Discurso no Senado Federal

AGRAVAMENTO DOS CONFLITOS PELA TERRA NO PARANA, IMPULSIONADOS PELAS AÇÕES EXCESSIVAS DO SECRETARIO DE SEGURANÇA DO ESTADO QUE, EM ARTICULAÇÕES COM OS GRANDES PROPRIETARIOS RURAIS, VEM DETERMINANDO OS DESPEJOS SEM INSTRUMENTO JUDICIAL E A PRISÃO DOS LIDERES DO MST. RENOVANDO O APELO PARA QUE SE ENCONTRE UMA SOLUÇÃO PARA A GREVE DOS FUNCIONARIOS DA EMPRESA DE CORREIOS E TELEGRAFOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • AGRAVAMENTO DOS CONFLITOS PELA TERRA NO PARANA, IMPULSIONADOS PELAS AÇÕES EXCESSIVAS DO SECRETARIO DE SEGURANÇA DO ESTADO QUE, EM ARTICULAÇÕES COM OS GRANDES PROPRIETARIOS RURAIS, VEM DETERMINANDO OS DESPEJOS SEM INSTRUMENTO JUDICIAL E A PRISÃO DOS LIDERES DO MST. RENOVANDO O APELO PARA QUE SE ENCONTRE UMA SOLUÇÃO PARA A GREVE DOS FUNCIONARIOS DA EMPRESA DE CORREIOS E TELEGRAFOS.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/1997 - Página 19685
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONFLITO, POSSE, TERRAS, ESTADO DO PARANA (PR), ALTERAÇÃO, POLITICA, GOVERNO ESTADUAL, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, SECRETARIO DE ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA, DESPEJO, INVASÃO, SEM-TERRA, PRISÃO, LIDERANÇA, CONTRADIÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), DESAPROPRIAÇÃO.
  • REGISTRO, GESTÃO, DEPUTADO FEDERAL, DEPUTADO ESTADUAL, NEGOCIAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO PARANA (PR), DEFESA, PAZ, PROCESSO, REFORMA AGRARIA.
  • APREENSÃO, FALTA, DIREÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC).
  • DEFESA, SOLUÇÃO, GREVE, SERVIDOR, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), NEGOCIAÇÃO, JUSTIÇA DO TRABALHO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Carlos Wilson, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer o relato de uma situação que se agrava no Paraná, em virtude dos conflitos com respeito ao direito de os trabalhadores sem terra poderem ter acesso a ela e, assim, conquistar aquilo por que tanto lutam, sobretudo aqueles que hoje se organizam no MST. Esses conflitos se devem à ação de diversos proprietários que tentam evitar o avanço da reforma agrária.

Segundo um levantamento feito pela Coordenação do Movimento dos Sem-Terra, existem no Paraná 100 áreas de conflito, com ocupação de 8.800 famílias.

A situação era relativamente tranqüila porque todas essas áreas estavam com decreto de desapropriação ou em processo de serem desapropriadas. A avaliação do MST, até semana passada, era de que o Incra estava conduzindo bem o processo. Ocorreu, entretanto, uma modificação desde a entrada do Governador Jaime Lerner no PFL. Setores conservadores, sobretudo entre os grandes proprietários de terra, se articularam com o Secretário de Segurança e começaram a fazer despejos, sem ordem judicial, e a prender lideranças. Até ontem haviam sido feitos três despejos, sem ordem judicial, dois deles de madrugada, ainda de noite, o que é proibido.

O Secretário de Segurança tem enviado listas de nomes de lideranças aos comandos da PM para que essas pessoas sejam presas, sem ordem judicial. Segundo o levantamento do MST, já havia ontem 28 lideranças presas em cinco Municípios diferentes. Em Londrina, a ação de advogados do MST fez com que o juiz relaxasse a prisão de quatro presos; entretanto, o Secretário de Segurança ligou para o juiz e o ameaçou, caso relaxasse as prisões.

A cidade de Querência do Norte, quase fronteira de Mato Grosso do Sul, está praticamente sitiada pela PM. Ninguém entra ou sai de lá. Há provas contundentes de que, no despejo ilegal ou violento da área de Santa Isabel do Ivaí, feito por 80 homens encapuzados, estavam presentes pessoas da PM utilizando armas dessa corporação. O despejo foi festejado com um churrasco durante o dia, com a presença de soldados fardados.

Neste ano, houve quatro assassinatos de trabalhadores sem terra no Paraná, sem que tenha ocorrido qualquer processo ou a prisão dos responsáveis pelas mortes.

Ontem, o MST estava orientando todas as famílias despejadas que se dirigissem às igrejas ou a Curitiba. Ontem, ainda, o Deputado Paulo Bernardo manteve diálogo com o Governador Jaime Lerner. E os Deputados Adão Pretto e Miguel Rossetto se dirigiram ao Paraná; hoje, foi para lá o Deputado Padre Roque e, junto com os deputados estaduais do PT, eles estão procurando dialogar com as autoridades e com as partes envolvidas, para evitar um agravamento e solucionar o problema de outra forma que não através desses métodos.

