Discurso no Senado Federal

DIFICULDADES POR QUE PASSA O SISTEMA DE SAUDE NO BRASIL.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DIFICULDADES POR QUE PASSA O SISTEMA DE SAUDE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1997 - Página 21953
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, LIVRO, AUTORIA, MARIA HELENA MACHADO, ESPECIALISTA, ESTUDO, SETOR, SAUDE, AVALIAÇÃO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, EXERCICIO PROFISSIONAL, CATEGORIA PROFISSIONAL, MERCADO DE TRABALHO, MEDICO, PAIS, RESULTADO, REDUÇÃO, REMUNERAÇÃO, FALTA, EQUIPAMENTOS, COMPROMETIMENTO, QUALIDADE, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, POPULAÇÃO.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as dificuldades por que passa o sistema de saúde no Brasil, decorrentes da retração dos investimentos governamentais por longo período, resultaram no progressivo sucateamento e desarticulação da rede pública de hospitais e serviços de saúde, na proliferação mercantil de planos, seguros e cooperativas para o atendimento das necessidades da população e ainda na grave situação da realidade profissional da classe médica que, a cada dia, vem sendo mais descaracterizada como profissão liberal para se tornar mais uma categoria de assalariados.

Embora uma atividade tradicionalmente prestigiosa na sociedade, historicamente relacionada com o sucesso profissional, político e financeiro, devido aos altos preços cobrados pelo atendimento particular, às mensalidades pagas a empresas e planos de saúde, e ainda ao direito à acumulação de empregos, ressalvada a parcela proporcionalmente reduzida dos empresários do setor, que representam 18,4% do contingente médico, e algumas especialidades melhor remuneradas, que agregam apenas 2,9% dos especialistas, os médicos do País, ao contrário do que possa parecer, têm uma remuneração não condizente com a sua formação profissional, carga de trabalho, responsabilidade legal e social.

Entidades representativas da categoria têm apontado para várias deficiências relacionadas com as condições de trabalho dos médicos, tais como a deterioração da área física, o sucateamento ou mesmo a falta de equipamentos necessários, a deficiência de recursos humanos devidamente qualificados para as atividades de apoio, bem como a carência de material básico para o atendimento à clientela e, em virtude dessas e outras necessidades, a situação de stress pessoal e pressão social em que trabalham.

Em nosso País, onde 61,3% dos médicos residem nas capitais, 3,1% deles estão na região Norte, 16% no Nordeste, 58,8% no Sudeste, 15,4% no Sul e 6,8% no Centro-Oeste, o que é uma distribuição bastante distorcida com relação aos efetivos populacionais dessas regiões; uma concentração geográfica de profissionais de saúde que varia de uma média nacional de 1,19 médicos por mil habitantes, elevando-se para 2,8 no Distrito Federal, 2,05 no Rio de Janeiro, 1,75 em São Paulo, mas caindo vertiginosamente para 0,1 na região Norte, 0,12 no Nordeste, ou disparando para 3,28 por mil nas capitais e despencando para 0,53 no interior, onde em muitos municípios de alguns Estados não têm um único médico, também porque 80% deles residem em apenas 7 Estados: São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul.

No mercado de trabalho, 69,7% dos médicos atuam na rede pública, 69,3% na rede privada, e 74,7% em consultórios.

Acrescente-se, ainda, como definição do perfil dessa categoria, a participação feminina que já representa 32,7%, e o fato de que 65,8% dos médicos têm até 45 anos, exercendo a profissão há menos de 15 anos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os dados que comento neste meu pronunciamento estão contidos no livro "Os Médicos no Brasil - Um Retrato da Realidade", de autoria de Maria Helena Machado e outros especialistas, publicado pela Fundação Osvaldo Cruz, e que me foi oferecido pela Sociedade Médica de Sergipe, um trabalho que é uma verdadeira radiografia no setor saúde, centrado na ótica dos profissionais que realizam os serviços, e que revela, também, entre outras informações importantes, os níveis de remuneração desses profissionais, posicionando como perfil predominante a seguinte definição: 60% dos médicos, com cinco a nove anos de exercício profissional no mercado de trabalho, têm três ou mais vínculos de trabalho e percebem uma remuneração mensal de US$1,053 mil, enquanto que o contingente com mais de 10 anos de profissão e menos de 25 anos, recebem US$1,595 mil, e os restantes, com mais de 25 anos de atividade chegam a US$2,133 mil, valores estes de referência modal, isto é a faixa remunerativa de maior freqüência.

