Discurso no Senado Federal

DRASTICAS TRANSFORMAÇÕES DA ECONOMIA BRASILEIRA EM CONSEQUENCIAS DA GLOBALIZAÇÃO, DA ABERTURA DO MERCADO, DA ESTABILIZAÇÃO DA MOEDA E DO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÕES. PROPOSTAS VISANDO REVERTER AS PERSPECTIVAS SOMBRIAS PARA O SETOR PRODUTIVO BRASILEIRO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • DRASTICAS TRANSFORMAÇÕES DA ECONOMIA BRASILEIRA EM CONSEQUENCIAS DA GLOBALIZAÇÃO, DA ABERTURA DO MERCADO, DA ESTABILIZAÇÃO DA MOEDA E DO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÕES. PROPOSTAS VISANDO REVERTER AS PERSPECTIVAS SOMBRIAS PARA O SETOR PRODUTIVO BRASILEIRO.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/1997 - Página 19629
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, NECESSIDADE, POLITICA INDUSTRIAL, PRESERVAÇÃO, EMPRESA NACIONAL, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, SIMULTANEIDADE, AUMENTO, CONCORRENCIA, ABERTURA, COMERCIO EXTERIOR.
  • DEFESA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, INDUSTRIA NACIONAL, PRESERVAÇÃO, OFERTA, EMPREGO.
  • ANALISE, ENTRADA, CAPITAL ESTRANGEIRO, BRASIL, INSUFICIENCIA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, DEFESA, DEFINIÇÃO, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA, EXPORTAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, REFORÇO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ANTERIORIDADE, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a economia brasileira vem passando por drásticas transformações nesses últimos anos, como conseqüência da globalização, da abertura do mercado, da estabilização da moeda e do programa de privatizações.

Enquanto o Governo fala em modernização e integração dos mercados, e demonstra um eterno otimismo, parte considerável do setor produtivo assusta-se diante de perspectivas bastante sombrias.

O País acumula, em sua balança de pagamentos, um déficit jamais visto, mas os capitais estrangeiros a cada dia chegam em maior volume, atraídos pelo programa de privatizações e pela estabilidade econômica.

Nesse confuso cenário, economistas, empresários, políticos e trabalhadores analisam o papel do Estado e do setor produtivo, procurando definir estratégias que preservem o empresariado nacional e garantam a inserção do Brasil no rol dos países desenvolvidos.

Há uma questão, entre tantas que se colocam, e que me parece da maior importância, para a qual solicito a atenção dos nobres colegas, na expectativa de que sobre ela se debrucem igualmente os técnicos do Governo e as autoridades competentes. Trata-se da necessidade de estabelecer, urgentemente, uma política industrial que dê suporte às empresas nacionais nesse contexto de rápidas transformações e de exacerbada competitividade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa constatação não representa qualquer novidade; há mesmo quase um consenso a seu respeito. Mas tal é a importância do tema que me senti no dever de trazê-lo à baila nesta Egrégia Casa de Leis.

É notório que a abertura comercial e o fenômeno de globalização que tem provocado uma reviravolta no mercado internacional surpreenderam em muito o empresariado brasileiro.

Docemente embalados pela reserva de mercado, pelos subsídios governamentais e contando ainda com uma receita adicional, proporcionada pela espiral inflacionária, os empresários brasileiros se descuidaram. Passaram décadas sem a preocupação de qualificar mão-de-obra, de desenvolver tecnologia e de melhorar a produtividade; e, assim, permaneceram, enfim, despreparados para a eventualidade de uma competição efetiva.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando as transformações nos alcançaram, numerosas empresas, e até segmentos inteiros do setor produtivo, foram incapazes de fazer frente à competição internacional.

Em alentada matéria sobre globalização, na sua edição de abril, a revista Rumos do Desenvolvimento descreve esse embate:

      "O choque da abertura comercial, a integração mundial de mercados e a estabilização alcançada com o fim da inflação sacudiram a economia brasileira e pegaram no contrapé as empresas, em grande parte despreparadas para encarar esse novo cenário de competição. Elas passaram a se confrontar com multinacionais competitivas, econômica e financeiramente robustas, com fôlego para investir em tecnologia e qualidade e com custos inferiores aos das empresas brasileiras".

