Discurso no Senado Federal

APREENSÃO EM RELAÇÃO AS RECENTES DECISÕES ADOTADAS PELA DIREÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, QUE INDICAM POSSIVEIS MUDANÇAS NA ATUAÇÃO DA EMPRESA NO PARA E DEMAIS ESTADOS DA AMAZONIA.

Autor
Coutinho Jorge (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • APREENSÃO EM RELAÇÃO AS RECENTES DECISÕES ADOTADAS PELA DIREÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, QUE INDICAM POSSIVEIS MUDANÇAS NA ATUAÇÃO DA EMPRESA NO PARA E DEMAIS ESTADOS DA AMAZONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1997 - Página 20777
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APROVAÇÃO, MANIFESTO, BANCADA, ESTADO DO PARA (PA), APREENSÃO, COMPORTAMENTO, DIREÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, NECESSIDADE, REVISÃO, EMPRESA PRIVADA, RELACIONAMENTO, PROGRAMA, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, LOCAL, EXTRAÇÃO, MINERIO, REDUÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL, GARANTIA, PROMOÇÃO, OFERTA, EMPREGO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta tribuna, muitas vezes, discuti sobre a Vale do Rio Doce, então estatal. Minha posição, naquela altura, era contrária à privatização pelas qualificações técnicas da Vale estatal. Tinha uma posição clara, no sentido de que ela defendia projetos estratégicos para o Brasil e particularmente para a Amazônia. Mas a Vale foi privatizada.

Durante o processo propus um projeto de alocação dos recursos oriundos da venda da Vale em favor dos Estados onde ela atuasse, no sentido de ajudar a resolver os problemas, que são causados pela exploração danosa de recursos naturais não renováveis. Lamentavelmente, o nosso projeto não foi aprovado.

Finalmente, lutamos em favor da manutenção do Fundo de Desenvolvimento da Vale do Rio Doce, que atende os Municípios mais carentes da área de influência da mesma, sobretudo para corrigir os impactos negativos no meio ambiente e na área social dos grandes projetos da Vale do Rio Doce em várias partes do Brasil.

O Presidente Fernando Henrique ficou sensível a essa questão. Conseguimos, realmente, aprovar um acordo, um protocolo, mantendo-se um fundo, gerido pelo BNDES, que fará esse papel que a Vale estatal exercia, oriundo de 8% dos seus recursos em favor das regiões mais carentes de seus projetos.

Logo depois de privatizada, a direção da Vale do Rio Doce anunciou que o Projeto Cobre Salobo, a ser implantado no Pará, um dos maiores da América Latina, aproximadamente no valor US$ 1,5 bilhão, não deveria ser implantado no prazo ou nas condições que a Vale estatal havia definido, havendo, portanto, um retardamento da implantação desse projeto no meu Estado. Esse foi o primeiro indício de que as regras do jogo estavam sendo mudadas. Estávamos enfrentando, no momento, uma empresa privada, com visão diferente de uma empresa estatal. Reconhecíamos e ainda reconhecemos isso.

Nesta semana, no entanto, houve novamente um indício dessa mudança: o anúncio de parte da companhia de transferir a sede de Belém para São Luís; ou seja, a administração do Sistema Norte da empresa. Isso caiu evidentemente como uma bomba, não porque a sede seria transferida para Belém - podia ser transferida para Brasília -; mas porque era um indício de que a Vale começava a mudar as regras estabelecidas pela então empresa estatal, indicando talvez que o meu Estado e a Amazônia, onde ela atua, passariam a ser por esse indício apenas uma área de atividade extrativa da companhia, o que seria um retrocesso, um equívoco.

Nesse sentido, o Governador Almir Gabriel, do meu Estado, está bastante apreensivo com relação ao fato, uma vez que já houve o anúncio de que o Projeto Salobo seria retardado e agora há o anúncio da transferência da sede da Região Norte. Isso é um indicativo de que grandes mudanças podem ocorrer em relação ao projeto da Vale privada. É importante também lembrar, no que se refere às considerações do próprio Governador Almir Gabriel, que se a companhia redefinir a estratégia de fazer da nossa região uma área exclusivamente de extração mineral haverá necessariamente uma retaliação do Governo. A esse respeito não temos qualquer dúvida. O Estado tem mecanismos e meios para defender o seu território. Se isto acontecer, na linguagem do Governador, seria motivo para briga, e muito séria!