Considerando os limites em que variam essas remunerações, temos a seguinte distribuição: 42% dos médicos ganham de US$500 a US$2 mil; 33,27% ganham de US$2 mil a US$4 mil; 15% de US$4 mil a US$8 mil; e apenas 2,9% mais de US$8 mil. Como vimos, a maior freqüência do nível de remuneração situa-se em faixas bastante reduzidas.

O rebaixamento da remuneração dos médicos, obrigados a manter diversos vínculos de trabalho, situação que vem sendo agravada pela intermediação da mão-de-obra condicionada pelo progressivo controle do mercado pelas empresas, planos e convênios de saúde, vem resultando em perdas significativas no espaço de autonomia para o exercício da profissão liberal, com reflexos negativos no padrão de desempenho e na qualidade dos serviços prestados à população, em que parcela substancial, além de contribuir financeiramente para o sistema público de saúde, também financia esses planos e seguros de saúde privados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro dado importante do trabalho publicado pela Fiocruz, para melhor se entender o perfil desse conjunto de 183 mil médicos que realizam o atendimento à saúde em nosso País, revela que o médico é um dos profissionais de nível superior que efetivamente mais trabalha, pois, na ocasião da pesquisa, feita em 1995, 92,6% deles estavam em atividade, sendo que apenas 4,4% estavam aposentados ou afastados.

Desses médicos, 45,3% têm até duas atividades, 30% têm três atividades e 24,4% têm mais de três atividades ou vínculos de trabalho, onde a dependência desses profissionais a planos, convênios ou cooperativas de saúde para compor sua remuneração ou manter funcionando os seus consultórios pode ser medida pelo percentual de 79%, que é a parcela dos médicos que estão vinculados a essas organizações privadas, que já são 670 empresas, filiam cerca de 30 milhões de pessoas, movimentam recursos quase equiparados ao próprio Ministério da Saúde, mas transferem à rede pública os atendimentos mais onerosos, sem fazer o devido ressarcimento desses gastos.

O SUS, embora apareça na pesquisa como representando 19% dos convênios para atendimento médico da clientela dos consultórios, representa apenas 5,6% na composição da sua renda mensal. Entretanto, não pode ser desprezado o fato de que o Governo, além de pagar os serviços médicos do SUS, também financia, de um modo geral, a atividade particular, quando faz a renúncia fiscal do Imposto de Renda, para abatimento das despesas medico-hospitalares.

É importante também ressaltar que 80,4% dos médicos declaram-se insatisfeitos, que a atividade é desgastante, trabalham em condições insatisfatórias, com excesso de encargos, jornada prolongada, acumulação estafante de empregos, baixa remuneração, excesso de responsabilidade face à carência de recursos e meios, pressão social e relação de vida e morte com os pacientes.

É lamentável que o profissional de medicina ainda seja considerado, com freqüência, o grande vilão da crise da saúde pública no país, quando sabemos que a oferta de novos empregos no serviço público não acompanhou a universalização prevista no atendimento do SUS, o que veio a sobrecarregar tanto os hospitais quanto os médicos, e a mídia tem transferido para o médico a antipatia gerada pelas dificuldades do sistema público de saúde, como se fossem os médicos os gestores da política do setor e responsáveis pelo esfacelamento do sistema.

Faço essas considerações, Sr. Presidente, para ressaltar a importância de se observar as condições e a realidade do mercado de trabalho dos médicos quando da definição pelo Governo das políticas e diretrizes para o setor da saúde em nosso país, de modo a não agravar ainda mais esse quadro que merece urgentes correções visando à melhoria do desempenho dessa área, de atividade do Governo e da iniciativa privada, de vital importância para o desenvolvimento de nosso País e da promoção do bem-estar da população brasileira.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1997 - Página 21953