Discurso no Senado Federal

IRRESPONSABILIDADE E DESCASO DO GOVERNO FEDERAL NO TRATAMENTO DO SERIO PROBLEMA DAS QUEIMADAS NA AMAZONIA, A PROPOSITO DOS EDITORIAIS DA FOLHA DE S.PAULO E DO ESTADO DE S.PAULO DE HOJE, INTITULADOS AMAZONIA EM CHAMA E QUEIMADA NO AM EQUIVALE A 840 MARACANÃS, RESPECTIVAMENTE.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • IRRESPONSABILIDADE E DESCASO DO GOVERNO FEDERAL NO TRATAMENTO DO SERIO PROBLEMA DAS QUEIMADAS NA AMAZONIA, A PROPOSITO DOS EDITORIAIS DA FOLHA DE S.PAULO E DO ESTADO DE S.PAULO DE HOJE, INTITULADOS AMAZONIA EM CHAMA E QUEIMADA NO AM EQUIVALE A 840 MARACANÃS, RESPECTIVAMENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/1997 - Página 20918
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EXCESSO, QUEIMADA, FLORESTA AMAZONICA, ALEGAÇÕES, PROMOÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, NECESSIDADE, ADOÇÃO, GOVERNO, PROVIDENCIA, INTERFERENCIA, REGIÃO AMAZONICA, IMPEDIMENTO, DESTRUIÇÃO, RESERVA ECOLOGICA, RESERVA FLORESTAL, BRASIL.
  • CRITICA, FALTA, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TRATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, REFERENCIA, QUEIMADA, COMPROMETIMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REGIÃO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eminente Presidente desta sessão, Senador Valmir Campelo, eminente Senador João Rocha, que faz o papel de Secretário do Senado, meus colegas Senadores, há muitos anos, há um hábito de se escrever e de se falar sobre a Amazônia, sobretudo por aqueles que jamais pisaram esse solo. Uns têm a desfaçatez de chegar a copiar obras publicadas, que geram denúncias, como ainda recentemente ocorreu com o Prof. Mario Ypiranga Monteiro, que, do alto dos seus 88 anos de idade, mostrava seus livros que estavam sendo copiados, inclusive no exterior. Outros fazem poesia decantando o chamado "inferno verde". Alguns mais observadores, como determinados companheiros - e me incluo entre eles -, já aqui estivemos, nesta tribuna, tratando do problema das madeireiras asiáticas, que, depois de terem devastado seu país, fazem incursões nos países alheios, inclusive no nosso.

O que me traz hoje à tribuna, Sr. Presidente, é um assunto da maior seriedade sobre a Amazônia. Os jornais da minha terra estão altamente preocupados com o problema das chamadas queimadas. Enquanto a coisa ficava reduzida àqueles que ali mourejam, vivem, trabalham, produzem, e não tinha eco no Sul do País, as queimadas pareciam apenas um registro jornalístico. Pelo registro de uma notícia em O Estado de S. Paulo e por um editorial da Folha de S.Paulo, vejo que a direção do jornal começa a tomar responsabilidade, porque os editoriais são sempre responsabilidade da direção.

Quero, Sr. Presidente, que o inteiro teor desse editorial sobre matéria tão crucial fique registrado nos Anais da Casa, porque no fundo há uma irresponsabilidade do Governo Federal com relação ao assunto.

Seu título é "Amazônia em Chamas":

      "A Região Amazônica, em termos de desenvolvimento econômico, ainda está muito aquém do potencial. A onda recente de queimadas, entretanto, mais uma vez traz à tona os riscos da ocupação destrutiva do território, que há anos vem sendo denunciada pelos ambientalistas.

      É bom evitar a ingenuidade romântica quando se trata das relações entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Afinal, a preservação total da natureza significaria em última análise renunciar à ocupação territorial."

Aqui, Sr. Presidente, faço uma pausa para incluir um parêntese: quando eu era titular da Pasta do Ministério da Justiça, fui a um congresso no México, em que estavam presentes o então Vice-Presidente da República dos Estados Unidos e seu Sr. Secretário de Estado, no sentido de que fosse possível transitarem pelo nosso País, em termos de defesa do meio ambiente e por causa do problema do narcotráfico, agentes federais, de comum acordo conosco. De logo entendi que isso seria violar a nossa soberania nacional e me pus contrário.

Lá já se vão sete anos, e, hoje, com todas as letras, vou repetir a frase: "Afinal, a preservação total da natureza significaria, em última análise, renunciar à ocupação territorial". Ou seja, em outras palavras, significa estarmos abrindo mão da nossa soberania.

Continuo a leitura do editorial:

      "Mas, quando a extensão das queimadas chega a prejudicar a operação de aeroportos ou provoca um aumento significativo dos casos de distúrbios respiratórios nos hospitais de Manaus, parece evidente que estão ocorrendo exageros inaceitáveis.

