Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM OS PREJUIZOS PARA O BRASIL COM A LEI DE PATENTES. LITIGIOS JUDICIARIOS DECORRENTES DA LEI DE PATENTES. POSIÇÃO SEMPRE VANTAJOSA DOS ESTADOS UNIDOS EM SUAS RELAÇÕES COMERCIAIS COM A AMERICA LATINA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM OS PREJUIZOS PARA O BRASIL COM A LEI DE PATENTES. LITIGIOS JUDICIARIOS DECORRENTES DA LEI DE PATENTES. POSIÇÃO SEMPRE VANTAJOSA DOS ESTADOS UNIDOS EM SUAS RELAÇÕES COMERCIAIS COM A AMERICA LATINA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1997 - Página 21948
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APREENSÃO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, ESPECIFICAÇÃO, LITIGIO, INDUSTRIA QUIMICA, PREJUIZO, EMPRESA NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO.
  • COMENTARIO, LOBBY, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EPOCA, TRAMITAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, CRITICA, INSTRUMENTO, NORMA JURIDICA, PREJUIZO, INDUSTRIA NACIONAL, REGISTRO, OPOSIÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, RELATOR, PROJETO DE LEI.
  • ANALISE, PRIORIDADE, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ANTERIORIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nem bem entrou em vigor a nova Lei de Patentes, e ela começa a ser motivo de preocupação para as nossas autoridades, já sendo o Judiciário acionado para resolver questionamentos dela decorrentes.

O Correio Braziliense da semana passada noticiou o primeiro entrevero jurídico envolvendo a Herbitécnica, fabricante brasileiro de herbicidas, e a multinacional norte-americana Cyanamid. 

Essa empresa obteve liminar na Justiça Federal do Rio de Janeiro, impedindo a Herbitécnica de registrar a patente de um produto, sob a alegação de que já fabrica um produto idêntico.

Não vamos discutir se, de fato, se trata de produto idêntico. Vamos ater-nos à realidade dos fatos que envolveram a negativa da patente: o produto que a Cyanamid alega ser igual ao da Herbitécnica estava com a patente vencida desde o ano passado.

O mais estranho é que essa empresa norte-americana, por intermédio da Justiça, conseguiu também prorrogar aquela patente, já caduca, por mais cinco anos.

A nova Lei de Patentes é muito clara ao estabelecer que a validade das patentes por vinte anos só é contada para produtos que tenham sido registrados na vigência da nova lei, ou seja, a partir de maio último.

Assim, revalidar uma patente já exaurida e ainda lhe dar uma sobrevida de mais cinco anos é um verdadeiro absurdo jurídico que atenta contra qualquer norma reguladora da atividade comercial, industrial, científica e patentária e que colabora para a manutenção do nosso País sempre a reboque de países mais desenvolvidos cientificamente, como eterno dependente da tecnologia que se cria fora de nossas fronteiras.

Essa decisão da Justiça veio trazer a apreensão e o desalento à indústria química do nosso País, pois, a ser confirmada, uma onda de insolvência tomará conta dos laboratórios nacionais e o avanço científico do Brasil estará seriamente comprometido.

É por demais sabido, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que o progresso científico e tecnológico avança a partir da queima de etapas, via acesso ao conhecimento descrito nos pedidos de patentes publicados em outros países.

As redes de patentes são interligadas e, tão logo publicado o pedido, cientistas e empresas de todas as partes do mundo começam procedimentos para desenvolvimento de novos produtos ou processos, a partir do conhecimento acumulado por inventores e invenções anteriores.

Trata-se de procedimentos lícitos e universais que permitem a aceleração do progresso tecnológico, aos quais o acesso de nossos cientistas foi restringido pela nova lei.

É preocupante ver a Justiça enveredando por esses caminhos, quando se sabe que a função do órgão encarregado do registro das patentes, ao analisar uma solicitação semelhante a essa, é verificar se já existe produto igual já patenteado.

Caso, entretanto, o produto objeto de solicitação seja igual a um que já esteja com a patente expirada, não há impedimento algum a que seja objeto de uma nova patente.

Como relator no Senado do projeto de Lei que redundou na Lei de Patentes e como um entusiasta do desenvolvimento científico do nosso País, confesso, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que fiquei desalentado com a decisão da Justiça do Rio de janeiro e preocupado com os possíveis desdobramentos que daí poderão advir.

