Discurso no Senado Federal

VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL. PREOCUPAÇÃO COM O CRESCIMENTO DA DIVIDA PUBLICA.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. DIVIDA PUBLICA.:
  • VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL. PREOCUPAÇÃO COM O CRESCIMENTO DA DIVIDA PUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1997 - Página 21552
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA OFICIAL, JOÃO PAULO II, PAPA, BRASIL, VALORIZAÇÃO, FAMILIA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.
  • PRECARIEDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL, COMPARAÇÃO, EXCESSO, RECURSOS, DESPESA, JUROS, DIVIDA PUBLICA.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerrou-se, no último domingo, a terceira visita do Papa ao Brasil. Como das vezes anteriores, foi um acontecimento também revestido de absoluto sucesso, devido ao estímulo à reflexão sobre os valores perenes da civilização cristã e ao sopro de esperança e de valorização que trouxe às famílias, de um modo geral, e a cada pessoa, no seu íntimo, em particular. Mais uma vez, abordaram-se como prioritários os temas sociais relativos à distribuição de renda, às minorias e aos excluídos, além do respeito à dignidade do ser humano.

Em sua octogésima viagem em missão de visita às nações do mundo, foi o primeiro pontífice a visitar o Brasil. Neste País, pôde demonstrar que seu prestígio ultrapassa os limites protocolares de chefe de Estado e autoridade máxima da igreja católica, cativando todos com seu carisma, sua personalidade exuberante, sua experiência de vida, seu extraordinário empenho em abrir as portas do mundo ao diálogo cristão, sua luta pessoal e incansável em prol da justiça social, da valorização do homem e da vida espiritual. Por isso, foi acolhido com grande afeição e hospitalidade no coração dos cariocas e na alma do povo brasileiro.

Depois de 17 anos de sua primeira visita ao Brasil, quando iniciava, pioneiramente, nas atividades do Vaticano, as viagens internacionais, irradiando sua feição teológica com uma resistência de atleta, comovendo o mundo com aquele seu gesto de humildade e grandeza de beijar o chão do país visitado, vimos, dessa vez, para os que têm fé e não perdem a esperança, a figura do Papa João Paulo II marcada pela fadiga do tempo, pelas enfermidades que tem sofrido e pelas cicatrizes de sua luta em conquistar para a consciência cristã o coração das pessoas e dos governantes.

Mesmo assim, em momento algum perdeu o seu carisma, o senso de humor, nem se afastou de suas preocupações com os problemas que angustiam o espírito humano e continuam a espalhar de forma perversa, o sofrimento, a discórdia, a miséria e a degradação da pessoa e da família, instituição que é a célula basilar da sociedade e abrigo natural das crianças, que representam o futuro da humanidade.

Sobre a agenda do II Encontro Mundial com as Famílias, não ficou nenhum indício de que a passagem do Sumo Pontífice entre nós tenha sido contra alguma causa, fenômeno social, ou questão religiosa em nosso País, ou entre as nações representadas nesse importante encontro internacional, mas sim com o sentimento e a expressão da mensagem que nos chega do Evangelho de que, como o próprio Cristo, ele, o Papa, abomina o pecado mas ama o pecador.

Daí sua peregrinação pelo mundo, manifestando aos povos e às nações a sabedoria milenar do Cristianismo. Ficou demonstrado, pela extraordinária religiosidade da população brasileira que se reuniu para ver e ouvir Sua Santidade, que a Igreja continua sendo uma referência ética, moral e religiosa, que resiste ao modernismo apressado, especialmente aquele ditado por conveniências do consumismo de mercado, em detrimento da preservação de valores transcendentais e perenes do espírito humano.

Nos 17 anos decorridos entre a primeira e esta visita do Papa ao Brasil, o nosso País mudou. Sob alguns aspectos evoluiu; sob outros, estacionou.

João Paulo II encontrou um Brasil com 40 milhões de habitantes a mais do que em 1980 e com uma imensa dívida social que a duras penas tentamos resgatar.

Apesar dos esforços deste Governo e de outros que o precederam, ainda continuamos com sérios problemas sociais, relacionados com a educação, a saúde, o desemprego, a violência rural e urbana, a exclusão social, a miséria e a concentração de renda, que, quando não causam, potencializam os efeitos perversos das injustiças sociais, atualmente ainda mais difíceis de serem solucionados devido à limitação dos investimentos públicos, que, em 1998, incluindo as empresas estatais, não chegarão a 3% do PIB, ou seja, R$24,9 bilhões. Enquanto isto, as despesas com os juros de nosso endividamento serão de R$37,2 bilhões, superior em 46% ao previsto em 1997, praticamente o dobro do que se gastará em saúde e mais do que o dobro do que está previsto para educação.

