Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CHAMADA 'GUERRA FISCAL', A PROPOSITO DA EXTENSA MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE 14 DE SETEMBRO ULTIMO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CHAMADA 'GUERRA FISCAL', A PROPOSITO DA EXTENSA MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE 14 DE SETEMBRO ULTIMO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Nabor Júnior, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1997 - Página 20782
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DEFESA, DIREITOS, ESTADOS, CONCESSÃO, BENEFICIO FISCAL, ISENÇÃO FISCAL, FACILITAÇÃO, PAGAMENTO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), FINANCIAMENTO, PROJETO, EMPRESA PRIVADA, FORMA, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, ESTADOS, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL, PREJUIZO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, REALIZAÇÃO, REFORMULAÇÃO, NATUREZA FISCAL, AMBITO, CONGRESSO NACIONAL, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, ESTADOS, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 14 de setembro último, o jornal Folha de S.Paulo publicou extensa matéria sobre política industrial, dando ênfase à tão decantada questão da "guerra fiscal" entre os Estados.

O assunto já foi alvo nesta Casa de muitos pronunciamentos, meus inclusive, pela significativa importância de que está revestido, sem deixar de mencionar as análises distorcidas a respeito dele têm sido publicadas.

Com efeito, conforme os números da citada reportagem, apenas oito Estados brasileiros, a saber, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Ceará, já deixaram de arrecadar cerca de R$9 bilhões referentes "a benefícios concedidos para o pagamento do ICMS em até dez anos e nos financiamentos diretos para empresas, que, alguns casos, passam de 500 bilhões", na busca por atrair investimentos.

Vários seriam os aspectos demeritórios que a reportagem detalha, para atacar essa prática. Cita, por exemplo, o caso da montadora de caminhões da Volkswagen, instalada em Resende (RJ), cujas expectativas de criação de muitos empregos e investimentos naquela área, viram-se frustradas, pois "dos US$250 milhões previstos de investimentos, apenas R$20 milhões foram aplicados na cidade". E, quanto às ocupações, "somente 600 empregos foram criados".

Ademais, segue a matéria, esse embate fiscal teria originado, também, um novo tipo de empresário: aquele que não paga qualquer imposto, a par de beneficiar-se dos benefícios das isenções pertinentes. Bem como teria provocado um forte abalo nas finanças de tais Estados, já afetadas "pelo alto comprometimento das receitas, com o pagamento de salários", sem que, com isso, se conseguisse impor maiores obstáculos à evasão de investimentos para outras regiões.

Minas Gerais, por exemplo, já teria liberado este ano cerca de R$150 bilhões, ou seja, uma soma correspondente a 45% do que está previsto em seu orçamento para a citada atração de investimentos. O Estado Espírito Santo, que seria, no dizer do jornal, "o pioneiro na concessão de benefícios" estaria financiando R$300 milhões em impostos, a cada ano, e que teriam de ser pagos pelas empresas importadoras que usam os portos. O que não se constituiu impedimento para que montadoras, como a General Motors, Volkswagen, Chrysler, Audi e Asia Motors, tivessem se decidido a reduzir suas importações através dos portos capixabas, passando a usar os portos da Bahia, do Paraná e do Rio Grande do Sul.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reportagem da Folha de S.Paulo não se deteve apenas no anúncio desses aspectos. Corretamente, não deixaram os repórteres daquele conceituado jornal de entrevistar alguns setores governamentais que advogam essa prática, com plausíveis justificativas. Senão vejamos:

A tônica dessa defesa é justamente a de que essa "guerra fiscal" tem trazido progresso para suas regiões e a de que essa tem sido praticamente a única forma de atração dos investimentos necessários para aquele avanço, sobretudo no tocante à geração de empregos. Afirmam que não estão perdendo receita, pois os investimentos gerados por essa prática não existiam anteriormente e pelo fato de que, muitos dos Estados que a exercitam, se encontram com suas finanças razoavelmente equilibradas. Assim, ao contrário do que se apregoa, essa política de incentivos fiscais só estaria contribuindo para o melhoramento das contas dessas unidades federativas.

Nesse caso, se encontram alguns Estados nordestinos, destacados pela reportagem, como a Bahia e o Ceará. De minha parte devo acrescentar, ainda, o meu Estado, a Paraíba, devendo afirmar que, na verdade, todos os depoimentos, nesses casos, são francamente demonstrativos de que os benefícios são algo concreto.

