Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA, MARCO DA HISTORIA E DA FORMAÇÃO POLITICA DA SOCIEDADE RIO-GRANDENSE.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA, MARCO DA HISTORIA E DA FORMAÇÃO POLITICA DA SOCIEDADE RIO-GRANDENSE.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/1997 - Página 19693
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DATA, AMBITO REGIONAL, HOMENAGEM, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se olhasse para o plenário, talvez não me entusiasmasse para fazer este pronunciamento, mas o faço nesta data, em primeiro lugar, porque o assunto que quero referir-me está diretamente vinculado a acontecimentos que estão ocorrendo no meu Estado, o Rio Grande do Sul, principalmente nesta semana, precisamente na data de amanhã. Em segundo lugar, sinto-me profundamente entusiasmada em fazer este pronunciamento porque olho para as galerias deste nosso plenário do Senado Federal e as vejo lotadas de jovens estudantes, que, certamente, são a esperança do nosso País e que representam o compromisso do nosso presente e dos dias de amanhã.

Como professora, toca-me profundamente a saudade. Distante da minha terra, redobram esses sentimentos. Portanto, quero pedir a atenção das pessoas que estão nos ouvindo e nos assistindo neste momento para o teor do meu pronunciamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mês de setembro tem uma grande importância para o Rio Grande do Sul. O dia 20 de setembro é a data máxima do Estado e do nosso povo. Neste dia, em todos os recantos, os gaúchos reverenciam a Revolução Farroupilha - marco da história e da formação política da sociedade rio-grandense -, suas causas e ensinamentos.

Data transformada em feriado, por decisão da Assembléia Legislativa, a partir de lei aprovada no Congresso Nacional em 1996, que estendeu a mesma possibilidade a todos os Estados, o 20 de setembro é uma data que aprofunda o espírito de solidariedade, de ação unitária e coletiva e de patriotismo do povo gaúcho!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as comemorações da Semana Farroupilha, que se estendem até o dia 20, iniciaram neste ano no dia 12 passado, quando cerca de 50 cavaleiros, devidamente pilchados, ou seja, tipicamente trajados, percorreram as ruas da Capital gaúcha, levando a "Chama Crioula", fogo que simbolicamente mantém viva a história rio-grandense. Ao som dos clarins da Brigada Militar e dos hinos do Rio Grande do Sul e do Brasil, ela chegou ao Palácio Piratini, onde foi aceso o "Candeeiro Crioulo", abrindo oficialmente a temporada de eventos que mobiliza todas as comunidades gaúchas.

A chama, também levada pelos cavaleiros até o monumento Bento Gonçalves, à Secretaria da Educação, ao Centro Administrativo, ao Palácio da Polícia e à Loja Maçônica, se espalhou por todos os recantos tradicionalistas da Capital do Estado e da região metropolitana. Na ocasião, também os representantes dos CTGs - Centros de Tradições Gaúchas, do interior do Estado se dirigem à Capital para colher uma centelha da chama simbólica e levá-la aos respectivos Municípios - alguns cavalgando até 700 quilômetros, como no caso dos cavaleiros da fronteira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tradicionalismo do Rio Grande do Sul surgiu no de 1947, a partir da organização do Departamento Tradicionalista, organizado por estudantes da famosa Escola Pública Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, liderado por João Carlos Paixão Cortes.

"O Grêmio Estudantil Júlio de Castilhos, sentindo a necessidade da perpetuação das tradições gaúchas, fundou, aliando aos seus já numerosos departamentos, o das "Tradições Gaúchas", procurando assim preservar esse legado imenso dos nossos antepassados, constituído do amor à liberdade, grandeza de convicções, representadas pelo sentimento de igualdade e humanidade" - parte de nota publicada na imprensa, à época.

Atualmente, em Porto Alegre, neste período, ergue-se no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, entre prédios residenciais e públicos, uma espécie de vila, com cerca de 400 barracas e balcões de madeira, denominada "Ronda Crioula", reunindo integrantes dos Centros de Tradições Gaúchas, piquetes de milhares de pessoas, que visitam o local e celebram a data, ao redor do fogo de chão, com churrasco, chimarrão, poesia, música e dança, relembrando a história e contando causos.

Todos confraternizando diuturnamente, através da cuia de chimarrão, elo afetivo e real da amizade, igualdade e compreensão mútua, enraizando no gaúcho, por instinto e condicionamento, o mais amplo sentido da democracia.

Além disso, tanto na Ronda Crioula, como em outros locais públicos ou privados, ocorrem palestras, debates, sessões solenes e outras formas de manifestação voltadas ao resgate das tradições e da afirmação da cultura regional. Também dentro das comemorações, este ano, como destaque, está sendo lançado, em diversas cidades do Estado, o filme épico "Anahy de las Misiones", de Sérgio Silva.

