Discurso no Senado Federal

ALERTA DA COMUNIDADE CIENTIFICA MUNDIAL SOBRE OS EFEITOS TRAGICOS DO FENOMENO CLIMATICO 'EL NIÑO'. INEXISTENCIA DE UMA POLITICA PREVENTIVA ELABORADA PELO GOVERNO, VISANDO MINIMIZAR AS POSSIVEIS CATASTROFES NATURAIS DO 'EL NIÑO'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • ALERTA DA COMUNIDADE CIENTIFICA MUNDIAL SOBRE OS EFEITOS TRAGICOS DO FENOMENO CLIMATICO 'EL NIÑO'. INEXISTENCIA DE UMA POLITICA PREVENTIVA ELABORADA PELO GOVERNO, VISANDO MINIMIZAR AS POSSIVEIS CATASTROFES NATURAIS DO 'EL NIÑO'.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1997 - Página 21131
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • NECESSIDADE, ADOÇÃO, GOVERNO, PLANO, EMERGENCIA, AMBITO, DEFESA CIVIL, PREVENÇÃO, EFEITO, ALTERAÇÃO, CLIMA, MUNDO, ORIENTAÇÃO, SAFRA, AGRICULTURA, ATENÇÃO, INUNDAÇÃO, MELHORIA, PROGRAMA, RECURSOS HIDRICOS, REALIZAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORÇO, ESTRUTURAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL.
  • COMENTARIO, INICIATIVA, COMISSÃO ESPECIAL, SENADO, PROPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, NORMAS, FACILITAÇÃO, EXECUÇÃO, TRABALHO, DEFESA CIVIL, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRATAMENTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, já tive oportunidade de abordar este tema há alguns meses. Hoje retomo o assunto.

É enorme e terrível a soma de sofrimento, de perdas materiais e de vidas humanas causada pelo impacto de eventos climáticos adversos.

No Brasil, felizmente, não há tornados, terremotos ou maremotos. Todavia, conhecemos bem as tragédias causadas por inundações, secas prolongadas, chuvas excessivas. Nossas cidades, principalmente as da Serra do Mar, conhecem a destruição e a morte provocadas por enchentes que causam deslizamentos de encostas, destruição de habitações, estradas e vitimam principalmente as populações mais carentes.

A ciência da previsão do tempo muito avançou, mas sua eficácia ainda se concentra no curto prazo. O tempo, o clima e seus desdobramentos permanecem como uma verdadeira Caixa de Pandora. Para prevenir, a longo prazo, a meteorologia só pode alertar para possibilidades, o que já é muito e já é útil. O resto tem que ser feito pelas comunidades afetadas e pelos Governos: prontidão, mobilização de recursos, planos de emergência.

Enfrentamos agora uma situação desse tipo. A comunidade científica mundial nos alerta que este ano está de volta o El Niño com força total e comprovada repercussão no clima mundial, afetando sobremaneira o nosso País.

El Niño, nome espanhol que significa "O Menino", foi a designação dada pelos pescadores peruanos a um fenômeno que eles conhecem de há muito e que sempre ocorre perto do Natal: as águas do mar se aquecem sensivelmente, de alguns graus acima do normal, a pesca é fraca, os peixes somem.

Explicações demasiadamente técnicas dificultam o entendimento desse fenômeno. Numa linguagem simplificada, ao alcance de todos nós, seria o seguinte: o El Niño tem origem numa faixa enorme dentro do Oceano Pacífico, entre a América do Sul e a Austrália. Normalmente as águas quentes desse oceano são movidas pelos ventos em direção à Austrália, o que possibilita que as águas geladas do fundo do mar subam, trazendo novos cardumes, ricos materiais orgânicos e elementos químicos. Quando esses ventos enfraquecem, essa enorme massa de água quente fica estacionária, represada e as águas geladas que deveriam subir ficam no fundo do mar. Esse é o fenômeno El Niño.

Formam-se, então, extraordinariamente, zonas de baixa e de alta pressão, gerando secas e tempestades incomuns. Os graus a mais de calor dessas águas influenciam as correntes de ar em escala global. Essas, por sua vez, modificam a normalidade do clima no Planeta, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais.

