Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO MINISTERIO PUBLICO DE SUSTAR O PROCESSO LICITATORIO INICIAL PARA A EXPLORAÇÃO PRIVADA DE MADEIRA NA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJOS, NO PARA, MEDIDA ESTA QUE TRAZ A BAILA O IMPORTANTISSIMO DEBATE ACERCA DO FUTURO AMBIENTAL, ECONOMICO E SOCIAL DA AMAZONIA E DE SEUS RECURSOS NATURAIS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO MINISTERIO PUBLICO DE SUSTAR O PROCESSO LICITATORIO INICIAL PARA A EXPLORAÇÃO PRIVADA DE MADEIRA NA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJOS, NO PARA, MEDIDA ESTA QUE TRAZ A BAILA O IMPORTANTISSIMO DEBATE ACERCA DO FUTURO AMBIENTAL, ECONOMICO E SOCIAL DA AMAZONIA E DE SEUS RECURSOS NATURAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/1997 - Página 19683
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, SUSPENSÃO, LICITAÇÃO, EXPLORAÇÃO, FLORESTA NACIONAL, ESTADO DO PARA (PA), INICIATIVA PRIVADA, POLITICA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), MANEJO ECOLOGICO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PREVENÇÃO, DESTRUIÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, FATURAMENTO, EMPREGO, IMPOSTOS, EXTRATIVISMO, MADEIRA, BRASIL.
  • APOIO, SUSPENSÃO, LICITAÇÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ESTUDO, INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZONIA (INPA), CARACTERISTICA, FLORESTA AMAZONICA, IMPACTO AMBIENTAL, PROJETO, EXPLORAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, RECURSOS, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), POSSIBILIDADE, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, EXECUÇÃO, FISCALIZAÇÃO, POLITICA DO MEIO AMBIENTE.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente decisão do Ministério Público no sentido de sustar o processo licitatório inicial para a exploração privada de madeira na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, traz à baila o importantíssimo debate acerca do futuro ambiental, econômico e social da Amazônia e de seus recursos naturais.

A frustrada licitação fazia parte do novo programa do Governo Federal, sob a responsabilidade do Ibama, que concede à iniciativa privada o direito de explorar economicamente as chamadas florestas nacionais, unidades florestais de domínio público providas de cobertura vegetal nativa ou plantada, para a geração de produtos e subprodutos da flora e da fauna.

Das trinta e nove florestas nacionais, cinco delas se localizam na Região Norte. Além da floresta do Tapajós, o Governo Federal pretende a curto prazo licitar concessões de exploração na florestas nacionais do Jamari e do Bom Futuro, em Roraima, e de Tefé, no meu Estado do Amazonas. A licitação que acaba de ser sustada consistia no primeiro lote de mil hectares, de um total de cinco mil hectares.

Afirma o Presidente do Ibama, Eduardo Martins, que a nova política é um marco importante na história ambiental brasileira, pondo fim a um longo e selvagem período de devastação e substituindo-o pelas técnicas de "manejo florestal", obedientes ao princípio do desenvolvimento ecologicamente sustentável. De fato, Sr. Presidente, o regime autoritário, em passado recente, patrocinou uma verdadeira política de destruição subsidiada, mediante a qual, no período de 1970 a 1985, o equivalente a US$700 milhões, sob a forma de renúncia fiscal e créditos a juros de pai para filho, foram repassados a 950 projetos - 631 deles de pecuária extensiva, na jurisdição da Sudam, com o tamanho médio das fazendas girando em torno de 24 mil hectares. Nessas áreas, o corte raso e as queimadas acabaram com 8,4 milhões de hectares de florestas. E, o que é pior, desde o final da década passada, sabemos, por estudos da Embrapa e do Banco Mundial, que a maior parte desses projetos era fictícia, de forma que, já em 1987, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, centro de excelência mundialmente reputado, denunciava terem sido desmatados 34 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica.