Não tive, entretanto, qualquer surpresa com esse fato. Quando advogava em meu relatório a exclusão de um pipeline amplo e abrangente, tinha em mente as conseqüências que essa medida acarretaria. Proteger a pesquisa tecnológica doméstica nos termos de acordos internacionais já firmados pelo Brasil, garantir a manutenção do emprego e a integridade econômica dos laboratórios nacionais e evitar demandas judiciais. Essas demandas já começaram.

Sabendo disso, éramos enfáticos ao afirmar que "não há qualquer razão que justifique a adoção desse instituto. A proteção excepcional a essas invenções mediante o uso do pipeline só pode ser considerada como uma concessão adicional às empresas que as desenvolveram e não atende a qualquer interesse da economia nacional".

Todavia, foram maiores as pressões que vinham principalmente dos Estados Unidos da América. O pipeline foi aprovado. O Brasil é um dos poucos países do mundo que o adotam, e, por causa disso, laboratórios nacionais como a Herbitécnica já estão sentindo as conseqüências.

Igualmente, posicionei-me, desde o primeiro momento, contrariamente a dispositivos, no corpo da lei, capazes de remeter à interpretação da Justiça determinados direitos presumidos, introduzindo componentes de subjetividade no texto legal, que, por via de regra, estimulam o abuso do poder econômico, em prejuízo dos interesses nacionais.

O tempo tem mostrado que me assistia razão. O caso da Herbitécnica versus Cyanamid vem demonstrar serem os meus receios fundamentados.

Nesse contexto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que entendo ser pertinente servir-me da oportunidade da visita do Presidente norte-americano, Exmº Sr. Bill Clinton, para reafirmar o nosso repúdio à prática sistemática de abuso do poder econômico em confrontos de natureza patentária bilateral.

Do mesmo modo, registrar ser inaceitável a continuidade da utilização, por parte do Departamento do Comércio dos Estados Unidos, de mecanismos de exceção, como a Super 301, concomitantemente com as punições previstas pela Organização Mundial do Comércio, que deveriam viger, igual e exclusivamente, para todos os membros daquela Organização.

Finalizando, eu gostaria de lembrar que essas preocupações são ilustrativas do que poderá vir a ocorrer caso seja precipitada a operação da Alca, antes da consolidação efetiva do Mercosul.

No caso emblemático da Lei de Patentes, ao oferecer mais concessões do que aquelas estabelecidas no balizamento comum de Gatt/Trips, numa atitude subalterna às pressões do G-7, o Brasil fechou excelentes portas de acesso a uma nova onda de desenvolvimento beneficiadora dos países de industrialização tardia.

Abrir mão do amadurecimento do Mercosul, atraídos pelas promessas ilusórias de crescimento exponencial do mercado de trocas, potencialmente criado pela Alca, é desconhecer os excelentes avanços obtidos pelo Mercosul e desperdiçar as vantagens comparativas criadas pela perda de influência relativa do comércio norte-americano junto à Comunidade Econômica Européia e ao Japão.

Mais do que isso, equivale a ampliar exponencialmente as desvantagens latino-americanas, consolidando a posição de simples entrepostos importadores de produtos dos Estados Unidos, mesmo em países cuja industrialização já se encontra em estágios bastante desenvolvidos, como é o caso do Brasil, Argentina, Chile e México, entre outros.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao fazer menção à data de hoje - e prevíamos que aconteceria o que está se passando - também alertávamos para o problema da biodiversidade. Dizíamos que o princípio ativo de plantas medicinais da Amazônia iria ser patenteado por indústrias estrangeiras, e, embora tivéssemos aqui o vegetal, a patente seria de outros países. Por isso, queríamos tempo para a descoberta e registro das patentes em relação a nossa biodiversidade.

Lamentavelmente, fomos votos vencidos nesses dois itens. Quase toda a lei foi aprovada, mas em questões importantes como o fortalecimento do Departamento de Proteção dos Registros Industriais, o problema da biodiversidade e o pipeline fomos derrotados. Prevíamos confusões e prejuízos, e não deu outra coisa.

Recentemente, o Senador Bernardo Cabral mostrou aqui um abaixo-assinado de moradores da região Amazônica preocupados com o número de estrangeiros que estão realizando pesquisas, à revelia até de nossas autoridades, e com a quantidade de terras que estão sendo vendidas naquela região. Existe ainda o problema do pipeline, gerando dificuldades, e ainda vamos ter muitos dissabores.

Vamos ter mais independência, Sr. Presidente. Esse é o meu desejo. Queremos a parceria com os Estados Unidos. É muito importante que sejamos parceiros, mas é importante também que nunca sejamos subservientes e nem tampouco caudatários. Devemos buscar o nosso próprio destino.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1997 - Página 21948