Discurso no Senado Federal

COMENTANDO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA O INCISO 3 DO ARTIGO 46 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE PROPÕE SEJAM CONSIDERADOS SUPLENTES, NA ORDEM DECRESCENTE DE VOTAÇÃO, OS CANDIDATOS AO SENADO NO MESMO PLEITO NÃO ELEITOS COMO SENADOR. CAOTICA SITUAÇÃO DO NOSSO SISTEMA PENITENCIARIO. REGOZIJO COM AS ALEGAÇÕES DO PROFESSOR MILTON FRIEDMAN, O MESTRE DO NEOLIBERALISMO, DE QUE O FMI, DEVE SER EXTINTO. CRITICAS A ATUAÇÃO DO BNDES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SEGURANÇA PUBLICA. :
  • COMENTANDO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA O INCISO 3 DO ARTIGO 46 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE PROPÕE SEJAM CONSIDERADOS SUPLENTES, NA ORDEM DECRESCENTE DE VOTAÇÃO, OS CANDIDATOS AO SENADO NO MESMO PLEITO NÃO ELEITOS COMO SENADOR. CAOTICA SITUAÇÃO DO NOSSO SISTEMA PENITENCIARIO. REGOZIJO COM AS ALEGAÇÕES DO PROFESSOR MILTON FRIEDMAN, O MESTRE DO NEOLIBERALISMO, DE QUE O FMI, DEVE SER EXTINTO. CRITICAS A ATUAÇÃO DO BNDES.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1997 - Página 20804
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, DEFINIÇÃO, SUPLENCIA, SENADO, CRITERIO SELETIVO, SUPERIORIDADE, VOTAÇÃO, CANDIDATO, SENADOR, ELEIÇÕES, OBJETIVO, AUMENTO, LEGITIMIDADE, REPRESENTAÇÃO, DEMOCRACIA.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, SUGESTÃO, CONVOCAÇÃO, APOSENTADO, JUIZ, PROMOTOR, EXERCICIO, ASSISTENCIA JUDICIARIA, OBJETIVO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, LIBERDADE, PRESO, CONCLUSÃO, PENA.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, MILTON FRIEDMAN, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, EXTINÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), CONFIRMAÇÃO, PENSAMENTO, ORADOR.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), PRIVILEGIO, CAPITALISMO, PREJUIZO, TRABALHADOR.
  • CRITICA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, REFERENCIA, FINANCIAMENTO, CAMPANHA, SUSPEIÇÃO, APOIO, BANCOS, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO, MOTIVO, RETRIBUIÇÃO, RECURSOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT/DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já deveria ter feito anteriormente, eu gostaria de iniciar este meu - espero - curto e modesto pronunciamento, dizendo que apresentei uma proposta de emenda à Constituição que altera o § 3º do art. 46 da Constituição Federal e que tem por objetivo, em certo sentido, ir na onda desse processo de moralização, desse processo de reafirmação do Poder Legislativo e do Senado em particular.

Parece-me que um dos motivos pelos quais o Senado Federal pode ser objeto de censura, e pode perder parte de sua legitimidade, deve-se ao fato de que vemos, a cada dia, aumentar o número de Senadores suplentes. Estes devem vir ao nosso convívio em igualdade de condições. Em certo sentido, minha preocupação é a de legitimar, de dar peso, plenitude, ao desempenho do parlamentar quando se tratar de um suplente em exercício. Quando os suplentes são alçados ao exercício do mandato geralmente chegam um tanto acabrunhados, porque os titulares entraram nesta Casa através do que deve ser o único passaporte para o Poder Legislativo: os votos conferidos pela população. No entanto, de acordo com o que dispõe a Constituição atual, é possível que um grande número de senadores aqui se assente sem que tenham, antes, passado pelo crivo das eleições majoritárias. Portanto, é preciso, no meu entender, que se dê prestígio a esses suplentes de senadores. E, no meu ponto de vista, o prestígio só pode ser dado pela urnas.

A minha sugestão é muito simples. Em vez de um partido ou bloco de partidos indicar o senador e o suplente, sendo que a eleição do senador traz consigo naturalmente a eleição do primeiro e segundo suplentes, proponho que se considerem suplentes, na ordem decrescente de votação, os candidatos ao senado no mesmo pleito não eleitos como senador.

Vemos aqui que o senador de um partido tem como suplente freqüentemente um de outro partido. Portanto, já houve uma quebra dessa seqüência, dessa sucessão partidária. Proponho que o mais votado dos candidatos ao Senado, independentemente do partido a que pertença, seja considerado como primeiro suplente e assim sucessivamente. Desse modo, todos os suplentes convocados terão sido votados, terão sido eleitos. Terão, portanto, a sua presença no Senado referendada pelo voto popular. Chegarão aqui em igualdade de condições com os senadores titulares.