De lá para cá, a devastação e a irracionalidade prosseguiram, conforme recente levantamento da Secretaria de Assuntos Estratégicos, revelador de que 80% da madeira extraída da Amazônia provêm do corte ilegal e predatório, acusando uma taxa de desperdício da ordem de 60% a 70%. Agora, confia o Ibama, com o manejo planejado de 1 milhão e 300 mil hectares anuais, será possível, finalmente, dar um basta ao descalabro, valorizando e protegendo um recurso natural renovável, globalmente estimado para o conjunto da Amazônia em US$225 a US$315 bilhões, através da preservação de 40 milhões de hectares, ao longo de um ciclo de corte calculado em 30 anos.

Essa perspectiva otimista se baseia em um recenseamento conduzido pelo Ibama e financiado pela Organização Internacional das Madeiras Tropicais (ITTO). Nosso País, aliás, vem sendo objeto de crescente interesse da indústria madeireira mundial. Recentemente, essa tendência foi reforçada pela queda dos preços internacionais da madeira. Assim, empresas nacionais, como a Amalac, vêm sendo arrematadas a baixo custo por gigantes madeireiros da Malásia, a exemplo do Grupo WTK. Operações como essa têm despertado preocupações de variada ordem e, por isso, acham-se agora sob a investigação da Polícia Federal, da Receita Federal, do Ibama e mesmo de uma CPI na Câmara dos Deputados.

À primeira vista, as razões apresentadas pelo Governo em apoio à nova política florestal fazem todo o sentido. Afinal, é preciso refrear a escalada de devastação clandestina e repensar integralmente a estrutura de incentivos vigentes, para que os agentes privados transitem rumo a um novo modelo capaz de colocar a racionalidade produtiva a serviço da preservação de nosso gigantesco patrimônio de biodiversidade e também do aumento dos padrões gerais de bem-estar das populações locais, diretamente envolvidas no processo.

A despeito de o Brasil deter meros 4% do comércio mundial de madeiras tropicais, atividade que movimenta anualmente cerca de US$10 bilhões, e de nossa produtividade por hectare ser muito baixa, ainda assim os seguintes números dão um testemunho eloqüente da relevância sócio-econômica do setor florestal brasileiro. O faturamento setorial, em 1995, atingiu um total de R$18,8 bilhões, assim distribuídos: R$7,8 bilhões na indústria de papel e celulose, R$6 bilhões em madeira sólida, R$4 bilhões em mobiliário e R$1 bilhão em carvão vegetal. Os empregos diretos gerados são da ordem de 900 mil, com os indiretos chegando à casa dos 2 milhões. A arrecadação anual de impostos encontra-se na faixa dos R$3,5 bilhões.

Considero, contudo, que a decisão do Ministério Público foi oportuna, levando em conta um sólido conjunto de argumentos alternativos que, se não descartam cabalmente a exploração econômica do patrimônio florestal da Amazônia, ao menos recomendam um exame mais detido e minucioso das condições efetivas desse aproveitamento, tendo em vista suas conseqüências de longo prazo.

Em primeiro lugar, é preciso ter sempre em mente que a Floresta Amazônica é o pivô de um delicado e complexo ecossistema em equilíbrio, no qual 50% do suprimento da bacia hidrográfica provêm da evapotranspiração das folhas. Portanto, experiências de exploração mal planejadas e executadas poderão irremediavelmente ameaçar a sobrevivência da flora, da fauna e, sobretudo, das populações, cujo ciclo de vida é regido pela pesca e pela navegação naqueles rios.

Em segundo lugar, conforme esclarecem os cientistas do Inpa, a madeira constitui apenas um item da vasta e numerosa lista de produtos e "serviços" oferecidos pela floresta, tais como sua diversidade biológica e cultural, materiais farmacológicos e genéticos, a manutenção de parâmetros climáticos planetários e regionais, tais como o conjunto de gases atmosféricos cuja composição, se alterada, pode reduzir ou intensificar o chamado efeito estufa, e assim por diante.

