Discurso no Senado Federal

SOLICITANDO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO QUE REVEJA O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO E TECNOLOGICO BRASILEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • SOLICITANDO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO QUE REVEJA O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO E TECNOLOGICO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1997 - Página 21575
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DEFESA, INVESTIMENTO, GOVERNO, INFRAESTRUTURA, ENSINO SUPERIOR, CONDICIONAMENTO, UNIVERSIDADE, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, PESQUISA.
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REVISÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, BRASIL, MELHORIA, QUALIFICAÇÃO, FORMAÇÃO, PESSOAL, UNIVERSIDADE, ACADEMICO, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, ESTADOS.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA, GOVERNO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, APOIO, EXECUÇÃO, PROJETO, RESULTADO, CONCESSÃO, BOLSA DE ESTUDO, OBTENÇÃO, VERBA, INICIATIVA PRIVADA.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com atraso de alguns séculos em relação aos países mais desenvolvidos, o Brasil, finalmente, acordou para o axioma elementar do processo de desenvolvimento de qualquer nação: SÓ HÁ UMA GRANDE NAÇÃO, ONDE HÁ UM GRANDE POVO. SÓ HÁ UM GRANDE POVO, ONDE HÁ EDUCAÇÃO E CULTURA.

              Independentemente de discursos demagógicos que ainda são veiculados sobre a matéria, estamos, finalmente, entendendo que o Brasil do Século XXI se fará investindo em educação: desde a elementar, até a de terceiro grau. A elementar, ou fundamental, estruturada para atender às comunidades locais. A de terceiro grau, estruturada em universidades aglutinadoras de saber e centros de pesquisa e desenvolvimento, caracterizados pela excelência de sua produção e pela interatividade com outros núcleos no Brasil e no exterior.

              E por que tal exigência? Porque todos os que conhecem o processo de desenvolvimento das nações sabem que a chave desse processo está na acumulação do saber. Deter a informação, em suas mais variadas formas, é garantir uma posição de destaque no mundo. Assim foi no passado, assim é no presente, assim será no futuro planeta globalizado que surge para o século XXI.

              No vastíssimo leque do saber humano está o que se produz em matéria de ciência e tecnologia. Num mundo em constante mutação e acirradíssima concorrência para a conquista das primeiras posições no restrito clube das nações desenvolvidas, investir em ciência e tecnologia não é um luxo de país rico, é uma necessidade de país que queira crescer.

              Veja-se o exemplo do Japão, após a Segunda Guerra Mundial. Arrasado pela derrota militar e vivendo, ainda, uma estrutura quase feudal, com um sistema imperial de direito divino, o Japão reformou radicalmente toda sua estrutura de ensino, pesquisa e produção industrial para vir a se tornar, em cerca de 40 anos, uma das primeiras potências industriais do mundo. Atitude semelhante tomaram, mais recentemente, os famosos Tigres Asiáticos -- Coréia, Cingapura e Formosa.

              Se compulsarmos qualquer estatística sobre esses países, ressaltam logo os números a respeito da educação e da pesquisa tecno-científica. O Japão, por exemplo, investe 2,7% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, o que corresponde à cifra, nada desprezível, de 124,2 bilhões de dólares anuais. O Brasil investe 0,88% de seu PIB com a mesma finalidade, o que significa modestos 6 bilhões anuais. Ou seja, o Japão, apesar do elevado patamar de desenvolvimento a que chegou, ainda investe 20 vezes mais em pesquisa que o Brasil, quando a relação entre os PIB's é de apenas 7 vezes.

              Sr. Presidente, é sobre esse tema fundamental para o futuro de nosso País que quero falar esta tarde. O que o Brasil faz em matéria de ciência e tecnologia? Faz o bastante? Faz o possível? Poderia fazer mais? Tem que fazer mais? Essas são algumas das indagações para as quais nós, Senadoras e Senadores, temos que dar respostas, integrantes que somos da instituição que aprecia o Orçamento da União e discute as políticas do Governo para o País. Procurarei trazer elementos de resposta e dados para uma discussão, que se quer aprofundada, dos destinos de nosso "Sistema de Pesquisa e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia", se é que ele existe.

              O Brasil possui, cerca de 97 centros de pesquisa e universidades que trabalham com pesquisa e desenvolvimento. Na maior parte das vezes, por meio de programas de pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado. Apenas uns poucos centros se dedicam à pesquisa, sem vinculação formal com ensino.

