Discurso no Senado Federal

AMEAÇA ECOLOGICA SEM PRECEDENTES DA EXPLORAÇÃO PREDATORIA DE MADEIRA NA AMAZONIA POR EMPRESAS ASIATICAS, PRINCIPALMENTE DA MALASIA. DENUNCIAS DE DIZIMAÇÃO COMPLETA DE ESPECIES DE ARVORES DA FLORESTA AMAZONICA. QUESTÃO DA BIOPIRATARIA.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • AMEAÇA ECOLOGICA SEM PRECEDENTES DA EXPLORAÇÃO PREDATORIA DE MADEIRA NA AMAZONIA POR EMPRESAS ASIATICAS, PRINCIPALMENTE DA MALASIA. DENUNCIAS DE DIZIMAÇÃO COMPLETA DE ESPECIES DE ARVORES DA FLORESTA AMAZONICA. QUESTÃO DA BIOPIRATARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/1997 - Página 19633
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, DESTRUIÇÃO, FLORESTA, BRASIL, COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATEGICOS DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA (SAE), ESPECIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, MALASIA, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, REGIÃO AMAZONICA, DENUNCIA, FRAUDE, FISCALIZAÇÃO, ILEGALIDADE, EXTRATIVISMO.
  • DEFESA, SELO, COMPROVAÇÃO, MANEJO ECOLOGICO, EXTRATIVISMO, AMPLIAÇÃO, ESPECIE, MADEIRA, EXPORTAÇÃO.
  • DENUNCIA, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO AMAZONICA, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, VACINA, COSMETICOS, LABORATORIO, PAIS ESTRANGEIRO, FALTA, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, APROPRIAÇÃO, CONHECIMENTO, TRADIÇÃO, POPULAÇÃO, INDIO.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE, PROTEÇÃO, BIODIVERSIDADE, BRASIL.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco o Senador Jader Barbalho ocupou a tribuna para fazer a comunicação sobre um ato realizado no Palácio do Governo, na cerimônia de lançamento do Projeto Casulo e sua inclusão na reforma agrária.

Eu gostaria, como complemento ao que disse o Senador Jader Barbalho, de usar a frase que o Presidente Fernando Henrique Cardoso usou ao se referir ao Congresso Nacional: "Esgotou-se a pauta congressual sobre a reforma agrária". E enunciou alguns dos projetos já aprovados nesta Casa. Entre eles citou o processo sumário para desapropriações, o ITR e outros, dizendo claramente que o Congresso deu toda a contribuição necessária à implantação do Projeto de Reforma Agrária do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Reconheceu Sua Excelência, o Presidente, o trabalho efetivo que o Congresso lhe ofereceu para que, com bases legais, possa dar cumprimento ao Programa de Reforma Agrária.

Mas, por falar em reforma agrária, Sr. Presidente, Srs. Senadores, vim a esta tribuna até para fazer uma pergunta que acredito que pode parecer piada para alguns, mas acho que é grave. Perguntei a algumas crianças em escolas do primeiro e do segundo graus se já viram um "brasil". Referia-me ao pau-brasil, que deu nome a este País. E acredito que a devastação das matas e a incontrolável destruição das nossas principais madeiras fez com que se esgotasse esta também.

Essa lembrança trago para que ninguém pense que são infundadas as denúncias de destruição e devastação de amplas áreas de nossas florestas, com a dizimação completa de espécies como o cedro, o mogno e o pau-rosa. Do mesmo modo como o pau-brasil é, hoje, apenas uma lembrança no nome do País, essas árvores serão, em poucos anos, apenas uma palavra no dicionário. A única diferença é que, há 500 anos, os meios pelos quais o pau-brasil foi extraído de nossas matas, eram infinitamente mais modestos que as poderosas motosserras e tratores que atualmente põem abaixo madeiras e florestas valiosíssimas.

Um relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos - SAE, amplamente noticiado pela imprensa, dá conta da gravidade dessa questão. Chama a atenção especialmente para o caso dos madeireiros malaios, recém-chegados e mais agressivos que outros, mas que são apenas mais um componente nessa trilha de devastação.

É preciso vermos que a exploração de madeiras na Amazônia não começou agora, mas que o caminho tomado indica necessidade de se tomarem medidas urgentes de preservação.