Em terceiro lugar, os esquemas de manejo florestal experimentados em escala econômica foram desenvolvidos no e para o Sudeste Asiático, cujos ecossistemas são bem menos complexos e diversificados que o da Amazônia. Sempre de acordo com os dados do Inpa, quase todas as árvores das florestas asiáticas pertencem à mesma família botânica; já na Amazônia, as espécies são distribuídas entre várias famílias. Essa homogeneidade asiática assegura que, com a derrubada de uma árvore de alto valor comercial, seu lugar será preenchido por outra de cotação equivalente. Na Amazônia, em razão da maior biodiversidade, não existe essa garantia; ou seja, com o tempo e a intensidade dos cortes, é provável que a floresta venha a se depreciar do ponto de vista econômico.

Em último lugar, mas não menos importante, apesar de sua exuberância, a cobertura florestal da Amazônia se assenta sobre um solo de escassa fertilidade. É o chamado deserto úmido, que, submetido a chuvas fortes e constantes, tende a perder nutrientes, uma vez removida essa cobertura. Convém repetir: trata-se de um sistema em delicado equilíbrio, o que significa dizer que pequenas alterações em um de seus componentes podem acarretar impactos danosos e de imprevisível magnitude para o conjunto.

Frente a essas considerações, parece-me que o mais aconselhável é preceder qualquer iniciativa de exploração empresarial da floresta de competentes e cuidadosos estudos de impacto ambiental, numa perspectiva decididamente multidisciplinar.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Concedo o aparte a V. Exª, com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Jefferson Péres, mais uma vez, V. Exª aborda um assunto relativo à nossa área. Também já ocupei a tribuna quase nessa mesma direção.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - V. Exª está muito preocupado com a água, e eu, com a floresta. Esses são os dois elementos-chave da Amazônia.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - V. Exª se antecipou exatamente ao que eu ia dizer. Estamos formando uma dupla que não está apenas preocupada com a região como um todo, porque isso diz respeito ao País inteiro; e quando as dificuldades da nossa região começarem a se ampliar, as do resto do País também aumentarão, numa projeção que os desavisados não estão querendo ver. A presença de V. Exª, portanto, além do lado efetivo, chama a atenção para esse problema. Não poderia deixar, ainda que pedindo desculpas por interrompê-lo, de trazer a minha contribuição nesta palavra. Estou em boa companhia.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Obrigado, Senador Bernardo Cabral. Eu e V. Exª, como filhos da região, sabemos que os recursos naturais da Amazônia precisam e devem ser explorados, mas com a devida cautela.

Como dizia, esta semana, em entrevista à Veja, o biólogo americano Edward Wilson, "deve-se entrar na Amazônia com a reverência que merece uma catedral".

Sem dúvida alguma, a adoção desse rumo pressuporá uma decisão política do Governo Federal de prestigiar e apoiar financeira e institucionalmente o aqui tão citado INPA, sem dúvida o maior e mais precioso repositório de dados, informações e conhecimentos científicos sobre a nossa Amazônia.

E, por falar nisso, afigura-se-me igualmente justo indagar do Governo Federal acerca das reais condições dos recursos técnicos, materiais, financeiros e humanos atualmente à disposição do Ibama para o exercício de seu papel de órgão normativo, executor e fiscalizador de nossa política florestal. Aliás, este é um dos aspectos mais sérios e, infelizmente, menos discutido no debate corrente da reforma administrativa.

Ao confundir esse processo com uma política de cortes lineares de pessoal, reduzindo-o à dimensão unilateral e superficial da quebra da estabilidade, perdemos a oportunidade de conduzir uma autêntica discussão nacional sobre o desenho adequado do Estado brasileiro, pois se sobram amanuenses ociosos em repartições federais em Brasília ou no Rio de Janeiro, certamente faltam guardas florestais para vigiar as vastidões territoriais amazônicas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/1997 - Página 19683