Ora, a privatização, na verdade, não confere aos novos proprietários e dirigentes total independência. Eles devem saber que é impossível transferir as minas de Carajás, por exemplo, para os seus quintais, quaisquer que sejam. Disso não temos dúvida nenhuma. Mas acreditamos que a direção da própria Vale vai repensar a respeito da atuação em relação à Amazônia e ao Pará, para evitar que o Governador Almir Gabriel faça o que fez o Governador do Espírito Santo e o do Rio de Janeiro, no que concerne ao relacionamento da Vale com esses Estados, pois os vários incentivos e benefícios concedidos pelos Governos à Vale estão sendo revisados e suspensos por aqueles Estados.

Quero lembrar também que a Vale tem um papel importante na Região Amazônica, mas meu Estado é hoje o segundo pólo de composição do faturamento global da Vale, o que mostra que a Vale faturou no ano passado R$1 bilhão 272 milhões, dos quais R$822 milhões são oriundos dos três grandes projetos minerais por ela tocados na Serra dos Carajás. Com produção pouco superior a 41 milhões de toneladas, o minério de ferro propiciou à empresa, em 96, um faturamento de R$664,2 milhões. A mina de ouro do Igarapé da Bahia rendeu R$101,4 milhões, com uma produção de 10,32 toneladas. O Projeto Manganês produziu um faturamento de R$50,8 milhões. Os outros restantes são oriundos da própria Estrada de Ferro Carajás, que vai até o Estado do Maranhão.

Além disso, quero lembrar que, no meu Estado, além do grande Projeto Carajás, com todos os seus complexos minerais, há o Projeto Albrás Alunorte, que é o maior complexo de alumínio da América Latina.

Nesse sentido, a Vale, ao lado de seus coligados, realmente auferiu recursos à Mineração Rio do Norte (R$93,1 milhões), à Alunorte (R$84,8 milhões), à Albrás (R$271,7 milhões) e à Pará Pigmentos, Caulim (R$950,4 mil).

Portanto, quero mostrar que o Pará é o segundo principal Estado gerador do faturamento da Vale do Rio Doce, com perspectivas de, em breve, superar Minas Gerais, uma vez que sabemos que o Projeto Salobo de cobre, prata e ouro, os projetos ligados à Serra Leste de ouro, deverão ser viabilizados pela importância econômica e estratégica da Vale. Lembro que aquela região representa, na verdade, o maior território mineral do mundo, não só em quantidade, como em qualidade de minerais.

Por isso mesmo, estamos apreensivos com os indicadores, com a ação da direção da Vale privada. É claro que temos que rever, rigorosa e brevemente, o novo relacionamento entre a Vale do Rio Doce privada e a Região Amazônica, particularmente, o meu Estado, não esquecendo nunca que essa empresa recebe uma série de incentivos importantes dos Governos Federal, Estadual e Municipal para a viabilização econômica de seus projetos. Quero lembrar que toda a energia dos grandes projetos de alumínio da Região, quer no meu Estado, quer no Maranhão, por exemplo, são realmente viabilizáveis por tarifas diferenciadas e favoráveis a este projeto grande da Vale. Os recursos, os próprios tributos como o ICMS e o ISS, beneficiam rigorosamente vários projetos da Vale. Programas de incentivo infra-estruturais também facilitam a ação da Vale do Rio Doce na nossa Região. E o que é mais importante, a chamada Lei Kandir desonerou as exportações, não só de produtos industrializados, mas semi-elaborados, como são os minerais do meu Estado. A Vale pagava uma quantidade expressiva de ICMS; hoje paga, em função da Lei Kandir, uma quota inexpressiva que gerou problemas gravíssimos na receita tributária do meu Estado. Sabemos que esta Lei Kandir não está compensando como era previsível os Estados em favor do estímulo à exportação.

Defendemos a tese do apoio à exportação brasileira, mas não aceitamos que ela prejudique os Estados, sobretudo os das Regiões Norte e Nordeste. Se o próprio Estado de São Paulo que perdeu R$1 bilhão reclama, com o grande poderio que tem, quanto mais o meu Estado que perde, anualmente, R$100 milhões. E grande parte disso são benefícios dos quais a Vale do Rio Doce, hoje privada, usufrui.

