Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DOCUMENTO ELABORADO PELO GOVERNO AMERICANO A EMPRESARIOS DAQUELE PAIS, EM QUE FAZ REFERENCIAS A CORRUPÇÃO NO BRASIL.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. JUDICIARIO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DOCUMENTO ELABORADO PELO GOVERNO AMERICANO A EMPRESARIOS DAQUELE PAIS, EM QUE FAZ REFERENCIAS A CORRUPÇÃO NO BRASIL.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/1997 - Página 21677
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. JUDICIARIO.
Indexação
  • REPUDIO, DOCUMENTO, ELABORAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESTINAÇÃO, EMPRESARIO, ACUSAÇÃO, EXISTENCIA, BRASIL, ENDEMIA, CORRUPÇÃO.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, BRASIL, INEFICACIA, JUDICIARIO, PUNIÇÃO, EMPRESARIO, POLITICO, RESULTADO, COMPROVAÇÃO, CORRUPÇÃO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, está causando celeuma e despertando reações emocionais um documento elaborado pelo governo americano e dirigido aos empresários americanos, que contém várias considerações que chamaria desprimorosas para o nosso País.

Creio que o governo americano, como tradicionalmente o faz em matéria diplomática, comete uma indelicadeza, uma impropriedade, ao tornar público um documento com críticas a um país amigo.

Penso que deve ser colocado perante o governo americano que não nos agrada essa crítica ao nosso País, que nos daria o direito de, por intermédio do Governo brasileiro, fazer o mesmo em relação aos Estados Unidos.

Entretanto, Sr. Presidente, é lamentável que as críticas sejam verdadeiras. Não há como tapar o sol com a peneira. Dizer que a corrupção aqui é endêmica? É. Mas talvez o seja em todos os países, porque a corrupção é universal. Creio que o documento deveria ter dito é que a impunidade aqui é realmente escandalosa.

As pessoas inconformadas com o documento do governo americano mencionam que o Presidente dos Estados Unidos está envolvido em acusações muito graves, como o escândalo do loteamento de Whitewater, problemas de assédio sexual e de financiamento de campanha. É verdade, Sr. Presidente que, se o Presidente Bill Clinton terá ou não cometido esses atos, não se sabe, mas está sendo investigado. E, caso fique comprovado, vai ser condenado, sim. Podem estar certos de que, se a pena for de detenção ou de reclusão, ele vai cumpri-la. Essa é a diferença em relação ao Brasil.

Os Senhores dirão: "Mas o Brasil destituiu um Presidente por corrupção". Destituiu. Por quê? Sob intensa pressão da opinião pública e mobilização popular. Não fossem os caras-pintadas nas ruas, o Presidente Fernando Collor teria terminado o seu mandato. A diferença é que nos Estados Unidos não se precisa do povo nas ruas; os criminosos são investigados e condenados. Milionários, grandes empresários e políticos são investigados, processados e presos. No Brasil, não. O Presidente foi destituído porque o povo foi às ruas. E o que lhe aconteceu até hoje? Absolutamente nada. Qual é o banqueiro que está preso ou pelo menos condenado no Brasil? Qual é o político condenado no Brasil por compra de votos ou por corrupção em campanhas eleitorais? Qual é? Absolutamente nenhum. No documento, o governo americano disse que o Judiciário é ineficiente. Estão ofendidos com isso. Por quê? O Judiciário brasileiro é eficiente?

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Já lhe concedo, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Paulo Maluf acaba de ser condenado pelo STJ pela irresponsabilidade da Paulipetro. Muito bem! Mas isso aconteceu dezessete anos depois, Senador Geraldo Melo, pois a ação popular é de 1980. A Paulipetro foi de 1980. E ainda cabe recurso. O Judiciário é eficiente? Isso é ofensa à magistratura brasileira? Não. A maioria dos juízes brasileiros é realmente gente de boa qualidade moral e intelectual. Mas o Judiciário é eficiente? Não é. É absolutamente ineficiente.