Quanto ao nosso sistema penitenciário, sabemos muito bem que em certo momento a humanidade teve a esperança de que as penitenciárias perdessem esse caráter de penitência, de castigo, de sacrifício, de vingança imposta àqueles que transgrediram as leis, aos criminosos, para que se transformassem em ambientes de recuperação, ambientes em que fosse resgatada essa cidadania, essa conduta que um dia transbordou e se marginalizou em atividades criminosas.

Mas esses investimentos em penitenciária não dão retorno. O nosso critério passou a ser, graças a essa ditadura imposta pelos economistas a este País, única e exclusivamente baseado em razões econômicas, em retorno dos investimentos.

O mesmo ocorreu com o nosso sistema educacional, com o nosso sistema de saúde. A rentabilidade dos investimentos ali feitos não é facilmente aquilatável pelos critérios econômicos.

A situação a que chegou nosso sistema penitenciário faz inveja aos próprios campos de concentração, porque em nenhum deles havia uma situação como a que ocorre em diversas penitenciárias brasileiras: à noite, determinam-se quais deverão morrer a fim de que um espaço mínimo seja garantido para aqueles que continuam a sofrer a sua pena. Sabemos da existência disso. Sabemos que o espaço foi reduzido a cerca de 80 cm² por penitente aprisionado neste País.

Proponho que seja possível o exercício de funções de assistência judiciária a aposentados, a juízes e a promotores, que receberão a remuneração inicial da carreira da Defensoria Pública. Dessa maneira, muito pouco pesarão ao Erário Público porque realmente seus proventos serão reduzidos.

Sabemos muito bem que, hoje, neste País, é tão grande o desprezo pelos condenados que cumprem as suas penas que não sabemos sequer o número dos presos existentes no Brasil. Desconhecemos quantos já cumpriram as suas penas e aguardam a decisão judicial - perdida numa pilha de processos - que os colocaria em liberdade, liberdade essa a que já têm direito há muito tempo.

O Governo manda computadores comprados sem concorrência pública para as escolas brasileiras, que não têm giz, que não têm cadeiras, que não têm as mínimas condições, e para as penitenciárias, que não têm espaço para os presos se deitarem e têm que cumprir a pena de pé. O Governo envia computadores! Em que mundo vive este Governo?

A quantos quilômetros de distância vivem esses engravatados que saem com essas medidas fantásticas, modernosas, completamente incompatíveis com a realidade de nossa existência social?

Em vez de computadores, que se mandem pessoas que apliquem nossas leis e libertem aqueles que já cumpriram suas penas. Não fazendo isso, têm de fazer de vez em quando um indulto, um indulto muito mal elaborado com critérios muito obscuros, que liberta apenas para reduzir o número de condenados, de pessoas encarceradas nessas penitenciárias.

Espero que essa minha sugestão seja transformada em lei e que o número de pessoas aplicadas que trabalhem nessa área possa realmente resolver uma parte pequena desse acúmulo de desumanidade que se vem formando ao longo de tanto tempo esse entulho desumano que está dentro do sistema penitenciário brasileiro.

Para terminar, Sr. Presidente, gostaria de fazer referência a um assunto que me é muito gratificante. Participei de três campanhas eleitorais e pude vir a esta Casa apenas uma vez, embora tivesse sido o segundo mais votado em duas ocasiões em que havia três vagas. Isso mostra o que é este nosso sistema legislativo eleitoral. Algumas vezes, tentei explicar esse procedimento a estrangeiros, que não conseguiram entender como ele ocorre num País que se diz civilizado e democrático.

O que me dá uma grande alegria é o fato de ter-me pronunciado, nessas campanhas e aqui neste Plenário, contra o Fundo Monetário Internacional - FMI, instituição que sempre articulou a voz do dono. Antes de sua existência, as mesmas regras eram ditadas contra os interesses do Brasil pelas gargantas que proferiam esses comandos externos que ainda pesam sobre nossa economia. O FMI é um desses instrumentos que colocam arreios que nos subjugam por meio das relações internacionais de dominação.

Tive uma grande satisfação. Eu, que propunha, como um Dom Quixote, o fim do FMI, agora vejo, com alegria, que os extremos se encontram: o Professor Milton Friedman, o mestre dos neoliberais que faz a cabeça dos Pinochets e que defende esse sistema de globalização imposto a nós todos, cuja contraface política é a ditadura - para impor essas medidas ditadas pela voz do dono, que são incompatíveis com o avanço democrático real, é necessário o autoritarismo da Dona Thatcher, dos militares argentinos, de Pinochet, de Fernando Henrique Cardoso -, declarou ter chegado à conclusão de que o FMI deve ser extinto, assim como o BIRD: 

      "O Prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, afirmou ontem que o melhor que o FMI - Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial poderiam fazer para o mundo seria desaparecer". (Folha de S.Paulo, 20/09/97.)

De modo que, por motivos diversos, o que antes parecia excêntrico - há doze anos, quando falei isso, fui chamado de excêntrico - é agora adotado como uma solução racional, superior.