Nos anos de El Niño, tendem a ocorrer menos chuvas sobre o noroeste da Índia, Indonésia, norte da Austrália, sudeste da África e norte e nordeste da América do Sul, incluído aí o nordeste brasileiro. E ocorre excesso de precipitação pluviométrica no Pacífico equatorial, norte do México e do Golfo do México, e sul do Brasil, Uruguai e nordeste da Argentina. Além disso, as temperaturas tendem a se elevar acima de suas médias no sudeste brasileiro, norte da América do Sul, oeste do Canadá e sudeste da África, entre outros.

Tem, verdadeiramente, alcance mundial. Mas a preocupação, a tragédia, os pesados prejuízos materiais são sentidos em cada região atingida, são sofridos por cada comunidade, cada família, cada indivíduo atingido. Se o alerta cabe aos cientistas, as providências cabem aos Governos, nas três esferas: União, Estados e Municípios.

O Governo Federal criou uma comissão para avaliar o problema, pois podem ser afetadas safras, transporte de produtos, preços de alimentos, além de colocar em grande risco a vida de milhares de pessoas. Mas o Governo ainda não produziu um plano de emergência que tranqüilize os cidadãos e que ajude, articule e mobilize Estados e Municípios. Até mesmo o Banco Mundial já reservou, em vista das primeiras notícias sobre a incidência do El Niño este ano, US$100 milhões de ajuda a países que forem atingidos por extremos desequilíbrios climáticos associados ao fenômeno.

A nossa preocupação com o problema está justificada em amargas experiências de um passado ainda próximo. Principalmente o El Niño de 1983, que já era estudado pelos cientistas, mas ainda não suficientemente temido em escala global, deixou um rastro de destruição em várias partes do Planeta. No Brasil, houve sofrimento, prejuízos e centenas de mortes. Houve a pior seca jamais registrada no Nordeste e terríveis enchentes no Sul, principalmente no Vale do Itajaí-Açu, onde a cidade de Blumenau ficou semi-submersa. Os danos materiais alcançaram, no Brasil, U$1 bilhão e, no mundo, U$8 bilhões.

Este ano, o alerta do El Niño foi dado primeiramente pelos nossos cientistas brasileiros: o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC, sediado em São Paulo, criado a partir dos gravíssimos desastres climáticos de 1983, que emitiu um boletim com um alerta no dia 9 de junho passado. Logo a seguir, os cientistas norte-americanos confirmaram a descoberta.

O El Niño chegou cedo e chegou forte. Está sendo considerado, possivelmente, o evento climático do século, porque as temperaturas medidas no Pacífico são as mais altas já registradas. E ainda que o fenômeno tenha o seu ponto máximo em dezembro, alterações climáticas já estão-se fazendo sentir. O Brasil teve um inverno excepcionalmente quente e seco. O Rio de Janeiro registrou a temperatura mais alta do ano: 42 graus, em pleno fim do inverno.

Registra-se este ano, um resfriamento do Oceano Atlântico na costa do Nordeste, outro sinal de seca iminente naquela região. Em nível internacional, a Indonésia e a Malásia estão sofrendo, nos dias que correm, gigantescos incêndios florestais, ensejados por secas prolongadas. Dizem que este fenômeno tem acontecido aqui no Distrito Federal.

Impactos climáticos não podem ser antecipados com precisão. Mas o Governo Federal deveria estar mais mobilizado, já com uma política preventiva para minimizar possíveis catástrofes naturais, com reflexos, inclusive, na nossa macroeconomia: os preços dos alimentos poderão eventualmente subir muito, como ocorreu em 1983. Considerando o déficit da balança comercial, a produção de produtos exportáveis, que ajuda a equilibrar as contas macroeconômicas, pode sofrer uma redução. É preciso uma atenção especial e urgente para evitar o aumento desse déficit, cujos números, desde já, são preocupantes.

Também os Estados e Municípios mais vulneráveis a esses acidentes climáticos deveriam estar mobilizados. Um exemplo é o Ceará: em 1987, o fenômeno El Niño trouxe seca e enorme perda de safra ao Estado; não houve alerta nem prevenção. Já em 1991-1992, nova seca - desta vez com alerta prévio de vários meses - causou muito menos prejuízo, pois os agricultores puderam mudar a época do plantio.