Temos que reconhecer, inicialmente, que a madeira da Amazônia só despertou o interesse para os próprios brasileiros após exauridas todas as reservas de florestas do Sul do País. E esse esgotamento é, também, Srªs e Srs. Senadores, mais um sinal da gravidade da devastação. A Mata Atlântica, que já foi uma das mais luxuriantes do planeta, sobrevive apenas em algumas poucas reservas florestais.

No princípio, a exploração de madeiras na Amazônia se restringia às áreas acessíveis por rodovias - particularmente no Estado do Pará. Mas, agora, poderosos grupos econômicos têm utilizado os rios como via para transportar enormes comboios de toras, vindas dos mais distantes recantos da Floresta Amazônica, numa ameaça sem precedentes.

Desde a construção da Belém-Brasília, madeireiras de todas as partes do País ocuparam vastas regiões ao longo da estrada. Mas não apenas as madeireiras brasileiras, pois, desde a década de 70, grupos americanos, canadenses, portugueses e chineses têm atuado na região. Entretanto, apenas agora, com o esgotamento de florestas na Malásia, que era uma das maiores fornecedoras do mercado mundial, as empresas malaias começaram a ocupar a Amazônia. Infelizmente, o histórico de tais madeireiras não as recomenda em nada. O modo pelo qual trabalham levou ao esgotamento das madeiras e à devastação, como na Tailândia, onde mais de 90% das florestas foram destruídas; ou o Vietnã, em que esse percentual chega a 95%. Já em Bornéu, toda a floresta foi destruída.

É preciso deixar claro que as madeiras existentes na Amazônia Legal podem e devem ser exploradas comercialmente. Isso, entretanto, não quer dizer que tal exploração seja predatória; não equivale tampouco a dizer que não se busque o manejo das florestas para uma exploração sustentada.

Dito isso, vejamos a gravidade da situação:

O relatório da SAE informa que está havendo contrabando, extração ilegal, falsificação de guias de importações e compra irregular de áreas de florestas por grupos estrangeiros. E - mais grave - acrescenta que as autoridades locais, seduzidas pela movimentação de recursos que as madeireiras trazem, têm dado todo o apoio, dificultando a fiscalização por parte das autoridades federais.

Pelo que se apurou, as empresas mentiram ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA, ao declarar que possuíam meio milhão de hectares de florestas, quando, na verdade, têm posse de quase dois milhões de hectares, ou seja, quatro vezes mais do que o informado. Segunda mentira: que extraem seis milhões de metros cúbicos de uma área de menos de 200 mil hectares. Constatou-se que a produção de madeira é cinco vezes maior, ou seja, cerca de 30 milhões de metros cúbicos, o que, naturalmente, exige uma área maior que a declarada.

O relatório da SAE traz outros dados alarmantes, como o de que 80% da madeira comercializada na Amazônia provém de extração ilegal e predatória; que há um desperdício de dois terços das árvores. E, pelo volume de madeira extraída anualmente - 60 milhões de metros cúbicos - seria necessário deixar intocado um grande trecho de florestas, para que não tenhamos em breve a desertificação da área, pois, como todos sabem, pelas características do solo, as florestas tropicais exigem um tempo maior de regeneração.

Há que se ver que pouco mais de uma dezena de espécies de madeiras são exploradas comercialmente para exportação. Obviamente, a extração dessas madeiras selecionadas, como o mogno, leva à derrubada de enormes extensões em volta de cada área. As conseqüências para o restante das espécies vegetais e para toda a fauna são desastrosas.

Entretanto - é preciso que se diga -, é possível extrair madeiras sem danificar as florestas. Para conduzir um processo assim, foi criado o selo Smartwood, o equivalente ecológico do ISO 9000. Para obter esse selo, a empresa precisa cumprir uma série de processos de manejo para preservar a floresta. Para pelo menos uma das empresas da região, que obteve o selo, tal estratégia vale a pena, pois acaba de fechar um contrato milionário com a Alemanha, um país que se recusava a comprar madeira de países que se utilizam de meios predatórios.

Os custos de tal manejo podem se incluídos no preço da madeira como uma espécie de imposto ecológico, que, dada a nobreza das madeiras, seria tolerado pelo mercado.