              Desses 97, 64 são universidades ou centros públicos e 33 são particulares. Consideremos, agora, que existem no Brasil, segundo dados do MEC de 1994, 851 instituições de ensino superior, distribuídas em 57 federais, 73 estaduais, 88 municipais -- perfazendo um total de 218 -- e 633 particulares. Por simples regra de três, podemos ver que, no universo das instituições públicas, 29,4% dedicam-se à pesquisa, enquanto que no universo das particulares, apenas 5,2% o fazem.

              Esta singela comparação nos leva a uma primeira e importante conclusão: no Brasil, são as instituições públicas que capitaneiam a pesquisa e o desenvolvimento tecno-científico.

              Meus nobres ouvintes poderiam argumentar, então, que dessa pequena estatística foram excluídas as atividades das empresas públicas ou privadas. É verdade. Devemos, pois, aditar os números relativos a elas.

              Dados relativos a 1994 indicam que os gastos no Brasil, em ciência e tecnologia, segundo a fonte, foram: 57% do Governo Federal, 17% dos Estados, 18% das empresas privadas e 8% das empresas públicas. Assim, em resumo, o setor público responde por 82% dos gastos em pesquisa no Brasil, contra apenas 18% da iniciativa privada.

              Para dar ao Sr. Presidente e aos Srs. Senadores uma idéia de como as coisas podem ser diferentes em países onde ciência e tecnologia são assuntos sérios, temos que os EUA gastam cerca de 2,5% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, tendo entrado na década de 90 com a seguinte distribuição relativa: 48% financiados pelo Governo Federal e 52% pela indústria privada. Essa diferença mostra, em primeiro lugar, a pujança do setor de desenvolvimento científico da América do Norte. Em segundo lugar, que até mesmo as empresas privadas investem em pesquisa quando se trata de garantir ou conquistar mercados e posições no ranking das maiores do mundo.

              É bem verdade que 53% dos investimentos norte-americanos são feitos na área de defesa. Todos nós sabemos, contudo, que tal tipo de pesquisa tem sempre importantes repercussões para a sociedade como um todo. São exemplos disso a penicilina, os plásticos, os aviões a jato e outros produtos, desenvolvidos no esforço de guerra dos países tecnologicamente desenvolvidos.

              Não louvamos, aqui, as atividades bélicas. Ressaltamos, tão- somente, que, quando interesses vitais estão em jogo, o ser humano sabe usar sua criatividade e inventividade para fazer avançar a ciência e a tecnologia.

              O Brasil, como a maioria dos países não envolvidos com problemas crônicos ou críticos de defesa, tem outro perfil de distribuição de seus recursos de investimento em ciência e tecnologia. A área do saber que mais recebe recursos no Brasil é a chamada "Avanço do Conhecimento", com 55,2%, em 1995. Entenda-se por Avanço do Conhecimento as pesquisas em ciência básica e estudos universitários em geral. Nesse mesmo patamar de prioridades trabalham o Canadá, com 35%, o Japão e a Alemanha, com 51%, e a França, com 32%.

              Sr. Presidente, o Brasil é ainda um país carente de recursos para pesquisa avançada, como mostrou o exemplo que citei anteriormente, comparando nosso País com o Japão. Temos, todavia, potencial elevado para darmos um passo importante nesse campo. Dispomos de uma vasta rede de instituições de ensino superior, como também já mencionei. Falta-nos dar a essa gigantesca infra-estrutura os meios para ser mais produtiva para o País.

              Se analisarmos os dados divulgados pelo CNPq -- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -- para o período 1990/1995, podemos ver que o Brasil graduou em média, por ano, 234 mil universitários. No mesmo período, diplomou com o título de Doutor apenas a modesta média de 1815 graduados. Obtemos, assim, uma relação de um doutor para cada 129 graduados no período, o que é pouco para as necessidades de desenvolvimento do País.

              Da mesma forma, o Brasil gradua dois engenheiros para cada técnico de nível médio por ano, enquanto que nos países desenvolvidos a relação é de um engenheiro para cada cinco técnicos.

              Assim, temos que o Brasil apresenta distorções nas duas pontas da formação tecnológica. Faltam técnicos e doutores. Os primeiros, para dar sustentação aos trabalhos da indústria. Os últimos, para dar impulso ao desenvolvimento em pesquisa e aplicação de alta tecnologia.

              Sr. Presidente, poderíamos, então, concluir que o Brasil é um País sem políticas na área de desenvolvimento científico e tecnológico?

              Infelizmente, acho que sim. Salvo ações isoladas, fruto de vontades pessoais e localizadas, não se consegue distinguir um projeto de desenvolvimento que contemple o futuro do Brasil como grande potência, que seja consistente com a vastíssima infra-estrutura existente e com os recursos investidos em formação de pessoal.