      A lista de problemas é longa e intrincada e nela está incluída a própria racionalidade da ocupação. De resto, por trás da extração ilegal de madeira em reservas indígenas ou do desmatamento irregular estão as ocupações de terras por grileiros ou a falta de apoio para as atividades tradicionais, como a dos seringueiros, para ficar em alguns exemplos.

      Como se já não bastasse, as dimensões do território são continentais: só o mapa do Pará engoliria 13 mapas de Portugal ou 30 Holandas. Para fiscalizar toda essa extensão, o Ibama conta com minguados 64 fiscais.

      A gravidade é tal que o Presidente da República se diz impotente. Em março, quando ocorreu a conferência Rio+5, FHC admitiu que "nessas regiões, quase não há Estado". Os satélites mostram as queimadas e derrubadas, mas o Presidente deveria assumir um compromisso mais firme com a defesa da Amazônia.

      Entretanto, a agenda ambiental não se limita a verbas e fiscais. Está em questão hoje a própria fusão das questões de irrigação e meio ambiente num mesmo Ministério.

      A criação de Pastas no Governo Federal nunca foi garantia de prioridade ou de visão estratégica. Mas pode-se dizer que o Governo faz menos que o mínimo para evitar a queima das reservas ambientais brasileiras."

Sr. Presidente, a responsabilidade de um editorial dessa natureza se amplia na medida em que comprova a grande circunstância que afeta a nossa região, isto é, traduzindo num português claro, o descaso com que o Governo Federal está tratando a nossa região. Quando digo a nossa região, incluo o Centro-Oeste, que também nela está encravado. Todos nós ficamos desesperados, desesperançados, sentido na pele que não é possível que se aja com um descaso dessa natureza. O Governo não só está eqüidistante, como também indiferente. Nesta altura dos acontecimentos, já deveria ter-se deslocado para lá, a fim de verificar quantos vôos estão sendo suspensos - ainda recentemente assisti a isso - por causa desse problema das queimadas.

No entanto, Sr. Presidente, agora, com a vinda para as letras do jornalismo nacional, nós, amazonenses, esperamos que seja feita alguma operação contra essa queimada, que equivale a 840 Maracanãs, como diz o título de O Estado de S.Paulo, não só para identificar esses focos, mas para neles ser posto um ponto final.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Lúdio Coelho.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Senador Bernardo Cabral, é muito importante o pronunciamento de V. Exª, mas desejo prestar uma informação. Quando se fala em equivalência a 800 campos de futebol, vale salientar que um campo de futebol não tem um hectare. Quer dizer, é uma área relativamente muito pequena, sem deixar de lado a importância de se controlarem as queimadas.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Equivale a 840 mil, não é isso, Senador?

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Não, 800 hectares, que representam uma área extremamente pequena no contexto dos milhões de hectares que tem a Amazônia. Quer dizer: isso não representa nem 0,001% - sou roceiro, também; moro no mato e todo fim de semana vou ver minhas coisas. A população está controlando enormemente as queimadas, devo dizer a V. Exª e ao Senado. Hoje, quase não há queimadas feitas de propósito. Acontece que transeuntes, pessoas de automóveis, de caminhão, quando passam pelas rodovias, jogam tocos de cigarro acesos e, quando está muito seco, isso provoca incêndios. Nessa região da Amazônia parece-me que não há estradas de ferro, mas nas estradas-de-ferro do Mato Grosso do Sul, os passageiros também jogam cigarro pela janela, fazendo o capim seco pegar fogo. Acredito que o País tenha dado um salto enorme em relação ao trabalho de educação do meio rural na preservação do meio ambiente. Hoje, no meu Estado e no Mato Grosso, viajando de avião pequeno, é muito raro ver-se uma queimada. Então, acho importante o que V. Exª está dizendo. Entendo ser necessária uma utilização racional da Amazônia, porque não podemos nos dar ao luxo de deixar quase metade do território nacional desocupada. Felicito V. Exª por seu pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Agradeço a V. Exª, mas penso eu que deveria ter concedido o aparte a V. Exª cinco minutos depois, porque V. Exª poderia, então, ver que essa queimada a que me refiro não diz respeito apenas aos campos da Amazônia, mas às proximidades de Manaus. Por isso, o título menciona 840 quilômetros. Começa, assim, a nota:

      "Uma área equivalente a 840 campos de futebol está em chamas, há uma semana, nas proximidades de Manaus".

Quer dizer, nas proximidades da capital, na periferia.

E continua a nota:

      "Imagens do Satélite NOAA-12, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), revelam que, numa escala de 0 e 9, o grau de biomassa que está queimando chega a 8".

Agora, veja, Senador Lúdio Coelho, com a experiência que V. Exª tem de homem afeito a esta matéria e sobre a região.

      "A situação poderá piorar porque as chuvas diminuíram em 70% na região próxima à capital amazonense".

      E veja quem está cuidando do assunto.

