Discurso no Senado Federal

TRAZENDO AO CONHECIMENTO DO PLENARIO A POSIÇÃO RECENTEMENTE ASSUMIDA PELO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS - IAB, EM PARECER APROVADO EM SESSÃO PLENARIA DE 30 DE JULHO PROXIMO PASSADO, ACERCA DA GRAVE QUESTÃO DO ENDIVIDAMENTO DAS UNIDADES FEDERATIVAS.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • TRAZENDO AO CONHECIMENTO DO PLENARIO A POSIÇÃO RECENTEMENTE ASSUMIDA PELO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS - IAB, EM PARECER APROVADO EM SESSÃO PLENARIA DE 30 DE JULHO PROXIMO PASSADO, ACERCA DA GRAVE QUESTÃO DO ENDIVIDAMENTO DAS UNIDADES FEDERATIVAS.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/1997 - Página 20983
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, PLENARIO, POSIÇÃO, INSTITUTO BRASILEIRO, ADVOGADO, BRASIL, REFERENCIA, IMPORTANCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DIVIDA, ESTADOS.
  • ANALISE, PARECER, AUTORIA, JULIO CESAR DO PRADO LEITE, ADVOGADO, NECESSIDADE, ACORDO, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, ORGANIZAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo trazer ao conhecimento deste Plenário a posição recentemente assumida pelo Instituto dos Advogados Brasileiros acerca da grave questão do endividamento das unidades federativas.

Em sessão plenária realizada em 30 de julho próximo passado, o Instituto aprovou o parecer do Dr. Júlio César do Prado Leite, exarado na Indicação nº 092/96, de autoria do Dr. Nildomar da Silveira Soares, ex-Presidente da OAB do Piauí e ex-Consultor Jurídico do Banco do Brasil, alertando para a gravidade da situação financeira dos Estados e apelando para que uma solução seja encontrada.

A indicação do ilustre causídico piauiense qualifica, com acerto, como altamente preocupante a situação vivida pelos Estados brasileiros, "envolvidos por uma nefasta insolvência, que beira o caos econômico-político-social". Aduz o advogado que o quadro tem origem em empréstimos contraídos pelas Unidades Federativas, visando ao cumprimento de suas obrigações constitucionais.

Traçando paralelo com a situação dos países endividados frente a seus credores internacionais, o documento afirma que a realidade dos Estados brasileiros é "muito mais desesperadora", e lembra que as dívidas acumuladas em sucessivas gestões governamentais eram administráveis, ao tempo da espiral inflacionária, mediante pequeno retardamento na liquidação dos débitos com fornecedores e servidores, e aplicação, por aquele prazo, dos recursos públicos no mercado financeiro, o qual, à época, pagava altíssimas remunerações.

Como se sabe, a implantação do Plano Real veio trazer rigoroso controle sobre a expansão da base monetária, severas medidas de restrição ao crédito e elevação exponencial das taxas de juros bancários. Essas medidas governamentais - aliadas às dificuldades inicialmente experimentadas pela economia nacional para adaptar-se ao processo de globalização, com relativo "esfriamento" da atividade produtiva - conduziram, de forma inexorável, à desorganização financeira dos Estados. Atualmente, a esmagadora maioria deles tem arrecadação insuficiente para prover sequer o mínimo necessário para o funcionamento de suas máquinas administrativas.

Esse desequilíbrio orçamentário vem redundando em constantes atrasos no pagamento das folhas salariais dos servidores estaduais, sendo motivo de especial preocupação, para o Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB, as manifestações de inconformidade que se fazem sentir em áreas críticas da Administração Pública, como as da saúde, segurança e até do Poder Judiciário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é interessante observar que a Indicação objeto do Parecer aprovado pelo IAB recentemente é datada de 30 de julho do ano passado. Hoje, considerando-se os violentos movimentos grevistas desencadeados pelos policiais militares de vários Estados há poucos meses, as previsões constantes daquele documento de que a situação poderia facilmente descambar para o caos soam absolutamente proféticas.

A Indicação lembra também os pesadíssimos encargos financeiros que incidem sobre as dívidas estaduais, inviabilizando sua liquidação, e condena a complacência do Banco Central para com esses encargos abusivos. Essa complacência é atribuída ao fato de que, em muitos dos contratos firmados pelos Estados, como por exemplo aqueles pactuados com a Caixa Econômica Federal, a União figura como garantidora e o Banco do Brasil como anuente, ficando este autorizado a entregar à garantidora as transferências constitucionalmente destinadas aos Estados.

Clamando por imediata solução para o caso, o documento alvitra a ajuda da União aos Estados, inspirando-se na experiência do Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro - Proer, criado para socorrer instituições financeiras - inclusive privadas - em estado de insolvência.

Por fim, o advogado piauiense aponta que o mínimo de sensibilidade política indicará a necessidade de se evitar o aniquilamento da autonomia dos Estados e do princípio federativo, o que redundaria em enfraquecimento da própria União e da ordem constitucional.