Com prazer, ouço o aparte do nobre Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Jefferson Péres, compreendo a lógica do seu posicionamento. Tenho, como sabe V. Exª, um enorme respeito inclusive intelectual e moral...

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - É recíproco.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) -...por V. Exª. No entanto, registro a minha discordância.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - É uma honra, Senador.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Em primeiro lugar, V. Exª pergunta por que isso nos ofende. Ofende muito, porque isso é problema nosso.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM ) - Concordo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Não é problema nem mesmo do Presidente dos Estados Unidos e muito menos dos seus assessores.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Concordo inteiramente.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - A obra de transformação do Brasil em que estamos todos empenhados é o desafio de uma geração de homens públicos que conta com figuras eminentes, inatacáveis, cujo comportamento é uma referência para o povo brasileiro, e, entre essas pessoas, incluo V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Muito obrigado.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Acho que V. Exª é um dos que se aplicaram à tarefa de oferecer ao País a oportunidade de se construir com nova roupagem, ou melhor, de valorizar mais padrões que já pertencem à nossa cultura. O que não conseguiremos erradicar da nossa cultura, da nossa maneira de ser, do nosso perfil, é uma coisa que povo algum conseguiu, ou seja, a nossa condição de sociedade formada por seres humanos, com as suas virtudes e com os seus defeitos. Precisamos dar maior eficiência às nossas instituições, estamos dedicados a essa tarefa. Não será por causa de um documento oferecido ao Presidente dos Estados Unidos, como orientação, que vamos melhorar o Brasil. Tenho receio de que o Presidente Clinton chegue aqui com medo de trazer a sua carteira porque acredite correr o risco de, em alguma recepção oficial, ela ser batida por algum Senador, algum Ministro ou alguma autoridade. De fato, considero ser esse um desastroso início do que deveria ser uma operação diplomática de reconstrução da relação institucional e da relação internacional dos Estados Unidos com a sua própria casa, o seu continente, o continente onde está inserido. Esse país, que gosta de ser referido apenas como América e não como Estados Unidos da América, é um país que se esqueceu da América. Na realidade, o presidente dos Estados Unidos faz muito bem em tentar dar algum calor a uma relação que, a cada dia, necessita de mais revisão e mais atenção nossa. Primeiro, eles não têm autoridade para nos criticar no plano moral - e V. Exª mesmo acaba de citar alguns exemplos de acusações que pesam contra o próprio Presidente, às quais esperamos que tenha oportunidade de mostrar que está imune. São um país que teve a experiência de ver um presidente afastar-se do poder, como o Presidente Richard Nixon, em virtude de uma imensa pressão da opinião pública. São um país que procura nos ensinar a respeito de relação com o meio ambiente e com a cultura indígena, mas que, pela sua própria história, não tem o que ensinar a alguém nessa área. Quando nos cobram tanto esforço na proteção de nossas florestas, às vezes tenho muito medo de que preservemos uma árvore e ela não sobreviva, porque os que nos exigem isso estão acabando com o ozônio e o oxigênio de que ela necessitará para continuar viva. Simplesmente gostaria de dizer que não tenho pela minha sociedade, pela sociedade onde vivo, o desapreço que muitos têm. Pelo contrário, acho que está na hora de nos tornarmos um pouco mais vaidosos do nosso País, do nosso povo e do que estamos fazendo. Desculpe-me por me estar alongando demasiadamente, mas estamos precisando - e acho que isso faz parte dos instrumentos que vão nos ajudar a realizar esse desafio - incorporar ao nosso trabalho o entusiasmo, a crença, a esperança, a confiança do povo brasileiro, que não a terá dessa forma. Encerrarei com uma historinha que alguém me contou recentemente e que mostra claramente os sinais do nosso desapreço exagerado pelo nosso País e por nós mesmos: há pouco tempo, anunciou-se que as autoridades que lideram o processo educacional na Inglaterra resolveram determinar a inclusão, no currículo escolar daquele país, de um estudo sobre a geografia, a economia e a realidade da América Latina. A América Latina vai ser estudada nas escolas inglesas. Diante disso, um jornal do Brasil registrou essa notícia, em coluna de um jornalista importante, anunciando que os ingleses agora vão estudar a América Latina. Em seguida, disse: "Breve, teremos ingleses que conhecerão o Brasil melhor do que nós". No entanto, seria natural que ele dissesse que não era de se esperar que os ingleses fossem tão atrasados a ponto de somente agora estudarem o Brasil. Mas o fato de que agora vão fazê-lo imediatamente leva-nos a supor que saberão sobre o Brasil muito mais do que nós, que estudamos a Inglaterra, a Ásia, o mundo inteiro, desde o curso primário. O nosso desapreço pelo nosso País nos leva, de certa forma, a comemorar. Já ouvi - não estou me referindo ao discurso de V. Exª - comentários não oficiais, pelos corredores, que de certa forma são uma comemoração desse relatório. Aproveito a oportunidade para repudiar, indignado, o fato de não ter ouvido as autoridades americanas dizerem que aquilo era opinião de meia dúzia de "puxa-sacos", e não a realidade de um país que luta para realizar a grande obra que o povo brasileiro está realizando neste momento.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Agradeço-lhe o aparte, mas algumas de suas afirmativas podem dar a impressão de que se referem ao que eu não disse, nem pensei.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Foi alguma impropriedade minha.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - No início do meu discurso, eu disse que o documento americano é impróprio e que deve ser repelido pelo nosso Governo; que é mais uma das trapalhadas tradicionais da diplomacia americana, que nunca brilhou pela habilidade e pelo tato, mas nem por isso as afirmações deixam de ser verdadeiras, Senador Geraldo Melo.

