Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NA SEMANA PASSADA, PELA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DO SEMINARIO NACIONAL EM COMEMORAÇÃO AO 'DIA NACIONAL DE LUTA AO PORTADOR DE DEFICIENCIA', SOB O TEMA 'PORTADOR DE DEFICIENCIA - PORTADOR DE CIDADANIA'. OBSTACULOS A INTEGRAÇÃO DOS PORTADORES DE DEFICIENCIA, NÃO OBSTANTE A EXISTENCIA DE UMA LEGISLAÇÃO AVANÇADA E DA PRIORIDADE APONTADA PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REALIZAÇÃO, NA SEMANA PASSADA, PELA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DO SEMINARIO NACIONAL EM COMEMORAÇÃO AO 'DIA NACIONAL DE LUTA AO PORTADOR DE DEFICIENCIA', SOB O TEMA 'PORTADOR DE DEFICIENCIA - PORTADOR DE CIDADANIA'. OBSTACULOS A INTEGRAÇÃO DOS PORTADORES DE DEFICIENCIA, NÃO OBSTANTE A EXISTENCIA DE UMA LEGISLAÇÃO AVANÇADA E DA PRIORIDADE APONTADA PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1997 - Página 20814
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, SEMINARIO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEFESA, CIDADANIA, PESSOA DEFICIENTE, PROPOSTA, POLITICA SOCIAL, INTEGRAÇÃO.
  • ANALISE, ESTATISTICA, DEFICIENTE FISICO, DEFICIENTE MENTAL, BRASIL, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ATENDIMENTO, SAUDE PUBLICA, ENSINO PUBLICO, EMPREGO.
  • LEITURA, DOCUMENTO, SEMINARIO, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, CUMPRIMENTO, DIREITO CONSTITUCIONAL, CIDADANIA, PESSOA DEFICIENTE.

         A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO-PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "O portador de deficiência não é portador de cidadania". Sob o peso dessa constatação, realizou-se na semana passada o Seminário Nacional promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em comemoração ao "Dia Nacional de Luta do Portador de Deficiência" (21 de setembro), cujo tema foi: "Portador de Deficiência - Portador de Cidadania".

         Com o objetivo de identificar e propor aos Poderes Públicos iniciativas capazes de superar as dificuldades que impedem o atendimento de qualidade à pessoa com deficiência, o Seminário contou com a participação de representantes de parlamentares, de organizações representativas dos portadores de deficiência e de órgãos governamentais. Ao final, foi elaborada uma "Carta Aberta ao Presidente da República", solicitando audiência para entrega do relatório completo do Seminário.

         A integração das pessoas portadoras de necessidades especiais deve estar na ordem do dia das prioridades nacionais. As leis brasileiras não deixam margem de dúvidas quanto à essa prioridade. A Constituição Federal é rica em referências aos portadores de deficiência. Nada menos do que 9 (nove) artigos, parágrafos e incisos sobre os deficientes.

· Admissão em cargos e emprego público (art. 37, VIII)

· Assistência (art. 227, § 1º, II)

· Benefício mensal; assistência social (art. 203, V)

· Ensino especializado (art. 208, III)

· Habilitação e reabilitação; assistência social (art. 203, IV)

· Igualdade de direito no trabalho (art. 7º, XXXI)

· Locomoção e acesso - facilidades: normas (art. 227, § 2º e art. 244)

· Proteção; competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II)

         Proteção e integração social - legislação concorrente (art. 24, XIV).

         O Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado dia 13 de maio de 1996, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso proclama que, em relação às pessoas portadoras de deficiência, uma das prioridades, a curto prazo, é:

         * Formular políticas de atenção às pessoas portadoras de deficiência para a implementação de uma estratégia nacional de integração das ações governamentais e não-governamentais, com vistas ao efetivo cumprimento do Decreto nº 914, de 6 de setembro de 1993

         Apesar da legislação avançada e da prioridade apontada pelo Governo Federal, existem hoje milhões de brasileiros buscando sua cidadania.