Outro assunto, Sr. Presidente: no princípio do meu mandato, vieram muitos funcionários do BNDES conversar comigo, acreditando que eu, um mero Senador da Oposição, seria capaz de derrubar aquela "montanha" de poder e de dinheiro que se ergue. Trata-se do edifício mais luxuoso que vi em minha vida, erguido no chamado "Triângulo das Bermudas", no centro do Rio de Janeiro. Não há nada igual: todo o material importado, com vidros ray-ban negros etc., aquilo é uma afronta à sociedade brasileira.

Eu sempre disse que o BNDES foi criado no tempo dos dinossauros, no tempo de Roberto Campos, em 1953. Ele permanece incólume, inatingível e hoje possui como seu Presidente um dos mais competentes destruidores da economia nacional.

Atualmente, o que o BNDES faz não é mais aquilo que fazia no princípio, ou seja, emprestar recursos a taxa de juros negativa aos nababos brasileiros. Hoje, ele faz algo pior: pega uma parte desse dinheiro volátil, que está como um tropel, rodando pelo mundo, procurando aplicação, endivida-se lá fora, a taxas de juros baixíssimas - como acabou de mostrar o Senador Senador Esperidião Amin -, e repassa esses recursos; apropria-se do dinheiro do FAT - Fundo de Auxílio aos Trabalhadores e do FGTS e aplica no capital, considera vantagem fazer isso.

Tendo como campo de aplicação rentável esses recursos desviados, o que fez o BNDES? Neste ano, "já destinou R$4,8 bilhões para a privatização das mais apetitosas estatais do Brasil, que são as empresas elétricas e de telecomunicações. (...) se o benefício for estendido a todas as privatizações, a entrega de dinheiro público pode chegar a R$14,3 bilhões, para os que abocanharem as empresas de eletricidade, e R$11,5 bilhões, para os que ficarem com as de telecomunicações".

      Vimos, há pouco tempo, que não havia ninguém interessado na compra de uma firma brasileira que estava sendo privatizada, e o BNDES emprestou dinheiro a uma estatal francesa para que, com os recursos do BNDES, fossem feitos lances que acabaram levando a Light para o controle externo. É isso o que está ocorrendo hoje. O BNDES, então, toma esses fundos - dinheiro com determinada parcela volátil pelo mundo - de qualquer fonte, inclusive da social, entregando-os, em forma de subsídio, aos capitalistas que estão adquirindo na bacia das almas as empresas estatais brasileiras.

O professor Dionísio Dias Carneiro, da PUC-Rio, tem posição inteiramente diferente da de Carlos Eduardo, que mostra esses desmandos e aponta esses desvios. Diz então o professor Dionísio, que foi meu colega na UnB: "Os financiamentos são bons por estimularem a concorrência". Os financiamentos feitos para empresas monopolísticas e oligopolísticas são bons, porque estimulam a concorrência! Que concorrência!? É estarrecedora a utilização de qualquer argumento para defender esse processo indefensável.

Vejam bem: se esses cálculos têm alguma proximidade com a realidade, são R$25 bilhões que o BNDES está emprestando para que comprem com juro inglês, com juro globalizado, com juro subsidiado, o capital feito com o sangue e o suor dos trabalhadores brasileiros. Somente aqui, vemos que são oito vezes aquilo que o Governo recebeu da venda da Companhia Vale do Rio Doce.

Um dos motivos pelos quais o Brasil deveria temer muito e ter pensado muito antes de ter permitido a reeleição sem desincompatibilização é o fato de que se cria uma suspeita, que pode não ser verdadeira, de que o Governo, ao transferir esses recursos de, por exemplo, R$9,2 bilhões, o equivalente a três Companhias Vale do Rio Doce, para o Banco Nacional, por intermédio do PROER, possa obviamente estar pretendendo ser financiado em sua campanha como recompensa, como compensação, como gratidão, por ter trabalhado tão bem até um sábado de madrugada para criar esses recursos que foram canalizados para o sistema bancário dito falido.

Acredito até que toda essa aparência seja enganosa, que ninguém no Governo ou no Banco Central ou no BNDES tenha se beneficiado, que realmente se trata de um amor ao próximo, de um espírito público que se revela nessas medidas, de iguais para iguais, de poderosos para poderosos. Pode ter acontecido. Mas, de agora para frente, é óbvio que, uma vez que foi garantido às empresas e aos bancos brasileiros subsidiarem os candidatos, essas suspeitas, justas ou injustas, passarão à ordem do dia.

E é isso que dever-se-ia evitar. Uma eleição acima de qualquer suspeita deveria ter sido a norma de quem deseja instilar ética no processo de democratização brasileira. Infelizmente, não foi isso que aconteceu.

Uma crise de legitimidade vai, portanto, acompanhar o processo eleitoral brasileiro. Até desejo que essa crise de legitimidade, feita em nome da continuidade e da estabilização, não seja um elemento desestabilizador da democracia e da sociedade brasileira.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1997 - Página 20804