Portanto, a Vale tem que ser repensada, em termos de relacionamento com a Região Amazônica e, particularmente, com o meu Estado. É importante que se faça isso. O Governo tem mecanismos para estimular, mas também para complicar e dificultar. A Vale do Rio Doce, no caso da Amazônia, realiza, como empresa privada, exploração de recursos naturais não renováveis, e este relacionamento exige como lei áurea: uma vez que recursos naturais não renováveis como o minério, que não são recuperados, à medida que são esgotados ficam por isso mesmo, ficam os buracos e as seqüelas econômicas e sociais. Há uma lei áurea aceita por qualquer país, em termos éticos, econômicos e sociais. Tem que haver uma compensação na exploração desses recursos, e esta compensação mínima, claro, é a geração de empregos, através da industrialização, da verticalização desses projetos na própria região onde são explorados. Não podemos nos transformar num almoxarifado de recursos naturais, renováveis ou não renováveis, e que são explorados em outras regiões, gerando seqüelas altamente prejudiciais à população e ao desenvolvimento do Estado.

Por isso, essa forma compensatória se impõe. É o caso do projeto Salobo, o maior projeto de cobre dessa Região, não tenho dúvida, que vai permitir que o Brasil se torne auto-suficiente na produção de cobre e vai aumentar a produção de ouro e de prata, que vem embutida no próprio cobre. Entretanto, a sua metalurgia não pode ser feita em outra região do País; tem que ser feita na região amazônica, particularmente no meu Estado. Esse é um compromisso assumido pela Vale do Rio Doce então estatal que deverá ser honrado pela Vale do Rio Doce hoje privada. É o mínimo que se pode ser feito nessa direção.

Nesse sentido, a Bancada do Pará se reuniu ontem e aprovou uma moção de preocupação em relação ao comportamento da Vale do Rio Doce privada, o seu relacionamento com o meu Estado e com a nossa Região, que não pode ser aquele que aparentemente está sendo desenhado. Temos que reformar rigorosamente esse relacionamento. Insisto e digo - o próprio Governador Almir Gabriel também insiste nesse sentido: temos realmente de rever a ação da Vale no nosso Estado, porque hoje ela é uma empresa privada, podendo colocar seus equipamentos e máquinas em qualquer lugar do mundo, mas, no caso de Carajás, do Pará e da Amazônia, os recursos naturais não renováveis, como os minérios, não podem ser carregados e levados para qualquer quintal; eles têm que ser explorados lá, eles geram impactos negativos que têm que ser corrigidos com efeitos compensatórios, que seria a verticalização.

Tudo isso é importante, e a empresa não pode tomar decisões de forma inconveniente, como aparentemente está fazendo.

Acredito que o Sr. Benjamin Steinbruch, quando esteve conosco no Pará, lembrou que precisava de um tempo para rever os grandes programas concebidos pela Vale do Rio Doce estatal. Isso é compreensível, uma vez que S. Sª tem que dar conta dos financiamentos para realizar esses projetos grandiosos que serão executados no meu Estado e na Amazônia. Não tenho dúvida alguma de que esse tempo é necessário.

Entretanto, pelas decisões que estão sendo tomadas pela Vale, ficamos seriamente preocupados. Não se trata de uma mera preocupação quanto à transferência do processo decisório da Vale sair do meu Estado para outro, mas, sim, do indício de que a Vale do Rio Doce privada pensa muito diferente da Vale do Rio Doce estatal.

Esperamos que essa relação mude e que o Sr. Benjamin Steinbruch, que nos mostrou uma visão séria e competente, possa redefinir de forma clara o relacionamento da Vale privada com a nossa região, a fim de que o povo não fique pensando que sua privatização foi um péssimo negócio para a Amazônia e para o Brasil. Espero que isso não aconteça. Confio na sensibilidade da cúpula da Vale privada para repensar o seu relacionamento com aquela região e para lembrar que os projetos relativos à exploração de recursos naturais não renováveis devem ter uma lei áurea diferente de qualquer atividade privada relativa à exploração de outros tipos de recurso. Insisto: temos que rever isso, salvo se for preciso serem tomadas medidas duras, sérias e conflituosas como empresa que honrou o Brasil sendo estatal. Espero que ela honre o Brasil como empresa privada, gerando renda, empregos e desenvolvimento para o País.

Sr. Presidente, eram essas as considerações que queria trazer no dia de hoje, mais no sentido de apreensão e de incerteza em relação às decisões recentes tomadas pela Direção da Vale. O próprio Governador Almir Gabriel está apreensivo a esse respeito, mas S. Exª confia que a Direção da Vale seguirá os passos da Vale estatal, talvez mais aprimorados, com maior agilidade, sem tomar decisões que possam gerar conflitos, retaliações desnecessárias e inconvenientes para o desenvolvimento do meu Estado e para os interesses do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1997 - Página 20777