         Houve um tempo em que o excepcional era sinônimo de incapacidade, de inútil, de inferior. Pessoas que viam-se relegadas ao esquecimento, merecedores de piedade e da compaixão dos chamados normais. Eram deficientes, como se jamais pudessem realizar-se como indivíduos, como cidadãos. Hoje, não encontramos mais deficientes, mas pessoas portadoras de deficiência. Esta expressão, mais que um jogo de palavras, demonstra uma mudança de mentalidade. Está comprovado que as pessoas excepcionais, ou os portadores de deficiência, são, não apenas tão competente como qualquer um, mas, em muitos casos, mais brilhantes e talentosos que a maioria.

         Os maiores obstáculos à integração dos portadores de deficiência residem no preconceito e na gravidade dos problemas sociais e atingem a toda sociedade brasileira.

         Não obstante as demonstrações de capacidade, infelizmente no Brasil o preconceito e a discriminação falam mais alto. A Declaração dos Direitos Humanos afirma que os homens nascem iguais em direitos e dignidade. Mas não é assim que funciona na prática. Constatamos a negação dos princípios básicos de cidadania e uma grande insensibilidade que faz com que exista no mundo de hoje uma conceituação subjetiva do que é "normal" e do que não é.

         Já os padrões de beleza condenam os portadores de deficiência, como se existisse verdade absoluta e se a eugenia ditasse as normas. Tudo isso fere os direitos do cidadão e contraria os dogmas da liberdade, igualdade e fraternidade. O portador de deficiência é excluído da sociedade por não corresponder a um modelo previamente idealizado. Entretanto, é fácil perceber como as mutilações de caráter são facilmente aceitas!

         A incidência de deficiências resultantes de defeitos congênitos, doenças, desnutrição, acidentes, dentre outras causas, vêm aumentando com maior rapidez do que a expansão dos serviços de saúde, educação e outros.

De acordo com os dados do Banco Mundial, de 1989, o percentual considerado aceitável de pessoas portadoras de deficiência nos países desenvolvidos varia de 1,0% (um por cento) a 3,5% (três vírgula cinco por cento) da população. As mais recentes progressões estatísticas dos organismos internacionais estimam em 10% (dez por cento) o percentual da população brasileira atingida por algum tipo de deficiência, ou seja, cerca de 15 milhões de pessoas.

As deficiências mentais são as de maior incidência, atingindo a 5% da população. Em segundo lugar vem as deficiências físicas, atingindo 2%. Depois, as deficiências auditivas com 1,5%. Em seguida as deficiências múltiplas, com 1,0% e, por fim, as deficiências da visão, atingindo a 0,5% dos brasileiros. A população do Brasil portadora de deficiência apresenta o seguinte perfil:

* deficientes mentais: 5%, ou cerca de 7.300.000 pessoas

* deficientes físicos: 2% ou cerca de 2.900.000 pessoas

* deficientes auditivos: 1,5% ou cerca de 2.200.000 pessoas

* deficientes múltiplos: 1% ou cerca de 1.400.000 pessoas

* deficientes visuais: 0,5% ou cerca de 700.000 pessoas

Os direitos à cidadania e os direitos sociais para os brasileiros em geral ainda estão sendo construídos, mas é certo que para o deficiente ainda são totalmente inexistentes, como o acesso à saúde, educação, ao trabalho e ao lazer, aspirações legítimas de todo brasileiro, mas que se encontra no campo do imaginário para os portadores de deficiência.

A cidadania do deficiente é duplamente usurpada: negamo-lhes as conquistas comuns a todo cidadão, ao mesmo tempo em que lhes é negada o direito à igualdade, porque implica no respeito à diferenças.

Em luta constante pela sobrevivência, o deficiente anseia freqüentar escolas públicas, utilizar transportes públicos, ser atendido em hospitais públicos, fazer concursos públicos. Espera também poder cursar qualquer escola, andar em qualquer tipo de transporte, lutar para obter emprego e pela competência profissional. São questões simples como estas que precisamos realizar para melhorar o cotidiano dos deficientes.

O acesso à educação, por exemplo, é decisivo na construção da cidadania. E no entanto, o ato simples de ir à escola não é tão simples assim quando se trata de pessoas deficientes. Desde a dificuldade de se locomover, pela inexistência de transporte adaptado, até a dificuldade das escolas tratarem o deficiente de forma integrada, passando pelo embaraço do acesso físico à prédios cheios de barreiras arquitetônicas. Tudo isso afasta o deficiente da escola e acentua sua segregação.

