Discurso no Senado Federal

HOMENAGEIA O PROFESSOR PELO TRANSCURSO DO SEU DIA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEIA O PROFESSOR PELO TRANSCURSO DO SEU DIA.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/1997 - Página 22019
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR.
  • ANALISE, RELAÇÃO, TECNOLOGIA, EMPREGO, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderíamos deixar de ocupar esta tribuna para juntar a nossa voz às justíssimas homenagens que hoje se prestam, em todo o Brasil, à laboriosa categoria dos professores.

Anualmente, nesta data, renovam-se as expressões de admiração e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido por aqueles que detêm a responsabilidade pela formação das novas gerações, servindo como facilitadores não apenas no processo de aquisição de conhecimento, mas também no de construção da identidade social, por meio da apreensão das noções de cidadania e de civismo pelos educandos.

Renovam-se também, anualmente, as denúncias e protestos contra a não-valorização do professor em termos de remuneração, condições de trabalho e treinamento profissional.

No entanto, a marcha da história, além de inexorável, acelera-se cada vez mais. Nos dias que correm, o futuro, ao invés de ajudar-nos, parece precipitar-se sobre nós.

Por isso, temos a convicção de que uma nova situação para a educação e para o magistério está em gestação, independentemente até das sempre repetidas manifestações de boa vontade para com o setor e para com a categoria.

É nítido que vivemos já o alvorecer de uma nova era que, há algum tempo, vem sendo anunciada: a era da informação, a era do conhecimento.

Os analistas mais abalizados concordam em que, no novo século que se avizinha, não haverá bem mais precioso, mais valorizado do que este: a informação.

Por esse motivo, a educação e o educador haverão de - finalmente e ainda com muito atraso, no caso brasileiro - receber a prioridade de tratamento que outras nações há décadas - ou até há séculos - lhes vêm dispensando.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) realizou recentemente uma pesquisa sobre alfabetização funcional.

Em uma amostra de adultos de sete países industrializados foram aplicados testes de uso de língua em prosa, em documentos usuais na vida cotidiana e de uso da matemática em situações comuns no trabalho.

Os resultados da pesquisa foram muito claros. Os entrevistados que obtiveram resultados piores correspondiam à grande maioria dos desempregados da amostra.

De outra parte, aqueles que obtiveram os melhores resultados eram os que tinham remuneração mais elevada. Tal como se esperava, a pesquisa confirmou que as ocupações mais complexas, como as de chefia e técnicas, requerem maior habilidade em leitura e matemática.

Uma constatação de maior impacto foi a de que os setores mais dinâmicos da economia, que mantém seu ritmo de expansão, requerem mais habilidades de leitura e de cálculo do que os setores mais estagnados.

Isso significa que o crescimento e, portanto, a geração de empregos ocorrem justamente naqueles setores mais exigentes em matéria de educação.

Além disso, constatou-se que, nos países industrializados, todos têm que ler, escrever e contar no exercício cotidiano de suas atividades laborativas, qualquer que seja o nível hierárquico.

No Brasil, por seu turno, embora ainda seja possível ao trabalhador de pouca escolaridade encontrar alguma ocupação, é enorme a repercussão do nível educacional no patamar de remuneração do assalariado.

Segundo pesquisa de Sérgio Ribeiro da Costa Werlang e Carlos Ivan Simonsen Leal, cada ano adicional de estudo significa um acréscimo de renda de cerca 16% para o trabalhador.

Apenas por esse dado, temos uma evidência gritante de quanto a educação pode contribuir no esforço para a superação dessa terrível chaga brasileira que é a miséria.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a pesquisa da OCDE confirma aquilo que as pessoas de bom-senso há muito vêm afirmando: sem melhorar significativamente nosso quadro educacional, será muito difícil - se não impossível - o Brasil atingir seu objetivo de incorporar-se aos países da "primeira divisão" da economia mundial.

É que, como tem afirmado o Ministro da Educação, Paulo Renato de Sousa, "Essa nova etapa do capitalismo entrega ao sistema educacional uma imensa responsabilidade".

Com efeito, muitos empresários brasileiros vêm sentindo na própria carne as conseqüências de contar com mão-de-obra despreparada, destituída dos conhecimentos mais elementares da educação básica.

Para muitos deles, a questão passou a ser de sobrevivência, pois descobriram que muitos de seus funcionários são analfabetos funcionais, incapazes de manejar a nova tecnologia disponível na empresa.