Considero importante que haja empenho, inclusive do Governador Jaime Lerner, através do diálogo com os trabalhadores sem terra, respeitando o anseio deles de serem assentados, para evitar os abusos, sobretudo dos que se encapuzaram, fazendo lembrar as ações da Ku Klux Klan, nos Estados Unidos, quando, muitas vezes encapuzadas para evitar a identificação, pessoas realizaram ações visando a manutenção da segregação racial. No caso, o que se está querendo é relembrar a segregação social.

Compreendo que o Senador Lúdio Coelho, que está agora presidindo a sessão, gostaria até de se manifestar sobre este assunto, dada a sua ligação com a questão da terra, mas tenho certeza, por outro lado, que é seu propósito procurar fazer com que a reforma agrária neste País seja realizada por meios pacíficos, por meios que não correspondam ao uso, sobretudo abusivo, da violência contra os trabalhadores sem terra.

Sr. Presidente, eu gostaria de renovar o apelo que ontem fiz pela solução da greve dos trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Preocupa-me a situação de acefalia da ECT, uma vez que o Ministro Sérgio Motta praticamente anunciou a destituição da sua direção e de todos os seus diretores. 

Se hoje, realmente, não há responsável na direção da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, como será superado esse episódio? Estará o Ministro Sérgio Motta, para além da sua vontade de substituir os diretores da ECT, procurando resolver o assunto? Estará S. Exª dando orientação para que haja um tratamento adequado, que não seja simplesmente o anúncio de dezenas e dezenas de demissões entre os trabalhadores da empresa? Será que S. Exª vai continuar a criar um clima de tensão ainda maior, que, depois, acabará levando os trabalhadores eventualmente a excessos como aqueles que caracterizaram a ação dos trabalhadores junto à sua residência, em São Paulo?

Reafirmo aqui o apelo para que haja uma autoridade que dialogue diretamente com os trabalhadores, visando alcançar uma solução, ou para que possa a Justiça do Trabalho agir de pronto.

Aliás, a coordenação dos trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos terá, daqui a instantes, às 10 horas da manhã, uma audiência junto ao Ministro Almir Pazzianotto, do Tribunal Superior do Trabalho, para procurar o empenho da Justiça do Trabalho na resolução desse conflito.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Com muita honra, Senador Lúdio Coelho.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Estou ouvindo V. Exª com muita atenção, Senador Eduardo Suplicy. Recebi, no fim da semana passada, uma relação das propriedades invadidas no Paraná. Cerca de 146 propriedades foram invadidas pelos sem-terra. A grande maioria das propriedades é de 200, 300 e 400 hectares; muito poucas propriedades têm acima de 1.000 hectares. Tenho a mesma preocupação que V. Exª tem com a violência no campo. Mas a avaliação que faço é que há desrespeito aos agricultores: como V. Exª bem viu, um agricultor que não era proprietário da terra, era arrendatário, foi espancado, junto com os seus companheiros. Lá no meu Estado, Mato Grosso do Sul, invadiram uma fazenda que conheço, a Fazenda Santo Antônio, e abateram 42 reses - e nem deram conta de comer a carne. O meio rural tem feito manifestações junto ao Poder Público brasileiro pedindo a manutenção da ordem e da lei, pedindo que a reforma agrária seja feita sem violência. Quero dizer a V. Exª que há poucos dias eu estava conversando com o Governador do Mato Grosso, o Dr. Wilson Barbosa Martins, um advogado antigo, e perguntei a S. Exª se sabia de algum caso de assassinato no meio rural mato-grossense, provocado por disputa de terras. Nem S. Exª nem eu, que fomos criados no interior do Mato Grosso e conhecemos todo o Estado, temos conhecimento de nenhum assassinato provocado por questões de terra. Tenho a impressão, Senador, de que poderíamos, juntos, fazer a reforma agrária sem violência.

Ontem, telefonei ao Superintendente do Incra, em Campo Grande, oferecendo os nossos préstimos para se fazer o cadastramento de 50 famílias que haviam invadido a propriedade de um familiar meu. Requeremos a manutenção da posse, que foi concedida pela Justiça, eles foram retirados da fazenda e acamparam na beira da rodovia. Dissemos ao Superintendente que oferecíamos nossos préstimos a seus auxiliares para que fizessem o cadastramento dessas pessoas. Entrei em contato com ele, que estava em Brasília, e S. Sª me disse que só poderia fazer o cadastramento após 15 de outubro. Estamos propondo ajuda nessa tarefa a fim de evitar qualquer ato de violência. Felicito V. Exª por seu interesse pelo caso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Prezado Senador Lúdio Coelho, eu gostaria de externar a minha preocupação com a violência ocorrida no Município de Jundiaí do Sul. Realmente houve excesso quando os trabalhadores sem terra, reagindo a uma situação em que um dos trabalhadores acabou sendo ferido por um tiro desferido por pessoa da fazenda, acabaram gerando uma situação de violência que não se justifica. Inclusive maltrataram, torturaram e agrediram pessoas, mesmo depois de estarem elas dominadas e sem defesa, como foi inclusive divulgado pelas imagens de televisão. Aqui, pude transmitir minha preocupação, porque fatos como esse acabam sendo contraproducentes para a própria causa dos trabalhadores sem terra.