Como ponto máximo, encerrando as comemorações, amanhã, 20 de setembro, haverá, em muitos municípios do Rio Grande, desfiles a cavalo e em charretes, que reúnem milhares de gaúchos, trajando vestimentas típicas - os homens: bombachas, botas, lenços e chapéus de aba larga; as mulheres: vestidos de prenda, rodados e coloridos, e com belas flores nos cabelos, ou com suas longas saias, botas e chapéu.

Em clima de união, de clamor cívico e de consciência viva, os gaúchos dão uma profunda demonstração de igualdade, integração do campo e da cidade, e de respeito a sua história, reverenciando seus antecedentes, unindo gerações e vislumbrando o futuro.

É importante destacar que as comemorações da Revolução Farroupilha integram os rio-grandenses de todas as origens - sejam alemães, italianos, poloneses, árabes, negros, judeus, japoneses e demais raças - que, sem abdicar de sua própria cultura, encontram-se perfeitamente integrados com os valores da tradição gaúcha.

Srªs e Srs. Senadores, a Revolução Farroupilha, iniciada em 20 de setembro de 1835, e que durou cerca de dez anos, envolveu, em sucessivos e espetaculares combates, segundo os historiadores, cerca de 20 mil homens e mulheres em luta, resultando na morte heróica de aproximadamente 3.500 pessoas, em sua maioria revolucionários.

Unindo e mobilizando os farrapos, sob a liderança de homens e mulheres do porte de Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi, David Canabarro, Antônio da Silva Neto, Domingos Crescêncio e Anita Garibaldi, estava o sentimento de rebeldia contra a centralização do Poder Federal, que se manifestava, de forma especial, na espoliação econômica da região.

Entre as principais causas do levante, estavam a penalização dos produtos agropecuários, especialmente o charque, com altos impostos e, também, a expropriação e desvio dos recursos acumulados no Estado, até mesmo para pagar dívidas federais junto à Inglaterra.

Mas, além disso, a Revolução Farroupilha transformou-se em um momento de construção e afirmação dos princípios sociais, políticos, econômicos, culturais, e, talvez, principalmente ideológicos, que orientam a sociedade gaúcha até hoje.

Apesar da guerra, do ataque constante do poder imperial, os rebeldes farrapos mantiveram a atividade econômica, desenvolveram as estruturas de poder, tanto civil quanto militar, e introduziram revolucionárias práticas democráticas.

Em 1837 e 1838, libertaram os escravos, que haviam participado da Revolução; reduziram os impostos sobre exportação e restabeleceram o imposto sobre importação de gado; criaram uma fábrica de arreios e outra de curtir couros e promoveram o recenseamento da população.

Ainda, dentre as medidas mais importantes, institui-se a Assembléia Constituinte e o sistema eleitoral baseado no sufrágio universal, com voto obrigatório e apuração perante o povo reunido.

O processo revolucionário, em sua radicalidade, também foi determinante para aprofundar a definição do perfil da mulher gaúcha, que, no rigor da guerra, destacou-se pela determinação, iniciativa, objetividade, ousadia e coragem.

Além daquelas que participaram diretamente da revolução, milhares de mulheres, na ausência dos homens, deslocados para a guerra, passaram a responder integralmente pelas atividades produtivas, pelas questões sociais, pela administração das propriedades e pela educação da família, bem como todas as demais responsabilidades de uma mãe e de um pai chefe de família.

A Revolução Farroupilha não teria sucesso sem a participação, também heróica, dessas milhares de mulheres anônimas.

Aliás, arrisco dizer que, considerando o fato de o Rio Grande ter vivido praticamente 100 anos em guerras fronteiriças constantes, a história do Estado, e mesmo do Brasil, seria diferente, não fosse a atuação da mulher.

A Revolução Farroupilha, portanto, deixou muitos ensinamentos, dentre os quais, certamente, destacam-se o sentimento de soberania em relação ao poder central, o profundo espírito de integração da sociedade com o poder público e um grande senso de patriotismo.

Tais acontecimentos ensejaram ao povo sulino, sensorialmente, o sentimento de firmeza de caráter e de ação dos seus ancestrais, sensibilizando-o como um seu predestinado continuador no tempo e no espaço.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento, além do registro das atividades que estão se realizando no Rio Grande, gostaria de destacar o crescimento da participação da sociedade gaúcha nas comemorações de sua data máxima.

Herança maior da gente do interior, do campeiro, do lavrador, do fronteiriço, do homem e da mulher da cidade, o espírito farrapo manifesta-se cada vez com mais força, expressando o sentimento de insatisfação e de resistência diante da situação econômica e política atual.

Se os farroupilhas lutaram para defender o couro, o charque, o sebo e a gordura, ou seja, suas fontes de riquezas da época, hoje os produtores rurais gaúchos levantam-se em defesa da agropecuária do Rio Grande, que vem sendo massacrada pela política econômica em curso no País, apesar de âncora do Plano Real.