A Bahia, por exemplo, pode, tranqüilamente, alardear a sua condição privilegiada. O Secretário da Fazenda daquele Estado, Rodolpho Tourinho, um dos entrevistados pela Folha de S.Paulo, enfaticamente afirmou:

      "Nossas finanças estão ajustadas há anos e temos tido sucessivos superávits. Nossa política de incentivos só melhora as contas do Estado."

Devendo-se agregar, pelas informações da reportagem, que a Bahia, dos Estados que abriram suas portas para montadoras de veículos, "foi a única que não concedeu financiamento para aquisição do ativo fixo para o capital de giro das empresas", as quais foram empréstimos para esses fins junto ao BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Com relação ao Estado do Ceará, também o seu Secretário da Fazenda, Ednilton Soarez, não deixou por menos. Segundo afirma, os benefícios concedidos consomem cerca de 6% da receita do ICMS, mas garante que houve um ganho para o Estado, apresentando como prova o fato de que a arrecadação cearense cresceu, desde 1988, e a economia estadual expandiu-se à taxa de 38% entre 1985 e 1995.

Outro exemplo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o do meu Estado, a Paraíba. Cerca de 40 novas indústrias nacionais e estrangeiras estão em processo de instalação no Estado, nos ramos têxtil, de alimentos, de calçados, de bebidas e embalagens, compreendendo um volume de investimento da ordem de R$1 bilhão, com a geração de cerca de 21 mil empregos. Um esforço de atração de investimentos que se coaduna com a Paraíba, a partir de 1997. Ou seja, um Estado nordestino, pequeno e com enormes dificuldades, mas cujo Produto Interno Bruto aumentou 6,5 %, em 1995, comparativamente ao ano anterior, superando um crescimento de 4,5% no Nordeste e 4,1 % no Brasil e que, no ano passado, mesmo tendo essa expansão se reduzido para 4,7%, ainda assim, fica acima da expansão registrada no Nordeste, 3,9%, e no País, 3,2%. E, quanto ao ICMS, no primeiro semestre deste ano, o crescimento foi de 4,1% sobre o mesmo período de 1995. Foi um crescimento que também suplantou o desempenho da região e do Brasil, com quedas de arrecadação de respectivamente 1,4% e 1%.

Diante disso, então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, qual deve ser a verdadeira análise a se fazer?

Parece-me que a celeuma esconde certa aflição por parte de áreas tradicionalmente concentradoras de investimentos, com os deslocamentos de investimentos de umas áreas para outras, dentro do processo de realocação movido pelos efeitos do novo ordenamento econômico mundial, particularmente no que toca à imperiosa necessidade de redução dos custos das produção. Isso nos leva a pensar imediatamente na exigência que esse cenário nos traz em termos de uma real política de desenvolvimento regional para o País.

Na verdade, essa chamada "guerra fiscal", como já o disse aqui em outras ocasiões, tem que ser vista de um modo menos dramático, fazendo-se, antes de tudo, um jogo de empatia com os Estados que têm optado por conceder incentivos fiscais para atrair investimentos. Sem dúvida, esses, necessitando de ampliar suas bases econômicas não têm tido alternativa. E, sejamos objetivos, pelo menos no caso do Nordeste, buscam trazer empresas que justamente os ajudem a aumentar, com seu poder multiplicador, o número de empreendimentos que em redor delas e por causa delas se formam, gerando receitas indiretas e mais empregos.

E mais outro aspecto, que sempre vem sendo esquecido nessa questão: com essa política de incentivo, os Estados praticamente estão corrigindo uma pequena parte do custo Brasil, justamente por falta da antes referida política de desenvolvimento, e, mais imediatamente, da inexistência de uma política tributária mais objetiva que, mesmo infraconstitucionalmente, pudesse arrefecer o volume dos encargos que os empresários brasileiros têm de enfrentar.

Ademais, não se pode trazer à tona o problema da situação financeira precária dos Estados, sem se levar em conta que a política do Governo Federal em relação a esses em nada os ajuda. Pelo contrário, não são as concessões de incentivos e isenções fiscais que os estão colocando em situação desesperadora. A bem da verdade, a causa é bem outra.

