Pronunciamento de Jefferson Peres em 01/10/1997
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM AO DIA NACIONAL DO VEREADOR.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM AO DIA NACIONAL DO VEREADOR.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/10/1997 - Página 20539
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, DIA NACIONAL, VEREADOR.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se estivesse contagiado pelo jargão sociológico que o Presidente Fernando Henrique prodigaliza em suas entrevistas à imprensa, eu iniciaria este pronunciamento afirmando que os Vereadores são os microfundamentos da governabilidade democrática no Brasil.
No entanto, uma vez que tive a felicidade e a honra de iniciar minha vida pública com um mandato de Vereador à Câmara Municipal de Manaus, sinto-me à vontade para confraternizar com esses companheiros dos 5.507 Municípios brasileiros, reiterando, simplesmente, uma verdade que ainda hoje é obscurecida por séculos de tradição centralista e burocrática, qual seja a de que nenhum outro detentor de mandato político está mais perto do povo, nenhum outro conhece tão bem suas necessidades, seus problemas, seus anseios, suas lutas e seus sonhos, quanto o Vereador.
Falei na nossa tradição centralista e permito-me aqui resvalar um pouquinho para o tal jargão sociológico, tão característico da fala de nosso Presidente-acadêmico. Durante muitos e muitos anos, a tradição dominante na historiografia, nos estudos políticos e sociais brasileiros enfatizava a perspectiva do Estado nacional e do poder central. Do Visconde de Uruguai a Raymundo Faoro, passando por Alberto Torres, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, independentemente do nicho que cada um desses autores e homens públicos ocupasse no espectro político-ideológico, o fato é que suas obras votavam uma atenção e um interesse quase que exclusivos à estrutura e à dinâmica do governo nacional nas diferentes etapas de sua formação histórica: Colônia, Império, República. Era como se o Município, a localidade, o bairro, a rua onde viviam e vivem os brasileiros de carne e osso não existissem - ou, então, existissem apenas como projeção da vontade e das atividades do centro onisciente, onipresente e onipotente.
Raríssimos foram os autores, como o alagoano Tavares Bastos, que levantaram suas vozes para afirmar que essa maneira de encarar o Brasil estava errada e era altamente prejudicial aos interesses históricos do nosso povo. Isto porque, em livros tão importantes quanto pouco lidos, infelizmente, até hoje, tais como Os Males do Presente e as Esperanças do Futuro, Cartas do Solitário e no seu grande clássico A Província (1870), ensina Tavares Bastos que as sociedades livres, criativas, bem-estruturadas e, se posso usar uma metáfora biológica, saudáveis, são aquelas que crescem da base para o topo e não vice-versa.
Esta foi também a grande lição legada por um pensador de cabeceira de todos nós, o francês Alexis de Tocqueville, que depois de visitar os Estados Unidos, escreveu o clássico A Democracia na América, de 1835, onde revela que o segredo da vitalidade cultural, da pujança econômica e da engenhosidade tecnológica daquele grande país resumia-se no que denominou "a arte da associação". Em outras palavras: os americanos não esperam nem permitem que o governo federal, em Washington, decida sobre o que é melhor para as suas respectivas comunidades locais. Eles próprios tomam a iniciativa unindo-se e ajudando-se mutuamente.
Srªs e Srs. Senadores, no Brasil deste final de século e de milênio, coube a Tavares Bastos, um leitor e discípulo precoce de Tocqueville, rir por último. Isto porque duas tendências muito fortes neste momento - uma interna (o esgotamento da era Vargas) e outra externa (o advento da globalização) - estão obrigando os brasileiros a repensar suas velhas noções acerca do Estado nacional, da centralização e assim por diante. Uma das características principais (e aparentemente paradoxais) da globalização é a afirmação crescente e orgulhosa dos particularismos. Com isso, o brasileiro descobre um novo sentido para a sua vida em comunidade, novas razões para vencer o reflexo condicionado da cultura da dependência e do imobilismo e dedicar-se a desenvolver formas criativas de parceria entre suas associações voluntárias e o poder público municipal, a fim de melhorar a qualidade de vida e resolver os graves problemas sociais do lugar onde mora.
Tudo isso traz uma série de desafios novos e complexos, mas também uma gama praticamente infinita de oportunidades para a reinvenção da cidadania a partir da realidade concreta do Município, e não de abstrações mais ou menos retóricas com o Estado ou a União. E, afirmo, sem medo de errar, que os Vereadores, representantes legítimos desse cidadão mais preocupado com o seu Município, serão cada vez mais os agentes multiplicadores e promotores dessa grande transformação.
Por essa razão, congratulo-me com os companheiros Vereadores de todo o Brasil, lembrando que, fiel a minha convicção municipalista, permanecerei ao seu lado, ativamente solidário na construção desse novo tempo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pedi esta sessão de homenagem, nem subi a esta tribuna, por uma razão meramente protocolar. Só conquistei três mandatos na minha vida: dois de Vereador, em Manaus, e um de Senador.
É altamente honroso para mim, sem dúvida, ser um Senador da República, mas, se V. Exªs quiserem uma confissão realmente sincera, o que me agradava mesmo era ser Vereador. Este cargo é dignificante, mas o que me dava satisfação, no sentido de ver as coisas acontecerem, era o meu desempenho como Vereador em Manaus.
Creio que me saí tão razoavelmente como Vereador, que o povo do Amazonas, principalmente o de Manaus, guindou-me a este cargo que agora exerço, como o Senador mais votado da capital do Amazonas.
De forma que, repito, é honroso para mim legislar como Senador, mas o que eu gostava mesmo - para ir à palavra que deu origem ao nome, no português arcaico - era verear na minha cidade natal.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.