Outra providência a ser tomada para tornar mais racional a exploração da madeira é incorporar outras árvores à pauta de exportação, além das espécies mais conhecidas, como o mogno, a maçaranduba, o cedro, o freijó, o ipê e a sucupira. Para tanto, é preciso que os centros tecnológicos de aproveitamento da madeira desenvolvam e divulguem suas pesquisas sobre uso de outras espécies.

Mas, infelizmente, Srªs e Srs. Senadores, não são apenas as madeiras nobres que têm sido alvo de apropriação por grupos estrangeiros. Outro assunto que merece atenção é a chamada biopirataria, ou seja, exploração ilegal de recursos biológicos para a produção de medicamentos, vacinas e cosméticos. Muitas têm sido as denúncias de laboratórios estrangeiros que têm registrado patentes de produtos baseados no conhecimento dos povos indígenas, utilizando-se de matéria-prima encontrada em terras brasileiras, particularmente na Amazônia.

Alguns medicamentos já são comercializados, sendo que um deles - para controle da pressão arterial - tem como base o veneno da jararaca; outro que também é comercializado por poderosa multinacional - indicado para o tratamento de leucemia e tumores - é feito a partir da flor boa-noite. Um laboratório da Califórnia, Estados Unidos, vem pesquisando sete mil plantas da Amazônia e desenvolveu pelo menos dois medicamentos que estão em testes e que têm um público potencial de 50 milhões de pessoas apenas nos Estados Unidos.

No mundo inteiro há laboratórios pesquisando princípios ativos para medicamentos com base no conhecimento dos povos tradicionais da floresta, utilizando-se de plantas da flora brasileira, mas não há nenhuma garantia de que o Brasil ou as populações indígenas venham a ser beneficiadas com o resultado comercial desses produtos. Ressalte-se que a pesquisa que leva a um medicamento sai infinitamente mais barata para os laboratórios quando partem de droga já conhecida. Um novo medicamento pode levar dez anos para ser desenvolvido e consumir até US$ 350 milhões; mas, se o laboratório industrializa um droga já usada pelos indígenas, economiza até US$ 300 milhões.

Infelizmente, um acordo assinado por ocasião da Rio 92 não vem sendo cumprido. Tal acordo garante o pagamento de royalties às comunidades indígenas, quando a indústria se utiliza de conhecimento ou de matéria-prima desses povos.

Essas são algumas das preocupações que tenho com relação à preservação dos recursos nacionais e que, creio, exigem uma resposta não só do Governo mas também da sociedade.

Quanto à questão da madeira, o mínimo que se espera do Governo Federal é que dê aos órgãos de meio ambiente a infra-estrutura suficiente para dar conta das tarefas de fiscalização exigidas. Dos Governos e autoridades locais, do Governador ao Vereador, é preciso uma postura mais comprometida com objetivos a longo prazo, evitando a devastação das áreas florestais e buscando outros meios de obter recursos para a região.

Quanto à biopirataria, é preciso que o Congresso Nacional aprove as leis que assegurem o cumprimento dos acordos internacionais, para preservar os direitos das populações indígenas e do País em relação a seus recursos naturais.

Visto que os recursos da amazônia, devido à riqueza da biodiversidade, são potencialmente utilizáveis para obter novos medicamentos, devem-se incentivar as pesquisas científicas. Os resultados de tais pesquisas, obviamente, só poderão ser úteis se industrializados. Daí a necessidade de os industriais investirem na produção de medicamentos fitoterápicos da Região Amazônica.

Mas os recursos naturais brasileiros continuarão a ser pirateados, se a sociedade não encarar isso como uma questão nacional a ser resolvida.

É preciso que os meios de comunicação, com o poder que têm, esclareçam as populações locais sobre a necessidade de exigirem os seus direitos sobre os conhecimentos e matérias-primas de que dispõem, evitando serem vitimadas por pessoas inescrupulosas.

Creio que, dentro de um processo de globalização como o que vivemos, o sentimento de defesa dos recursos nacionais deve prevalecer, pois só os países cujo povo tem esse sentimento fortemente arraigado têm-se projetado para além das fronteiras.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/1997 - Página 19633