Vejamos, não fosse suficiente a perda de arrecadação advinda da chamada Lei Kandir, que acabou com a cobrança de ICMS sobre as exportações, o Governo Federal acaba de reduzir os recursos para investimentos nos Estados no Orçamento de 98. É de que nos damos conta ao verificar que a proposta encaminhada ao Congresso pelo Ministro do Planejamento destina para tal fim R$8,3 bilhões, que representam 20% do que o previsto para 1997. E se tomarmos cada Estado de per si observaremos que justamente foram os Estados do Nordeste e do Norte os que mais foram prejudicados com perdas que chegam até a 73%, como é o caso do Acre, num confronto entre 1997 e 1998 em termos de Orçamento. No tocante à Paraíba, dos R$190 milhões reivindicados para obras de infra-estrutura da mais alta significação, obras fundamentais para o desenvolvimento do Estado, apenas R$94 milhões foram destinados, ou seja, 40% a menos do que os R$155 milhões previstos para 1997.

Esse é um verdadeiro sufoco para um Estado que está obrigado a pagar por ano ao Tesouro, em face da renegociação de suas dívidas, cerca de R$150 milhões, sem deixar de mencionar que amarga a Paraíba uma perda de R$70 milhões por conta da citada Lei Kandir e do Fundo de Estabilização Fiscal. Enfim, há uma drenagem de recursos para a União que totaliza R$220 milhões.

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Concedo o aparte a V. Exª, com muita honra.

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Senador Humberto Lucena, V. Exª faz hoje no Congresso Nacional um pronunciamento da maior importância, onde retrata bem o grau de insatisfação que domina os representantes das Regiões Nordeste e Norte do País quanto à política do Governo Federal em relação àquelas Regiões. Acabei de fazer um pronunciamento justamente denunciando algumas atitudes enganosas praticadas pelo BNDES - que, no ano passado, realizou uma grande reunião na cidade de Manaus e convocou todos os empresários e as classes política e governamental da Amazônia para anunciar-lhes um programa de financiamentos, destinado aos empresários locais. Mas o próprio BNDES, depois, sem qualquer alarde ou justificativa plausível, mandou dizer que não mais poderia realizar o tal programa, porque não havia estrutura de pessoal, porque isso deveria ser feito por meio de agentes financeiros, etc, etc, etc.

O discurso de V. Exª confirma o quadro de descaso, de total ausência de boa vontade para com os Estados pobres - uma absurda e inaceitável política de inversão de valores, pela qual os Estados mais carentes, mais necessitados, são as maiores vítimas dos cortes praticados pelas autoridades monetárias do Brasil na execução orçamentária anual.

O Acre, como V. Exª acabou de citar, vai ser grandemente prejudicado no Orçamento para 1998, agravando suas carências econômicas e sociais, porque praticamente não tem receita própria e vive em função dos repasses da União. Pois vem agora o Governo Federal e se dá ao desplante de cortar esses já reduzidos recursos alocados para o Estado, principalmente para as duas rodovias federais, cuja responsabilidade, portanto, cabe ao Governo Federal. Como eu suspeitava e acabei de confirmar hoje, em audiência com o Diretor-Geral do DNER, os recursos não estão liberados.

Então como se vê, Senador Humberto Lucena, trata-se da política de um Robin Hood às avessas: tirar dos pobres em favor dos ricos. E V. Exª, como sempre, faz-se credor de todo o apoio quando vem protestar contra isso, nesse oportuno e vibrante discurso, ao qual me associo - porque é insuportável o tratamento dispensado pelo Governo às Regiões Norte e Nordeste do País.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Grato a V. Exª, nobre Senador Nabor Júnior, pelo aparte. Ouvi o pronunciamento de V. Exª, que está na mesma linha do que estou fazendo neste momento.

E pior do que isso, é que o Governo Federal também discrimina nas liberações, como sabe V. Exª. Ainda há poucos dias, o Senador Ney Suassuna, atual Presidente da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, trouxe à tribuna dados estarrecedores, deixando claro que os pequenos Estados, sobretudo, os do Norte e Nordeste, são os mais sacrificados com as liberações do Orçamento de 1997. Por exemplo, enquanto São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais têm uma liberação de 17, 20%, o meu Estado, a Paraíba, tem 4%, talvez o de V. Exª uns 2 ou 3%, e assim por diante, o que significa mais uma instrumento de caráter discriminatório, contra essas Unidades Federadas que estão encravadas nas regiões mais pobres do País e que mereciam, pelo contrário, uma atenção muito maior por parte do Governo Federal.

Sabe V. Exª perfeitamente, por outro lado, que os recursos decorrentes dos incentivos fiscais, os chamados recursos do Finor para a Sudene e do Finam para a Sudam, também diminuem, a cada ano, e têm uma liberação, muito demorada.