              Há, contudo, uma tendência positiva na evolução do País nesses últimos anos no campo da formação de pessoal de nível universitário. Vejamos o exemplo de meu Estado, o Ceará. Dispomos de cinco universidades: uma federal, uma estadual e três particulares. A União mantém, ainda, duas escolas técnicas, e o Estado, três instituições de pesquisa, conforme dados relativos a 1995, divulgados pelo Governo do Estado.

              Um Estado pobre como o Ceará conseguiu ofertar quase 40 mil vagas para cursos universitários em 1995, significando um crescimento de 12% em relação a 1991, enquanto que a população cresceu, no mesmo período, apenas 0,6%, e a população economicamente ativa, 1,23%. Houve um aumento de 61% na oferta de cursos, no período 1980/1995, sinalizando uma diversificação nas áreas de conhecimento hoje disponíveis, todas supridas por corpo docente qualificado para o ensino no Ceará. Nesse sentido, a distribuição da titulação dos docentes, nas instituições cearenses de ensino superior, mostra-se razoavelmente consistente: 11% são doutores, 28% são mestres, 37% são especialistas e 25% são graduados. Não é ainda o perfil ideal, mas já indica que o nível de formação de nossos docentes tem-se elevado, com tendência de inversão da pirâmide de titulação, alargando-se o número de doutores em relação ao de simples graduados.

              O Estado do Ceará contribuiu com 1,6% na formação do PIB brasileiro em 1994. Recebeu em troca, 0,65% do orçamento federal para ciência e tecnologia. O Estado de São Paulo contribuiu com cerca de 37% para o PIB e recebeu de volta, em ciência e tecnologia, aproximadamente 48%, no ano de 1994. Independentemente dos méritos dos projetos em desenvolvimento no Estado de São Paulo, há uma óbvia distorção na distribuição de verbas federais para projetos de pesquisa em ciência e tecnologia. Não é razoável que, nesta imensidão do Brasil, quase a metade da verba disponível vá para um só Estado da Federação, deixando os outros praticamente à míngua de recursos.

              Só uma visão estratégica do que é pesquisa em ciência e tecnologia poderá reequilibrar a distribuição de recursos na Federação. A título de exemplo, não é difícil aceitar que estarão, em princípio, mais habilitados ao desenvolvimento de projetos alternativos de transformação do Semi-Árido nordestino as instituições e grupos de pesquisa instalados na própria região. Não existem ainda? Pois que sejam criados! Não há qualificação de pessoal? Pois que se lhes dê! Não há verbas? Pois que sejam desviadas de outras destinações menos relevantes estratégica e socialmente para o País!

              Pertenço ao PSDB, partido político ao qual também pertence o Senhor Presidente da República. Por isso, sinto-me à vontade para solicitar ao Professor Fernando Henrique Cardoso que, do alto de sua experiência acadêmica e política, reveja o projeto de desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro.

              A política de ciência e tecnologia não se pode continuar baseando na distribuição, quase que exclusiva, de bolsas de pesquisa para os grupos habilitados junto ao CNPq e outros órgãos financiadores federais, sem praticamente qualquer ajuda à execução dos projetos propriamente ditos. Essa situação é crítica nas Universidades Federais.

              As bolsas, se servem para evitar que os pesquisadores desistam de vez de seu trabalho, não permitem o custeio das pesquisas em si mesmas. Há que haver verbas para o desenvolvimento dos trabalhos. Pedir que sejam buscadas junto à iniciativa privada pode ser uma boa idéia, em tese. Ela carece, todavia, de fundamento prático, já que a indústria exerce papel meramente coadjuvante na pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil.

              Ainda cabe ao Estado, em seus 3 níveis - federal, estadual e municipal -, agir como mola propulsora de desenvolvimento no campo da pesquisa científica e tecnológica neste País.

              Os recursos são escassos? Que seja discutido, entre o Governo, as Universidades, os Centros de Pesquisa e demais representantes da sociedade, um projeto de desenvolvimento científico e tecnológico que cubra os interesses sociais, estratégicos e econômicos do Brasil. E que sejam colocados à disposição dos grupos de pesquisa os recursos necessários para que seu trabalho dê frutos para a sociedade, que, em realidade, é a destinatária última de todo esforço que se faça para avançar neste campo.

              E que não se esqueça que deter a informação e dominar a tecnologia é a chave para o futuro do Brasil no Século XXI.

              Sr. Presidente, era o que tinha a dizer.

              Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1997 - Página 21575