Na área da Saúde, quanta dificuldade em obter qualquer atendimento? Quantas barreiras para uma adequada reabilitação? O mesmo pode-se dizer para o trabalho, para o esporte, para o lazer, para o transporte e a comunicação. Para ter uma vida "normal", o portador de deficiência tem que lutar muito e mesmo assim só poucos conseguem este objetivo.

O trabalho de conscientização é essencial para o resgate da cidadania dos portadores de deficiência. Está nas mãos de cada um de nós, governo e sociedade, construir essa possibilidade, abrir os caminhos que levem à sua integração. Por isso, segundo a CORDE, são os seguinte os princípios básicos essenciais para a integração do portador de deficiência:

1. Prevenir deficiências através da incorporação aos serviços de saúde de ações voltadas para a prevenção, bem como um eficiente atendimento pré, peri e pós-natal, um sistema de imunização apropriado, um serviço de socorro a acidentados adequado. Ressalte-se que essas atividades estarão sendo desenvolvidas por ações básicas de serviços de saúde adequadamente estruturados.

2. Abrir os serviços de saúde rotineiros para a atenção ao deficiente, além do atendimento adequado às suas necessidades de saúde específicas.

3. Possibilitar a prestação de atendimento à crianças deficientes nas creches, dando atenção adicional às suas especificidades, evitando a segregação dos serviços especiais. Começa-se, assim, desde cedo, a integrar quando for possível prevenir.

4. Viabilizar a matrícula e o atendimento educacional de deficientes nas escolas comuns, garantindo educação especial integrada, única opção para construir a base da cidadania do deficiente.

5. Apoiar a profissionalização do deficiente, em estabelecimentos comuns ou em instituições, abrindo caminho para a inserção profissional do deficiente.

6. Promover o emprego do deficiente em empresas públicas e privadas, derrubando preconceitos quanto à sua produtividade.

7. Providenciar a adaptação dos transportes coletivos, resultando na garantia para o deficiente do direito básico de ir e vir.

8. Remoção das barreiras arquitetônicas em locais públicos e construção de prédios acessíveis.

9. Formação de recursos humanos que possam atender aos diferentes graus e formas de necessidades especiais do deficiente.

10. Apoiar as entidades de deficientes em suas reivindicações, através de projetos integrados. 

Podemos afirmar também que:

* A família, a sociedade e o Estado têm deveres para com os portadores de deficiência, assegurando-lhes uma existência condigna;

* As pessoas portadoras de deficiência têm o dever de participar efetivamente da sociedade, contribuindo na consecução dos objetivos nacionais;

* As pessoas portadoras de deficiência tem o direito ao desenvolvimento de suas potencialidades para alcançarem a auto-realização sócio-econômica e cultural;

* A normalização, individualização, simplificação e interiorização constituem princípios básicos à concepção de Políticas Nacionais ou setoriais que visem integrar os portadores de deficiência

É hora de acreditar que para os portadores de deficiência a diversidade e a convivência, com respeito às diferenças, tomou o lugar da segregação, tornando possível encontrar meios para construir sua integração. Não é possível aceitarmos mais a discriminação e o isolamento que o preconceito impõe. Ou será que nossa sociedade e o Estado brasileiro continuarão a tratar o portador de deficiência como "não-cidadão"?

Existem hoje milhões de brasileiros buscando sua cidadania. Por isso, a democracia no Brasil estará concretizada no memento em que a questão social tiver espaço prioritário nos governos, sem a divisão cidadão e não-cidadão, cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda classe. Os milhões de brasileiros portadores de deficiência não querem misericórdia, mas respeito. Não querem caridade, mas justiça. Não clamam por privilégios, mas existem os direitos que lhes são negados.

A construção da ordem social democrática só é possível quando o valor da igualdade de oportunidades decorrer da aceitação de que todos têm direito de compartilhar da vida em sociedade, respeitadas as diferenças individuais.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1997 - Página 20814