O novo panorama econômico provocaria, incontinenti, irremediáveis seqüelas, especialmente para os segmentos menos competitivos. Entre os mais afetados, pode-se citar os segmentos calçadista, têxtil e de brinquedos, além do elétrico-eletrônico.

As dificuldades da indústria nacional foram detectadas no III Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, que se reuniu no Rio de Janeiro, no final do ano passado. Especialistas e estudiosos de diversas áreas congregaram-se, nesse encontro, para discutir a situação da nossa indústria.

Na ocasião, citou-se o exemplo do maior fabricante nacional de brinquedos que, para sobreviver, precisou redirecionar seus negócios. Reportando debates e conclusões do encontro, a publicação Cadernos do Terceiro Mundo comentou:

      "(...) Seu lado industrial adernou: agora é mais uma grande firma comercial importadora de brinquedos produzidos em outros países. Menos empregos, menor geração de renda interna, recuo de um braço produtor, redução espraiada para os segmentos fornecedores de insumos..."

Por seu turno, os investidores estrangeiros têm sido atraídos pelo programa de privatizações e pela estabilidade econômica.

De acordo com dados coletados pela economista e Deputada Maria da Conceição Tavares, a entrada bruta de capital no País foi de 17 bilhões de dólares em 1992; saltou, no ano seguinte, para 32 bilhões; em 1994, foi de 43 bilhões; em 1995, foi de 53 bilhões; e, no ano passado, atingiu a astronômica cifra de 78 bilhões e 900 milhões de dólares.

Apesar de desfrutarmos hoje de uma credibilidade raramente registrada em nossa história, o momento que vivemos inspira cuidados: do montante internalizado no ano passado, apenas U$9,5 bilhões corresponderam a investimentos fixos.

Segundo a Professora de Economia, "As multinacionais só trouxeram como crédito U$2,6 milhões. E o que elas investem remetem em lucros para fora".

Sem qualquer intenção de fazer alarde, não posso ignorar as advertências de numerosos estudiosos que se mostram receosos quanto ao desempenho do nosso setor produtivo em face dessas recentes transformações.

"É ilusório acreditar que o capital estrangeiro vai estimular o desenvolvimento tecnológico no Brasil", assinalou o economista Fábio Erber, durante o já referido III Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, reportado pela revista Cadernos do Terceiro Mundo.

Por sua vez, o economista João Paulo de Almeida Magalhães, citado pela mesma publicação, alerta: "O Governo não tem estratégia para o desenvolvimento e aposta todas as suas fichas nas multinacionais, esquecendo-se de que a empresa privada nacional tem papel fundamental a desempenhar".

Essa observação de numerosos economistas, Srªs e Srs. Senadores, coincide com a reivindicação de grandes parcelas do empresariado brasileiro.

Para eles, o Governo brasileiro tem sido ingênuo ao supor que pode prescindir da empresa brasileira e da própria presença do Estado na sua estratégia econômica, como se a simples entrada de capitais estrangeiros nos pudesse conduzir ao desenvolvimento.

Obviamente, nem tudo o que ocorre na economia brasileira, em conseqüência da globalização e da abertura do mercado, é ruim. Não se pode negar que a abertura tem tido um efeito salutar para diversos segmentos. Assim aconteceu, por exemplo, com a "invasão" dos produtos importados, que sinalizava para a derrocada da indústria nacional.

Para sobreviver, os produtores brasileiros passaram a cortar custos e a perseguir maior competitividade.

Alguns empresários reduziram a produção e intensificaram o comércio de mercadorias importadas, enquanto outros passaram a comprar componentes e equipamentos no exterior, como forma de melhorar a produtividade.

Também as multinacionais que aqui se instalaram, num primeiro momento, importavam produtos acabados. Aos poucos, passaram a importar os insumos e a produzir suas mercadorias no País. O Brasil, descobriram, tinha um mercado considerável, que se tornava mais atraente à medida que o Mercosul ganhava consistência. Pode-se observar que, na seqüência desse processo, essas empresas passaram a ampliar sua capacidade de produção.