Já o parecer elaborado pelo Dr. Júlio César do Prado Leite, após historiar o conteúdo da Indicação, menciona o recente escândalo da emissão de títulos públicos pelos Estados, com o pretextado objetivo de saldar precatórios judiciais. Afirma o advogado que o leitmotiv para os atos irregulares praticados por aqueles administradores públicos foi a caótica situação dos Erários estaduais.

Apoiando o pleito de seu colega por uma imediata solução para o que qualifica como "situação vexatória das finanças estaduais", o Dr. Júlio afirma que ela só pode vir "de concertos de que participe diretamente a União", de tal modo que o saneamento financeiro dos Estados se opere por meio de uma "política global". Afinal, considerando que o desequilíbrio das finanças estaduais resultou das modificações na ordem econômica nacional determinadas pelo Governo Federal, a União não se pode eximir de garantir os meios para que as unidades federativas superem suas dificuldades.

Lembrando que as alterações da ordem econômica discricionariamente ditadas pela União foram aceitas sem reação por visarem ao enfrentamento do fenômeno inflacionário, que já se tornara insuportável, o Parecer objeta que, no entanto, o corolário de tais procedimentos foi a perda, pelos Estados, da sua autonomia, princípio expressamente consagrado no art. 18 da Constituição Federal.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - V. Exª aborda um assunto de grande importância, já que os Estados, de uma maneira geral, estão passando por graves dificuldades. Mesmo para os que procederam a ajustes nas suas despesas com pessoal, a situação não é folgada. Há graves limitações quanto à capacidade de investimento. E há dificuldades em honrar dívidas contraídas no passado para aplicação em obras e em infra-estrutura. Mas a União, de alguma maneira, está acudindo esses Estados. Votamos - e eu fui Relator - na Comissão Mista de Orçamento um crédito no valor de R$103 bilhões, que visa justamente ao parcelamento das dívidas dos Estados. Baixou-se significativamente as taxas de juros das dívidas contratuais e da dívida mobiliária dos Estados, excetuando-se o período objeto de investigação da CPI sobre os precatórios. Com isso, os Estados vão alongar a sua dívida em um horizonte de 30 anos, com juros bastante razoáveis. Há, portanto, um espaço para que os Estados possam reorganizar suas finanças, readquirir sua capacidade de investimento e fortalecer a Federação. Tem razão o autor do documento que V. Exª está lendo quando diz que as providências que a União adotou para controle da inflação impuseram obrigações adicionais aos Estados, porque os juros subiram muito. Se os juros subiram muito e todos os Estados tinham um estoque de dívida muito elevado, é evidente que essa dívida cresceu rapidamente. Mas a União não poderia ficar indiferente. Todos queremos um controle da inflação, a estabilização da moeda. Mas a União não poderia ficar indiferente às repercussões que essas medidas tiveram sobre a economia, sobre as finanças dos Estados. Então, esse pacote que foi aprovado pelo Congresso, agora condicionando o exame caso a caso pelo Senado com aqueles Estados que assinaram com a União o protocolo para adotarem determinadas medidas de saneamento financeiro dos Estados, vai permitir que cada um obtenha essa renegociação da dívida. A União vai assumir essas obrigações contratuais e mobiliárias, e os Estados irão ressarcindo a União ao longo desses 30 anos. Eu queria apenas, neste aparte, dizer a V. Exª que o Governo Federal esteve sensível ao problema dos Estados. Embora não tenha grande margem de manobra, por também estar com suas finanças em situação difícil, a União atendeu a essa situação dos Estados. E isso vai permitir uma maior folga na administração dos Governadores. E vai permitir, como eu disse, que os Estados recobrem sua capacidade de investir.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Lúcio Alcântara, na profissão de advogado, existe a OAB. O bacharel em Direito só poderá advogar se nela for inscrito.

O IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, ao qual me reporto nesta hora, é uma espécie de Casa dos Juristas daqueles que se preocupam em contribuir, colaborar com as instituições. E é o caso do Instituto. Vem desde o tempo em que Rui Barbosa dele foi Presidente - porque foi fundado ainda na época do Império - a preocupação de contribuir.

E veja que a contribuição é tão mais importante, que esse Parecer é de julho, está atualizado e nada mais representa do que uma colaboração oportuna. Ele foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E eu tomei a iniciativa de trazê-lo para cá, porque, firmado nessa argumentação, o Parecer aduz exatamente aquilo que V. Exª ainda agora dizia, quando falava no pacto.

O Parecer aduz ser indispensável a celebração de um acordo formal envolvendo as Unidades da Federação e o Poder Central, com a participação direta do Congresso Nacional, para que se encontrem novas bases para a organização do sistema financeiro do País. No bojo desse processo, dever-se-á, desde logo - e vejam as palavras, Senador Lúcio Alcântara -, "expungir dos débitos Estaduais o peso insuportável dos juros extorsivos que sobre ele se abateram". Com isso, o pagamento dos débitos tonar-se-á exeqüível, e, a partir daí, os Estados poderão reencontrar seu equilíbrio financeiro.