Não se trata do Brasil, tampouco do povo brasileiro. Tenho imenso orgulho de ser brasileiro e quanto mais viajo - e já viajei muito - mais vejo quantas virtudes tem este povo, que muitos outros não têm. Não que sejamos melhores; temos defeitos também; porém, temos uma cordialidade, uma alegria, um espírito lúdico que muitos povos não têm.

Entretanto, não me orgulho muito das instituições brasileiras, Senador Geraldo Melo, quando não vejo uma pessoa importante deste País ser punida. Nunca vi um homem de gravata, no Amazonas, ficar na penitenciária por mais de 24 horas. Não existe precedente na história do Amazonas, creio, a não ser por exceção.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - O PC Farias ficou.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Que instituições são essas? Essas instituições são falhas? Extremamente falhas? São.

Quando vejo que na Câmara dos Deputados nada acontece aos Deputados envolvidos em escândalos - que não perdem os seus mandatos, não são cassados, não lhes acontece nada - como posso me orgulhar de uma instituição dessas? Não posso.

O fato é que devemos demonstrar nosso repúdio, do Governo brasileiro ao norte-americano, e, mais do que isso, creio que vamos dar uma demonstração de soberania, mesmo, Senador Geraldo Melo, se resistirmos firmemente às pressões que virão com o Presidente Clinton, como para apressar a ALCA e para a venda de armamentos, material bélico, do qual não precisamos e devemos repelir. Devemos pressionar o governo americano para que faça a quebra das barreiras, principalmente as não tarifárias, que prejudicam o nosso comércio com aquele país, e exigir isso de forma altiva; enfim, conversar de igual para igual, em termos soberanos, sem complexo de inferioridade, sem complexo de nação colonizada.

É preciso ver que sofremos de um tremendo complexo de inferioridade: com qualquer crítica que nos venha dos Estados Unidos ou da Europa nos sentimos altamente feridos. Eles nos criticam e nós os criticamos, é natural. Eles defendem seus interesses e nós defendemos os nossos. Vamos deixar de ser passionais! Vamos ter maturidade! Isso é o de que precisamos, Sr. Presidente.

Creio que o desastrado documento do governo americano deve dar motivo para uma reflexão por parte de todos nós sobre a extrema fragilidade das nossas instituições e a necessidade de aperfeiçoá-las.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/1997 - Página 21677