Em recente matéria publicada na revista Brasil em Exame, Nely Caixeta aponta:

      "O chão de fábrica passa por uma revolução. Um ferramenteiro hoje tem de ter conhecimento de desenho mecânico e noções de engenharia para projetar no computador os moldes das peças a serem produzidas em série."

E refere que, para o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, da Universidade de São Paulo, "o analfabeto do futuro não será aquele que não sabe ler nem escrever, mas sim alguém incapaz de interagir com máquinas inteligentes e participar de um processo no qual é preciso tomar iniciativas", estando condenado à exclusão quem não tiver essas habilidades.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diversas nações perceberam, há muito tempo, a absoluta necessidade de investir pesadamente no ensino, o que inclui, evidentemente, investir na valorização do professor.

Essa consciência disseminou-se, desde o século passado, por países como os Estados Unidos, o Japão e algumas nações européias. O acerto dessa política é inquestionável.

Como afirma Gary Becker, prêmio Nobel de Economia, "os países que investiram volume considerável de recursos para educar suas populações são aqueles que obtiveram maior desenvolvimento econômico".

No período mais recente, temos o exemplo, muito impactante, dos chamados "tigres asiáticos".

O caso da Coréia é especialmente notável, ainda mais ao recordarmos sua situação há pouco mais de quatro décadas, quando era um país paupérrimo, desprovido de recursos naturais, com uma população iletrada e recém-saído de uma guerra devastadora que se seguira a 25 anos de ocupação estrangeira.

Por volta de 1953, apenas 13% dos coreanos eram alfabetizados. No início da década de 60, sua renda per capita ainda mal chegava a 100 dólares. No ano passado, porém, esse indicador atingiu 8 mil 220 dólares, o dobro da renda per capita brasileira, e a taxa de analfabetismo é hoje inferior a 2%!

Qual a explicação para esse assombroso progresso? O consenso geral é que se trata de reflexo da alta prioridade dada pelo país à educação - particularmente à educação básica - de sua população.

A Coréia decidiu enfrentar com firmeza o desafio de reverter um quadro educacional ainda mais dramático do que enfrentado hoje pelos brasileiros.

A relação entre altíssimos índices de crescimento econômico e bom nível de ensino ficou patente lá, como em todos os seus vizinhos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, qualificar como dramático o quadro educacional brasileiro não constitui, de forma alguma, exagero. Sob alguns aspectos, a situação é muito mais do que preocupante. É, de fato, alarmante! Mais de 2 milhões e meio de crianças brasileiras entre 7 e 14 anos estão, ainda hoje, fora da escola.

Mais de 65% das crianças matriculadas na 1ª série não concluem o ciclo fundamental. Das que terminam, apenas 3% o fazem nos oito anos regulamentares. Malgrado o crescimento de 52% no número de alunos matriculados no ensino médio entre 1991 e 1996, o total das matrículas ainda corresponde a apenas 25% dos jovens na faixa de 15 a 17 anos.

O nível médio de escolaridade do trabalhador brasileiro é de 3,8 anos, um dos mais baixos do mundo, comparável aos do Haiti e de Honduras. Uma autêntica vergonha nacional!

Veja-se que nossos vizinhos Argentina e Paraguai, com economias muito menos pujantes que a nossa, apresentam índices em torno de 9 anos. Não é à toa que o Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, afirma que "a principal política de emprego é a política educacional".

A boa notícia é que, até como resultado da nova conjuntura da economia mundial, vem tomando corpo rapidamente na sociedade a consciência de que a educação é uma ferramenta estratégica para o crescimento sustentado que o País deseja alcançar.

Sabedor de que o maior problema do sistema educacional brasileiro são as elevadíssimas taxas de repetência, o Governo vem centrando seus esforços na melhoria da qualidade do ensino, por meio de diversos progamas, com ênfase naqueles voltados à valorização do professorado.

Aí, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que fazer para dar essa alavancagem, esse pulo na qualidade da educação?

Em primeiro lugar, precisamos e devemos saudar a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, consubstanciado na Emenda Constitucional nº 14.

Mas não é só falar, temos realmente que implantar isso.