Eu mesmo sou autor de um projeto de lei que foi aprovado no Senado - não me canso de repetir - e estabelece preferência para aplicação no Norte e no Nordeste dos chamados Títulos de Conversão da Dívida Externa, que está dormindo na Câmara até hoje. Houve tentativa da sua inclusão na Ordem do Dia, há algum tempo, mas, na época, o então Deputado José Serra insurgiu-se contra e não permitiu a sua aprovação.

Portanto, o tratamento que se dá às regiões menos desenvolvidas do País é cada vez mais penoso e, por isso, as diferenças inter-regionais vão aumentando a cada dia que passa.

Entretanto, nobre Senador Nabor Júnior, não sei como - talvez com a ajuda de Deus - temos conseguido fazer um esforço e estamos dando alguns passos no sentido da reorganização da nossa economia, atraindo para nós, pelo menos no Nordeste, alguns grupos privados que atuavam tradicionalmente no sul do País. Isso, no meu Estado, significa a criação de cerca de 21 mil empregos, no momento em que o setor público está dispensando pessoas e enxugando a sua folha. Foi justamente por isso que se desencadeou essa campanha, contra a chamada guerra fiscal.

Ora, há o direito dos Estados da Federação de conceder incentivos e isenções fiscais a quem quer que seja, dentro de uma política de desenvolvimento econômico, visando melhorar suas condições de vida, aumentando as condições de renda e de emprego, de tal sorte que se possa atravessar, pelo menos, esse período de maior dificuldade, proveniente justamente do Plano Real, que tem como meta o equilíbrio das contas públicas federais.

Assim, do jeito que vai, Sr. Presidente, daqui a pouco - já disse isto e repito, mais uma vez -, vamos acabar logo com a República Federativa do Brasil e criarmos, no seu lugar, uma República Unitária, onde os governadores deveriam ser nomeados pelo Senhor Presidente da República, sendo de sua absoluta confiança. A União faria, então, a repartição de renda e a sua aplicação.

Se se quer policiar a política de incentivos fiscais nos Estados, proclamando-se que há uma guerra fiscal prejudicial ao País, sobretudo porque os pequenos Estados do Nordeste estão conseguindo êxito em atrair novos investimentos que até então estavam localizados no Sul, para onde vamos? Vamos, realmente, para o Estado Unitário. O que talvez seja a meta final de muita gente neste País.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Senador Humberto Lucena, V. Exª tem toda razão nas considerações que faz. Entretanto, permita-me lembrá-lo de que o Congresso também é culpado. Está tramitando aqui, há mais de dois anos, a reforma tributária. O Executivo não se interessa; é culpado, sem dúvida, mas nós também não fazemos nada. Ora, pelo menos um dos projetos que conheço acaba com a guerra fiscal, estabelece uma nova discriminação e uma nova repartição de receitas. Então, seria uma solução - é claro que se tem muito a discutir - que, no final, acabaria com isso e nos livraria desse constrangimento de ficarmos à mercê da vontade do Governo Federal. Concordo com V. Exª, dou-lhe os parabéns por estar na tribuna, mas divido a culpa com o Executivo. Nós deveríamos ser mais diligentes para fazermos com que essa reforma, seja ela qual for, caminhe.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Agradeço a V. Exª o seu apoio. Sei da sua sensibilidade para a discussão desse problema, mas só divirjo num ponto, nobre Senador: estamos no presidencialismo, onde, como sabe V. Exª, quem comanda o processo político-administrativo é o Senhor Presidente da República.

Estou num Partido que dá apoio ao Senhor Presidente da República, mas não é um apoio incondicional. Sua Excelência, quando quer, consegue as coisas, como conseguiu rapidamente a reforma da Constituição, visando a reforma política, a reeleição; como conseguiu a reforma visando a flexibilização dos monopólios; visando, já agora, outras normas para a Previdência, para a Administração. Mas, na reforma tributária, não sei o que há. Há forças ocultas que estão trabalhando contra ela, não dentro do Congresso, mas do Executivo, não sei por quê. Pois o fato é que não vejo movimentação do Poder Executivo, em seu favor.