      "Ontem, o governos estadual e federal uniram-se ao Exército e à Prefeitura numa megaoperação para localizar os focos de queimadas e prender os seus responsáveis".

É aquilo que V. Exª dizia, basta um toco de cigarro, numa época em que o verão é intenso, para que as fagulhas se propaguem, uma vez que a chuva está a fazer falta. E V. Exª sabe que o índice pluviométrico na minha região é da ordem, às vezes, de 80 a 90%; bem diferente de Brasília, que, às vezes, está em 15%, chegando a rivalizar com o deserto do Saara. Veja V. Exª o que eu trazia ao conhecimento da Casa do que eu havia testemunhado.

Dizia eu a V. Exª que, na semana passada, ao sair de Manaus, quase que o nosso vôo, a exemplo de um vôo anterior, num dia passado, tinha sido obstaculizado pela chamada fumaça. Ontem, portanto, dia 2, amanheceu mais claro, permitindo que o Aeroporto Internacional Eduardo Gomes operasse normalmente. Na parte da tarde, a fumaça aumentou elevando a temperatura, mas a freqüência dos vôos continuou normal. Aqui vem um registro.

      "A Aeronáutica teme, no entanto, que a continuidade da fumaça possa vir a fechar os aeroportos do interior do Estado, impedindo o abastecimento de pequenos municípios, onde as mercadorias só chegam por via aérea".

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando estávamos em plena campanha para Deputado Federal, e já se vão 10 anos, na época da Constituinte, lembro-me que o hoje Secretário de Comunicação Social do Senado Federal, àquela altura, Presidente do Ibama - depois Governador do Território Federal de Fernando de Noronha - durante a gestão de Fernando César Mesquita, em nenhum instante, tivemos aeroporto fechado. Havia um trabalho prévio e numa das vezes em que o nosso Fernando César foi a Manaus com o então Presidente José Sarney, pôde, in loco, verificar a forma pela qual se prevenia qualquer acontecimento. Ou seja, prevenir para remediar. 

Hoje, estamos verificando que a Aeronáutica está preocupada com a possibilidade dos aeroportos do interior do Estado virem a ser fechados e, com isso, os pequenos Municípios terem o seu abastecimento prejudicado.

Sr. Presidente, perto de Manaus existe uma região chamada Puraquequara onde, quando moço, garoto, fui muito com o meu pai. Hoje, vejo a região desconhecida sendo citada - porque é nas proximidades de Manaus - pelo Jornal O Estado de S.Paulo, exatamente assim:

      "Em algumas regiões, como Puraquequara, distrito de Manaus onde as queimadas são intensas, lagos e igarapés já estão secando. Nos últimos quatro meses, quase não choveu em Manaus. No ano passado, o índice pluviométrico em junho e julho foi 113 milímetros, mas este ano, até agora, ele só é pouco superior a 9 milímetros."

Veja a grande diferença de 113 para 9, os igarapés estão secando e com isso, Sr. Presidente, a fome vai começar a grassar nesses distritos da periferia de Manaus. Quando ela for avançando, e quando a fome avança não adiante se lhe oporem barreiras, porque ela vai arrebentando tudo, já que o cidadão perde a sua noção de cidadania, decência e dignidade. O que acontece é que vai haver esse êxodo para a capital e na periferia das capitais, sobretudo da minha, começarão a formar bolsões de miséria que, com os pais e as filhas, vão levar uns à marginalidade, para o roubo, e outra para a prostituição.

Esta é a forma pela qual venho a esta tribuna, porque não dá para entender que o Governo Federal possa ficar indiferente, apático, distanciado de um assunto que é da maior gravidade.

Sr. Presidente, sei que daqui a alguns dias V. Exª, por imposição desta própria Casa, vai alçar para um órgão do Judiciário, mas tenho a convicção de que antes de sair V. Exª será, sem dúvida nenhuma, um daqueles que se juntará a nós numa solidariedade que não pode ser apenas referente ao lado político, ao lado do companheirismo, mas uma solidariedade que abrange o lado intensamente social que existe neste País.

Quando vejo - e com isso concluirei este meu pronunciamento - dizer que a violência que grassa nas ruas é resultado da falta de moradia, é conseqüência do que comer, é apenas a finalidade que resultou do que não tem emprego, dou-me conta de que esses podem ser fatores que causam a violência, mas que não são, absolutamente, a sua causa principal; a principal está lá, incrustada com profundas raízes que se alastram em uma injustiça social. Tanto isso é verdade que S. S., o Papa, está colocando o problema das desigualdades sociais junto ao da família, durante a sua viagem a este País.

O que quero, Sr. Presidente, é dizer que não se implante o caos social na minha região; que o Governo atente para a sua responsabilidade. Está na hora de voltar as suas vistas para o que se passa aqui, olhando o País aqui dentro e não o criticando lá fora, quando fazem viagens ao exterior.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/1997 - Página 20918