Em 1998, gastar-se-á com o pagamento de juros um valor maior do que todas as despesas federais somadas com saúde e educação, a cargo dos ministérios respectivos.

A dívida pública, que em dezembro de 1996 alcançou R$ 231 bilhões, chegará, em dezembro de 1997, a R$356 bilhões; em dezembro de 1998, segundo previsões contidas no parecer preliminar ao Orçamento de 1998, poderá alcançar R$378 bilhões, ou seja, 40,5% do PIB, quando o valor da proposta orçamentária para 1998 é de R$437,9 bilhões, isto é, 46,9% desse mesmo PIB.

Essa constatação, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é motivo de grandes preocupações, porque a dívida tem crescido em percentuais muito acima do crescimento do Produto Interno Bruto, passando, a cada ano, a engolir uma parcela cada vez maior do Orçamento da União, comprometendo, assim, os investimentos e os gastos na área social, representadas pelas funções educação, cultura, habitação, urbanismo, saneamento, trabalho e assistência social, previdência e saúde. Esta última, a despeito da prorrogação da CPMF, terá uma redução de 8% com relação à proposta de 1997, quando precisaria de acréscimos substanciais.

Do início do Plano Real até 1998, a dívida pública federal interna deverá crescer 287%. Enquanto isso, salvo os beneficiários da cesta básica, a população assalariada está com o poder aquisitivo reduzido a 40% relativamente àquela época, considerando uma inflação acumulada até agora de cerca de 60%.

Contribuindo, forçosamente, para a estabilidade da moeda, os servidores públicos, por exemplo, estão há três anos sem correção em seus vencimentos, e não há previsão para que isso aconteça no próximo ano.

O custo social de nosso modelo econômico, em que um dos ingredientes é a política de juros altos, estimulada pela agiotagem nacional e internacional, e pelas conveniências de mercado, reflete-se nesse abismo de desigualdades que se agiganta entre o topo e a base da pirâmide social, bem como entre as diversas regiões do País.

E como já disse em pronunciamentos anteriores, aí está a favelização das periferias urbanas, a indigência infantil nas ruas de nossas cidades, o confinamento das pessoas nas grades de suas residências, a violência, o esmagamento da classe média, a injusta distribuição da carga tributária e esta imensa dívida social que se reflete nas carências dos setores de educação, saúde, saneamento e moradia.

Por esses e outros motivos de ordem ideológica, estamos diante da falência e do esfacelamento das famílias, como unidades econômicas que são, produzindo socialmente os efeitos perversos que, a exemplo do que tem ocorrido em outros países, motivaram a inspiração desse encontro mundial do Papa com a comunidade familiar.

E o Papa, que ainda menino viveu os horrores da II Grande Guerra, onde perdeu o pai, então combatente, junto com parte da população do seu país, a Polônia, durante a ocupação nazista, é uma pessoa de admirável cultura, à qual se soma a vivência da Igreja através dos séculos, conhecedor, também, por experiência de visitação in loco das grandezas e misérias das diversas sociedades do mundo, dos Governos e dos sistemas políticos e econômicos. É, por esta razão, extremamente preocupado e sensível à realidade das diversas populações.

Embasado na autoridade espiritual de que é investido, tem alertado, reiteradamente, o mundo dos eventuais desvios de orientação que possam gerar ou continuar gerando efeitos perversos no bem-estar das pessoas, especialmente das famílias, como núcleo basilar da sociedade, e que atentem contra a felicidade do ser humano e o respeito à sua dignidade, como criação divina, porque a alegria e o direito à sobrevivência digna não devem ser privilégio dos ricos e poderosos, ou até de classes sociais.

João Paulo II deixou à Nação brasileira esse exemplo de humildade e sabedoria, um verdadeiro marco de reflexão para toda a sociedade, sejam governantes, políticos ou cidadãos comuns, pois de nada valerá uma economia forte e saudável, enquanto persistirem a fome, o desemprego, a doença, e o clamor que vêm das ruas e do campo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1997 - Página 21552