O documento aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros finaliza apelando pelo pleno cumprimento dos dispositivos constitucionais que regem a Tributação e o Orçamento (Título VI da Carta Magna), pelo revigoramento do princípio federativo e pela preservação do regime democrático.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o posicionamento assumido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros caracteriza-se, em primeiro lugar, como extremamente oportuno, ao dar relevância a esse tema tão grave, que tanto preocupa também aos integrantes desta Casa, que é a Casa dos Estados.

Com efeito, seria ilusório supor que a débâcle financeira dos Estados é um problema cujas repercussões se restringem à órbita da economia e das finanças. Muito mais está em jogo. Evidentemente, um Estado falido - cuja arrecadação é incapaz de atender minimamente às necessidades do funcionamento da máquina pública, que não consegue cumprir com suas obrigações mais fundamentais nas áreas da segurança, da saúde, da educação, da prestação jurisdicional - perde, na prática, sua autonomia, que é característica essencial sua enquanto Unidade Federativa.

Concluo, Sr. Presidente, e ao fazê-lo, nunca é demais lembrar que - juntamente com o sufrágio direto, secreto, universal e periódico, com a separação dos poderes e com os direitos e garantias individuais - a forma federativa do Estado está expressamente erigida à condição de cláusula pétrea da Constituição democrática de 1988. Lavar as mãos frente à situação de insolvência dos Estados implicaria permitir o aniquilamento de sua autonomia e, por via de conseqüência, atentar contra o princípio federativo.

Que seja escutado o brado de alerta do Instituto dos Advogados Brasileiros! Não permitamos a falência dos Estados!

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço-o com muito prazer, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Nobre Senador Bernardo Cabral, cumprimento V. Exª por trazer documento importante. A par das considerações que V. Exª faz tão bem da tribuna, complementadas com o aparte do Senador Lúcio Alcântara, que referiu-se às providências que o Governo Federal tomou para a rolagem da dívida mobiliária e das dívidas contratuais dos Estados, eu diria que, para contribuir, Senador Bernardo Cabral, deveríamos avançar com mais agilidade aqui, no Congresso Nacional, as reformas que estão em curso. Diz muito de perto a reforma administrativa à ajuda de que os Estados brasileiros necessitam. Eles estão nessa expectativa, aguardando a reforma administrativa. Ao lado dessa e de outras reformas que irão ao encontro desse pacto para que o princípio federativo seja preservado, tínhamos de encontrar uma fórmula para evitar a ferrenha guerra fiscal que existe entre os Estados brasileiros. Nessa guerra, às vezes pressionados pela comunidade, governantes assumem compromissos e, para cumpri-los, comprometem muitas vezes outros programas que os Estados possuem. Essa guerra fiscal existente entre os Estados é muito grande; tenta-se, por meio de isenções, garantir a instalação dessa ou daquela indústria. Há que se manter a autonomia dos Estados, mas há também que se colocar algum mediador ou moderador nessa guerra fiscal; senão, alguns Estados terão suas receitas comprometidas, e o princípio federativo será exposto a perigo. Ao lado das considerações que o Governo Federal vem fazendo para que, nessa rolagem dos 30 anos, esses juros altos que existem hoje tenham prazos maiores; ao lado dessa preocupação do instituto, com a realização de algumas reformas, como a administrativa, e a instituição de um moderador para a guerra fiscal entre os Estados, estaríamos indo ao encontro justamente daquilo que prega esse documento que V. Exª acaba de relatar da tribuna desta Casa.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - V. Exª tem razão, Senador Casildo Maldaner. Devo dizer que a guerra fiscal entre os Estados é assunto para um pronunciamento exclusivo. Nem V. Exª, no curso de um aparte, nem eu, ao fim do meu tempo, podemos abordar aquilo que vem enfraquecendo cada vez mais. E o curioso é que essa guerra fiscal atinge não o governante de agora, mas os seus sucessores, que acabam recebendo uma massa falida e se transformam em meros síndicos, e não em Governadores de Estado.

Trata-se de um assunto sobre o qual todos nós devemos debruçar-nos. O eminente Senador João Rocha é um especialista na matéria. Precisamos dar um basta a essa guerra fiscal que existe entre os Estados. O meu, por exemplo, é uma das vítimas, quando alguns Estados começam a oferecer vantagens que o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste não têm condições de dar. Desse modo, Senador Casildo Maldaner, peço a V. Exª que me permita incluir seu aparte no texto da minha manifestação.

Agradeço ao eminente Senador Epitacio Cafeteira, que preside esta sessão, a atenção e o apoio que tem dado a essa manifestação no sentido de não se permitir a quebra da Federação em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/1997 - Página 20983