Todas essas circunstâncias, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enfatizam a necessidade de se pôr em execução um projeto estratégico de desenvolvimento, que, além de contemplar o mercado interno e de evitar a destruição de nossa base produtiva, seja suficientemente ousado para ampliar nossa cota de participação no mercado internacional.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Senador Ney Suassuna, permite V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Com muita satisfação, Senador Romeu Tuma. V. Exª ilustrará o meu discurso com sua participação.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Senador, estou ouvindo o discurso de V. Exª com atenção e bastante preocupado. Grandes indústrias conseguiram se adequar à realidade, às exigências do mercado, diminuindo custos e melhorando a qualidade nos seus produtos. Entretanto, como a maioria dos Senadores - e V. Exª também procede assim -, visito sempre o interior do meu Estado e recebo, muitas vezes, empresários desesperados. Ainda ontem, entregaram-me uma carta endereçada ao Presidente da República abordando o problema da indústria têxtil. Gostaria que V. Exª também se referisse às pequenas e médias indústrias brasileiras, que não puderam se adequar à nova realidade, porque a aquisição de máquinas importadas estão acima de sua capacidade financeira. Por conta disso, alguns setores estão fechando suas indústrias. Faz-se necessário um programa, uma estratégia de produtividade para atender à demanda interna e externa, e aplaudo V. Exª pela iniciativa, que merece ser levada em consideração pelo Governo e pelo Ministério da Indústria e do Comércio. Espero que, em breve, possamos ouvir V. Exª, da tribuna, comunicando que foi atendido pelo Governo.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Muito obrigado. Como eu imaginava, o aparte de V. Exª em apoio ao meu discurso deixa-me mais fortificado. As indústrias têxtil e calçadista e outros setores necessitam urgentemente de uma diretiva para salvar um grande número de empregos que estão desaparecendo, inclusive por uma competição criminosa de outros países que subsidiam seus produtos.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Também por causa do contrabando.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Exatamente Senador, subsídio e contrabando.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não estou advogando proteção permanente ou, muito menos, paternalismo para a indústria nacional. Reitero apenas que a integração da economia brasileira com o capital multinacional deve ser feita com cautela, com o indispensável controle - e não proibição - da entrada de capitais.

Não é outra a reivindicação do empresariado brasileiro, definitivamente consciente de que o protecionismo generalizado está na contramão do momento econômico mundial. Ao que me parece, o Governo brasileiro, tanto quanto o empresariado nacional, precisa definir suas metas e suas estratégicas de crescimento.

Durante algumas décadas, com todos os eventuais erros que tal fato pudesse implicar, o País deu nítido direcionamento à atividade econômica. Assim foi em relação ao Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, ao Plano de Ações Estratégicas do Governo (PAEG) e aos Planos Nacionais de Desenvolvimento I, II e III, no Governo Militar.

O PND da Nova República não tinha metas tão explícitas e estratégias tão definidas, e o Plano Brasil em Ação, apresentado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso no ano passado, reúne programas e projetos multissetoriais, muitos dos quais já contemplados na formulação do Orçamento Plurianual, não podendo ser considerado efetivamente um plano estratégico de desenvolvimento.

Disse, há pouco, que o empresariado nacional ressente-se dessa definição. É o que se pode observar, por exemplo, no editorial de Abifina Informando, informativo da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e Suas Especialidades, em sua edição de julho.

      "Com a abertura comercial ocorrida ao longo dos anos 90, foram drasticamente alteradas as premissas que orientam o relacionamento entre o Brasil e os demais países do mundo, ao tempo em que a política industrial brasileira vigente até os anos 80 foi abolida, deixando um vazio ainda não preenchido" - diz o editorial, acrescentando:

      "Por outro lado, se é bem verdade que a postura antes autoritária do agente estatal foi muito modificada, ainda carecemos de maior transparência e, mesmo, de consistência no processo decisório e em sua implementação, bem como de uma maior articulação governo-setor privado em todas as fases do processo (...)"

Causa especial perplexidade, no meio empresarial, a ausência de uma política de comércio exterior que facilite o aumento não apenas do volume de exportações, mas também da participação, na pauta, de produtos de maior valor agregado.