A vitoriosa guerra contra a sangria dos impostos naquela época, por parte do poder central, certamente inspira a mobilização de prefeitos e vereadores contra o verdadeiro saque aos cofres dos municípios, promovido pela Lei Kandir e pelo Fundo de Estabilização Fiscal, enfim, pelo que estamos vendo hoje a se repetir o que houve há muitos anos.

Naquela época, o Governo central apropriava-se do superávit acumulado pelo Estado para sua livre utilização, inclusive para pagar empréstimos federais externos; hoje assistimos o mesmo poder retirar recursos da economia regional da ordem de R$300 milhões por conta apenas dessas duas medidas citadas - Lei Kandir e FEF -, para alimentar a ciranda financeira internacional.

O mesmo sentimento de valorização da economia regional que orientou aqueles revolucionários também hoje estimula os gaúchos a lutarem contra a abertura indiscriminada da economia

rio-grandense e brasileira à concorrência externa desleal, predatória e extremamente prejudicial ao desenvolvimento do Estado e do País.

Srªs e Srs. Senadores, por outro lado, cada vez mais os rio-grandenses constatam que, ao invés de um Estado fragilizado, ausente das suas funções básicas e estratégicas e com seus funcionários desmotivados, é preciso resgatar o princípio da unidade entre Governo e povo, como parceiros de um processo de promoção dos interesses coletivos que sempre norteou a construção da sociedade gaúcha.

E, ainda, neste momento de resgate histórico, é também crescente o sentimento de que, antes da subserviência, da fidelidade irrestrita ao poder central, o que ainda vale, e que melhor defende os interesses do Rio Grande, é a aplicação dos princípios farroupilhas de dignidade, de independência, de coerência e de justiça.

O Rio Grande, da mesma forma que o Brasil, vive um grande desafio, de busca de um novo caminho para as relações econômicas, políticas e sociais; momento em que não pode prescindir da experiência histórica acumulada pelo povo, como contribuição fundamental para o sucesso dessa tarefa que está colocada para a atual e as futuras gerações.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, portanto, a compreensão coletiva de toda essa gama de considerações cristalizou-se na alma gaúcha, sublimando a tradição em tradicionalismo, que, para o gaúcho, é uma filosofia de vida, um modo de ser, de sentir, de pensar e de agir.

Filosofia que se transformou num manancial de solidariedade humana, unindo corações e caracteres, propiciando a conscientização de "um nacionalismo pronto a despertar e agir no momento em que os interesses nacionais venham a exigir o seu pronunciamento", afirmação do abalizado Olinto Sanmartin, que tantas vezes tem se manifestado e que, se necessário, deve ser posto à prova e comprovado.

Ao encerrar, Sr. Presidente, quero destacar que as comemorações em torno da Semana Farroupilha extrapolam os limites do Rio Grande, mobilizando os gaúchos que residem, trabalham e produzem em outros Estados da Federação ou mesmo no exterior. São homens e mulheres, que mesmo longe do pampa não esquecem a história, as tradições, os costumes e a cultura da sua terra e da sua gente e se unem para também reverenciar a nossa data máxima.

Tais manifestações, inseridas entre as mais destacadas dentre todos os povos do mundo, deve-se, em grande parte, ao compromisso com a cultura e as tradições, com o espírito cívico e com o trabalho desenvolvido por milhares de lideranças tradicionalistas, patronagem de CTGs e galpões e ao povo em geral que apóia e participa os quais merecem o nosso aplauso e toda a sociedade gaúcha brasileira.

O somatório dessas influências revela-nos, à sociedade, o porquê desse apego ao torrão natal, desse amor aos pagos, dessa ternura pela querência. É o gaúcho, na verdadeira acepção do termo, reencontrando-se.

Na qualidade de Senadora da República, envolvida pela força das bandeiras do Rio Grande do Sul e do MTG - Movimento Tradicionalista Gaúcho, que ostento em meu Gabinete, aqui no Senado Federal, e integrada no espírito farroupilha que orienta o tradicionalismo, sentindo-me cada vez mais irmanada ao povo do Rio Grande, quero reafirmar o meu compromisso de representar o meu Estado com determinação, coerência e trabalho.

Ainda mais, neste momento, gostaria de compartilhar com todos aqueles brasileiros que nos ouvem ou nos assistem, o lema dos farroupilhas escrito na bandeira do Rio Grande do Sul: "Liberdade, Igualdade, Humanidade".

Traria também aqui, para registro, parte do nosso Hino rio-grandense, onde diz:

"Mostremos valor, constância.

Nesta ímpia e injusta guerra

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda a terra.

Mas não basta para ser livre

Ser forte, aguerrido e bravo

Povo que não tem virtude

Acaba por ser escravo."

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na certeza de que juntos, rio-grandenses e brasileiros de todos os recantos deste País, podemos transformar tais valores em realidade viva, expressa nos sentimentos e na ação de cada cidadão deste País, nós saudamos em especial o povo do meu Estado, estimulada por sentimentos positivos de orgulho e de saudades.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/1997 - Página 19693