Os impactos agrícolas, urbanos e ambientais são enormes. Outro Estado que já sofreu muito com enchentes e chuvas torrenciais é Santa Catarina. O alerta deste ano com relação ao El Niño está levando as autoridades estaduais e municipais a adotarem medidas de prevenção: formam-se comissões municipais de Defesa Civil; surgem associações de Municípios para enfrentar possíveis adversidades; programam-se atividades de desobstrução de vias de drenagem, como valas e riachos; fazem-se levantamentos sobre barcos disponíveis nos Municípios sujeitos à inundação.

O Rio de Janeiro também está organizando algumas ações semelhantes às desenvolvidas em Santa Catarina. Sabemos das dificuldades que o Rio de Janeiro sempre enfrenta quando ocorrem fenômenos dessa natureza. Temos acompanhado as mortes, os deslizamentos; tanto a cidade quanto o Estado estão despreparados para tais acontecimentos. Os produtores de alimentos do Rio Grande do Sul e do Paraná estão sendo orientados por suas cooperativas para mudarem o período de plantio de suas culturas. Todavia é enorme a disparidade das ações em termos de qualidade e intensidade. São ações fragmentadas, desarticuladas de um conjunto de diretrizes que deveriam formar um plano nacional.

Por isso, foi constituída uma comissão parlamentar do Senado para avaliar o El Niño e apontar medidas preventivas. Formada por iniciativa do Senador Esperidião Amin, a comissão, da qual tive a honra de participar como membro titular, concluiu seu relatório na semana passada. Em virtude disso, aqui estou nesta tribuna.

Em que pese o assunto não se ter esgotado devido à sua abrangência, foi apontada a necessidade de ações dos governos e da sociedade civil, em nível institucional, preventivo e permanente, tais como: dotar financeira e adequadamente os órgãos de previsões climáticas, reconhecendo a importância de seu papel; fortalecer as estruturas estaduais e municipais; realizar reassentamentos urbanos e rurais; fazer a reforma agrária; incrementar os sistemas de irrigação; orientar as safras agrícolas, com alerta para cheias e secas; incrementar os programas de recursos hídricos; desmilitarizar o Corpo de Bombeiros; e definir a ação e os recursos para a Defesa Civil.

Nesse particular, reconhecemos existirem lacunas nas leis de apoio à Defesa Civil. Assim, a comissão tomou a iniciativa de propor normas legais que aperfeiçoem a atual legislação, dotando-a de instrumentos efetivos de execução. Foi elaborado, então, um projeto de lei que "estabelece as Diretrizes Nacionais de Defesa Civil" e outro que "altera lei e decreto que tratam dos crimes de responsabilidade", a partir da omissão e da má gestão administrativas. O Senado Federal cumpre, assim, o seu papel.

Estão colocadas diante de nós previsões gravíssimas em termos de possíveis tragédias climáticas. Estão também colocadas as soluções para minimizá-las e enfrentá-las. Devem estar melhor preparados os Municípios; devem estar melhor preparados os Estados; deve ser mais atuante o Governo Federal. Não querendo conferir ao El Niño um perfil apocalíptico, a realidade é que pode estar aproximando-se uma provação e uma prova. Devemos enfrentá-las, vivê-las e superá-las.

Sr. Presidente, o assunto é difícil; como disse, sempre foi tratado tecnicamente. Quem não tem o domínio da técnica, dificilmente pode entender esse contexto. No entanto, recebemos, na comissão, uma explicação muito interessante, com apresentação de vídeos e de transparências. E saímos da reunião com a sensação de que não teríamos condição de informar a população desses fenômenos, tal o nível técnico das informações apresentadas. Tivemos acesso a documentos, participamos de debates. Apesar da linguagem técnica, pudemos aprimorar nosso conhecimento em relação à matéria.

Como assistente social, tenho assistido ao resultado desses fenômenos no que diz respeito às áreas agrícolas. Já tive oportunidade de falar sobre as mortes, os deslizamentos, as populações que perdem as suas casas. Essas tragédias ocorrem, porque não compreendemos esses fenômenos e não mantemos as nossas cidades preparadas para eles. Os nossos cientistas e técnicos nos têm passado informações que devem ser divulgadas pelo Governo Federal e pelos governos municipais e estaduais, para que cada Município tenha condições de se precaver.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1997 - Página 21131