A concentração das exportações brasileiras em itens de baixo valor agregado, especialmente produtos do setor primário ou semimanufaturados, é histórica. Agora, com a expansão do fluxo de comércio internacional, é mister que revertamos essa situação.

A expectativa do empresariado brasileiro é de que o Governo preencha essa lacuna urgentemente, para que o País possa usufruir melhor dos benefícios proporcionados pelo Mercosul, além de preparar-se para uma generalizada queda das barreiras comerciais no continente americano.

Em recente reportagem sobre a necessidade de consolidação do Mercosul, o Correio Braziliense ponderava: "Ninguém tem dúvida de que no futuro todas as barreiras comerciais do planeta vão se aproximar de zero, mas é melhor preparar essa integração, competindo, antes, dentro de um bloco menor."

Em que pese a existência de algumas divergências em relação às datas de integração continental, urge que o Brasil aumente a sua participação no Mercosul, preparando-se para a implantação da Associação de Livre Comércio das Américas - ALCA, que provavelmente começará a operar logo depois do ano 2000.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recente estudo da Associação de Comércio Exterior do Brasil comprovou que as exportações brasileiras não teriam perspectivas animadoras caso a ALCA estivesse já em operação.

O Brasil, de acordo com o estudo, poderia aumentar ligeiramente suas vendas de aço e suco de laranja - nada mais. Isso aconteceria porque nossos produtos industrializados não são competitivos no mercado internacional, embora tenham compradores no Mercosul.

Essa constatação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não comporta dúvidas: enquanto as vendas brasileiras ao Mercosul cresceram 28% anualmente entre 1991 e 1995, as exportações para outros países cresceram à taxa anual de 10%. Mesmo no âmbito do Mercosul, há que se registrar que as exportações brasileiras têm tido um desempenho apenas razoável, com a menor taxa de crescimento anual entre os quatro países-membros: o Uruguai registrou crescimento médio anual, no período 1991/1995, de 33%; a Argentina, de 36%; e o Paraguai, de 61%, conforme relata a citada reportagem do Correio Braziliense.

Ainda com relação às exportações, reclama o empresariado nacional uma atuação mais agressiva de nossa diplomacia, que ainda é muito festiva e pouco comercial. As recentes transformações econômicas encontraram governantes e empresários completamente despreparados para atuar nas negociações internacionais. Basta dizer que o Governo brasileiro conta com apenas seis pessoas, entre técnicos e diplomatas, para representá-lo nas negociações do Mercosul.

Quanto ao empresariado, foram poucos os representantes da categoria que, num passado recente, reagiram à acomodação e forçaram a presença de suas empresas no mercado externo.

Apesar de todas essas ponderações, ninguém há de desconsiderar as medidas que têm sido tomadas para proteger a indústria nacional e promover o crescimento de nossa economia nesse novo contexto.

Há que reconhecer que algumas providências têm sido implementadas, como a desoneração fiscal, o seguro de crédito ou as tentativas de redução do chamado "custo Brasil".

É necessário salientar, porém, que essas ações têm-se revelado inconsistentes e, muitas vezes, desconectadas umas das outras. Na maioria das vezes, refletem uma tentativa isolada de melhorar as vendas ao mercado externo. E apenas isso.

Algumas das medidas que têm sido reclamadas são o estabelecimento de juros com tratamento diferenciado e, de modo geral, em patamares mais baixos; montagem de uma verdadeira estrutura de comércio exterior; ampliação da oferta de financiamentos privados a longo prazo; consolidação da poupança interna; estabelecimento de critérios qualitativos mais rigorosos para os investimentos estrangeiros; e medidas de longa maturação, como, por exemplo, maiores e mais eficazes investimentos na educação e na tecnologia.

Essas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são apenas algumas das medidas que se requerem para fortalecer o mercado interno e dar competitividade aos produtores nacionais.

A definição de uma política industrial consistente, ao lado de medidas como a estabilização econômica e a desconcentração da renda, consolidará o setor produtivo, aumentará o poder de barganha frente aos nossos competidores e ajudará o País a integrar-se, em condições privilegiadas, ao dinâmico mercado de um mundo irreversivelmente globalizado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/1997 - Página 19629