A coordenação do movimento, no Paraná, divulgou nota dizendo que aquilo foi ato de pessoas que não estavam organizadas no movimento. Aliás, é interessante observar que, quando as pessoas estão organizadas, normalmente, na maior parte dos casos, ações desse tipo são evitadas, porque eles são orientados para evitar o uso da violência contra qualquer pessoa.

Obviamente, isso preocupa e acaba gerando reações como aquela que se viu no Paraná, quando pessoas encapuzadas resolveram agir, alegando que os órgãos de segurança e o poder constituído não estavam agindo adequadamente. Sendo assim, segundo a opinião dos trabalhadores, eles iriam agir por conta própria.

Um excesso acaba levando a outro. Daí a importância da autoridade estadual, inclusive com a cooperação dos prefeitos das Câmaras Municipais, porque se o Governo tenciona descentralizar as ações relativas à reforma agrária, pedindo maior cooperação dos Municípios e dos Estados, é preciso que haja responsabilidade por parte de todos. Será necessário, sobretudo, uma ação visando superar esse problema por meios civilizados e de bom-senso.

A menção que fiz aos assassinatos, informada por João Pedro Stédile, do Movimento dos Sem-Terra, referiu-se a quatro pessoas que teriam sido vítimas - segundo levantamento realizado por ele próprio - no Estado do Paraná. Ontem, os Deputados Adão Pretto e Paulo Bernardo solicitaram minha presença naquela região. No entanto, não pude comparecer. Todavia, espero encontrar um espaço em minha agenda para ir ao local e tentar ajudá-los. Se for para comparecer à Querência do Norte, quase na fronteira de Mato Grosso do Sul, farei o possível para colaborar e dar o meu testemunho da melhor maneira. Inclusive, poderei dialogar com V. Exª, Senador Lúdio Coelho, com o propósito de melhor encaminhar a solução deste problema.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparate?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - No Paraná, Senador Eduardo Suplicy, a Justiça concedeu a essas mais de 100 invasões - que os senhores denominam de ocupação; quando é área rural, é ocupação; quando é urbana, é invasão - liminares de manutenção de posse, e o Executivo não as cumpriu. Isso foi transmitido à área competente do Poder Executivo. Na semana passada, tive oportunidade de transmitir ao Ministro Iris Rezende as nossas preocupações. Veja bem V. Exª, se a autoridade competente não cumpre o mandado judicial, será que os proprietários irão permitir, de braços cruzados, que suas propriedades sejam invadidas? E V. Exª deve saber que uma propriedade invadida sofre danos e, às vezes, não se pode mais fazer a preparação do solo para o plantio naquela safra, tornando a propriedade produtiva em improdutiva, o que é uma tristeza. Uma propriedade invadida fica desorganizada de maneira fantástica. Então, creio que todos nós deveríamos estar do lado da lei. Vamos fazer a reforma agrária, mas respeitando o direito de propriedade, ele é sagrado até para os irracionais. Esse é o meu pensamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP.) - V. Exª conhece tão bem a Constituição quanto os trabalhadores sem terra.

A Constituição diz, com clareza, que o direito de propriedade se justifica na medida em que ela é socialmente bem utilizada, e temos a convicção de que precisamos colaborar para que isso possa tornar-se realidade em todo o País. Inclusive, para as áreas urbanas, a Constituição diz que, quando uma área de até 250 m² é ocupada por família que não possui outro local de habitação, se a ocupação se deu há por pelo menos cinco anos, sem que haja contestação, a família passa a ter o direito àquela área. Só para lembrar que a Constituição também trata da questão de ocupação no setor urbano.

Continuaremos a dialogar, Senador Lúdio Coelho, com vistas a que todas as pessoas tenham o direito à vida, à dignidade e a lavrar a terra quando esta for sua vocação; sejam aqueles que cultivam áreas das quais são proprietários legais, sejam aqueles que aspiram ao direito de lavrar a terra.

Diante daquilo que observam, de tantas áreas não serem bem utilizadas é que os trabalhadores gostariam de uma ação mais rápida do Governo Federal, objetivando a reforma agrária.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/1997 - Página 19685