Veja V. Exª que o Governo tem preferido as facilidades do Fundo de Estabilização Fiscal, que retira recursos dos Estados e Municípios, que já estão numa situação de dificuldades imensas, quando termina esse Fundo prorroga de novo, depois prorroga de novo; cria a CPMF para atender, como se fosse um pronto-socorro, a saúde pública por um determinado tempo, quando termina o prazo prorroga de novo, e assim por diante.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Já foi de emergência; agora, pretende-se que seja permanente.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Exatamente, diz bem V. Exª: o que era emergência passa a ser permanente. E a reforma fiscal não sai justamente por isso. Talvez a culpa do Congresso seja esta: admitir essas prorrogações. Daí por que felicito o Senado por não ter aceito, há poucos dias, a transformação em imposto permanente da CPMF, conforme proposta do Senador Roberto Freire. Não que eu seja contra a cobrança desse imposto - acho até que é um dos melhores que já se viu no Brasil -, mas porque ele só pode se tornar permanente no bojo de uma reforma fiscal. Na medida em que vamos fazê-la, extinguiremos dois ou três impostos e criaremos, permanentemente, a CPMF.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Com muita satisfação.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Humberto Lucena, permita-me interromper V. Exª para prorrogar o tempo do Expediente, a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso.

A propósito do aparte concedido, queria apenas registrar que o tempo do orador está esgotado.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Sr. Presidente, agradeço a V. Exª, mas peço vênia, pelo menos, para ouvir a palavra do Senador Ramez Tebet.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Humberto Lucena, a Casa o ouvirá com muita atenção.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Senador Humberto Lucena e meu caro Presidente, Senador Geraldo Melo, que preside com muita honra os trabalhos, serei breve. Não posso perder a oportunidade de cumprimentar V. Exª, que está fazendo um pronunciamento que a Nação espera. Verdadeiramente, a principal das reformas não tem sido tocada, e a sociedade brasileira está reclamando isso. V. Exª está chamando a atenção, nesta hora, para o fato de que não podemos, a cada problema que o País enfrenta, criar um imposto e transformar aqueles que foram criados provisoriamente em tributos permanentes. O discurso de V. Exª é altamente oportuno e quero lembrar que vamos ver se, desta vez, a coisa vai. O Governo Federal enviou uma proposta, recentemente, e sobre ela devemos nos debruçar para poder atender a Nação naquilo que ela mais está esperando. Estamos falando muito de reforma política, temos feito legislação eleitoral, temos extinguido os privilégios, mas não estamos cuidando da receita do Estado. E isso é o importante. Quero felicitar V. Exª porque, com sua experiência, está chamando a atenção do Congresso para que possamos tentar resolver urgentemente o problema da elevada carga tributária que existe no Brasil - até mesmo, se me permite a força de expressão, quase que uma desorganização tributária, porque estamos entre impostos permanentes e provisórios, com uma série de denominações. Agradeço a V. Exª e ao meu caro Presidente.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB) - Eu é que lhe agradeço. Na verdade, digo a V. Exª que essa questão da reforma fiscal tem ainda um outro aspecto: o de se fazer justiça social; por exemplo, carregando-se mais nos impostos indiretos, do que nos diretos.

Sabe V. Exª que quem paga Imposto de Renda neste País é o assalariado, a pessoa física. A pessoa jurídica, de um modo geral, paga muito pouco.

Por outro lado, quero lembrar um verdadeiro absurdo que vem acontecendo: o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi nosso colega e por quem tenho o maior apreço, quando Senador, apresentou um projeto procurando regulamentar o chamado Imposto sobre as Grandes Fortunas, que foi colocado na Constituição por uma emenda, na Assembléia Nacional Constituinte, do ex-Senador e ex-Governador Antônio Mariz, do meu Estado, de saudosa memória.

Pois bem, esse projeto foi aprovado no Senado por unanimidade, em tempo recorde, mas está dormindo nas gavetas da Câmara dos Deputados e não há quem consiga urgência para ele. Não sei o que está acontecendo, mas há pessoas e grupos inteiramente interessados em que não prospere o Imposto sobre Grandes Fortunas, enquanto ele significa, se vier a ser criado, uma arrecadação de cerca de R$1 milhão a R$5 milhões por mês, o que acrescentaria bastante à receita em um país, que tem déficit fiscal.

Concluindo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que se analise melhor essa questão da "guerra fiscal". É necessário que se insista, enfaticamente, em que o Governo Federal se disponha a reformular prontamente a linha atual do garroteamento econômico-financeiro dos Estados, sobretudo os das regiões mais carentes do País, com o objetivo de manter, a todo custo, o modelo de estabilização.

É, enfim, mister que se diga alto e repetidamente ao Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que não se terá estabilização de forma sustentada, duradoura e adequada neste País se se inviabilizar a economia dos Estados, pois, com isso, iremos - como disse - agredir um princípio constitucional dos mais importantes e que é, inclusive, cláusula pétrea de nossa Carta Magna: a República Federativa do Brasil. Se insistirmos conspirar contra a autonomia fiscal dos Estados, estaremos caminhando para a República unitária no País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1997 - Página 20782