que eram muito poucas a ser vendidas, a Central do Brasil e a Companhia de Água do Rio de Janeiro. Eles tinham nas suas mãos a Companhia de Água do Rio de Janeiro. Se a fome não fosse o suficiente para amedrontar e matar a sociedade brasileira, eles cortariam talvez a água do Rio de Janeiro, porque estava em suas mãos.

No ano seguinte, primeiro ano de governo de Campos Sales, ele enxugou tanto, mais do que os nossos enxugadores, enxugou mais do que o atual Presidente do Banco Central. Ele queimou dinheiro. O enxugamento, o secamento foi tão grande que ele queimou dinheiro, e os banqueiros credores obviamente não queriam queimar dinheiro.

Então, Campos Sales escreveu para o Rothschild, que enquadrou todos, obrigando-os a fazer a grande fogueira, queimando dinheiro para combater a inflação. Criou o imposto-ouro sobre importações para pagar em ouro a dívida externa aos bandidos internacionais. E ficamos aqui, irresponsavelmente rolando dívidas e aumentando o nosso endividamento, enquanto que, nos anos 80, já não podíamos pagar, e só se falava em défaut, e só se falava em calote da dívida externa. O que eles fizeram? Espicharam o perfil da dívida para que nós, anualmente, pagássemos menos e, assim, pudéssemos nos endividar mais, porque novamente o dinheiro sobrava lá fora.

No processo de globalização, vemos que, nos anos 20, os Estados Unidos saíram disparados na frente dos demais países. O valor da produção industrial na Alemanha, em 1927, era menor do que a de 1913, mas, nos Estados Unidos, 2 milhões e 700 mil cargos por ano já eram produzidos no início dos anos 20. E o que aconteceu? Entre 1924 e 1928, ocorreu uma taxa fantástica de investimento e desenvolvimento industrial, principalmente nos Estados Unidos, mas também em vários países da Europa.

Apesar desse grande volume de investimento, a tecnologia já estava tão desenvolvida que o desemprego marcava 17% na Suécia e na Noruega; já atingira um patamar tão grande, era tão labor saving, era tão poupadora de mão-de-obra que o desemprego se manteve em níveis elevadíssimos antes do colapso de 1929. Pois bem, no referido ano, os Estados Unidos produziram 5,3 milhões de veículos.

Tudo que é sólido se desmancha no ar! Foi aí que estourou: 27 milhões de carros circulavam nos Estados Unidos, quase todos comprados a crédito, porque essa produção dirigida para artigos de luxo é que faz o crédito de consumo e o consumidor endividado. Tudo é produzido na produção, inclusive nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/1997 - Página 19156