Com efeito, não se pode tolerar a continuidade da situação atual, em que um professor da rede de ensino público de 1º grau em início de carreira recebe em torno de 3 reais por aula, mesmo nos Estados mais ricos da Federação, não esquecendo que, em algumas partes do País, muitos professores recebem salários de apenas 30 reais por mês, situação realmente vexatória.

Com o Fundo, já a partir do próximo ano o investimento em cada aluno será de 300 dólares por ano, o mesmo valor do salário mínimo que passará a ser pago aos professores de todo o País por 20 horas de aula semanais .

Objetivando ainda atender às históricas reivindicações do professorado por oportunidades de qualificação, o Governo lançou no ano passado o Programa TV Escola, que forneceu a cerca de 45 mil escolas o equipamento para recepção e gravação dos cursos de aperfeiçoamento oferecidos aos professores.

A intenção do Governo é que, em cinco anos, todos os professores tenham pelo menos o 2º grau completo. Essa é uma outra grande vergonha do ensino brasileiro; o professor leigo, o professor que não tem diploma, que não se formou e, apenas por saber ler, é professor dos demais.

Além dessas, o Governo vem tomando muitas outras iniciativas meritórias na área educacional, como o Programa de Aceleração de Aprendizagem, voltado para alunos com mais de dois anos de repetência.

Também o Programa Nenhuma Criança fora da Escola, o estabelecimento dos novos parâmetros curriculares, o sistema de avaliação do livro didático e a regularização da sua distribuição - que este ano, pela primeira vez, ocorreu no início do ano letivo, e não no meio, como acontecia tradicionalmente -, creio que se constituem em outra grande iniciativa.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Com muita satisfação.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador Ney Suassuna, acompanho atentamente a exortação que faz da situação do ensino, da educação e, sobretudo, da referência especial feita ao professor brasileiro. Quero associar-me às preocupações de V. Exª, mas, sobretudo, associar-me a essa manifestação de solidariedade que V. Exª faz hoje nesta Casa àqueles que têm a responsabilidade de acender uma luz nas trevas para aqueles que não a têm - notadamente o professor do ensino fundamental, do ensino básico. Peter Drucker já dizia que "o rotor do desenvolvimento não são as fábricas nem os bancos, mas as escolas". Efetivamente, falava com muita propriedade, porque o rotor do desenvolvimento reside na escola, com o trabalho do seu principal agente: o professor, instrumento primordial de transformação com que a sociedade pode contar. Há pouco, V. Exª falava sobre a existência, em diversas regiões do nosso Brasil, de professores que ainda não detinham a necessária qualificação para ensinar o seu semelhante. Professores que não tinham o grau de magistério sequer, professores que não tinham e não têm o primeiro grau completo e que se encontram na sala de aula procurando transferir sua pequena experiência e seu pequeno conhecimento. Saiba, nobre Senador, que vivi essa experiência quando exerci a função de Secretário de Estado da Educação do Tocantins; encontrei um quadro que registrava essa situação. A preocupação foi muito grande e a reação primeira foi até de uma certa revolta em relação à permissão, nas escolas brasileiras, de pessoas não qualificadas ensinando. Fiz uma reflexão e verifiquei que tínhamos que agradecer àqueles que, com uma paga miserável, incompatível com a alta responsabilidade, ainda que com poucos e parcos conhecimentos, estavam se dedicando a levar aquela luz às trevas nos pequenos Municípios, nos povoados mais distantes, como numa devoção, procurando ensinar àqueles que não sabiam nada. Portanto, registro meus cumprimentos a V. Exª. Associo-me à sua homenagem aos professores brasileiros, que, muito mais por devoção, muito mais por amor, muito mais por dedicação do que por condição, do que por compensação, estão ainda nas nossas salas de aula, procurando ensinar a quem não sabe, procurando levar o conhecimento a quem não o tem.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Leomar Quintanilha. Agradeço o aparte de V. Exª, que honra o meu discurso.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que me orgulho em poder comemorar o dia 15 de outubro porque sou filho de professor.

Meu pai passou 47 anos ensinando. Foi professor de História, Matemática e Desenho. Eu mesmo, desde os 17 anos, sou professor, e muito me orgulho disso. Hoje, sou Professor concursado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo ensinado nos colégios do meu Estado - no Colégio Estadual da Prata, na Escola Normal, na Escola Técnica do Comércio e em vários colégios da capital do meu Estado -, e sei o que é ser professor. Ser professor é assumir essa responsabilidade porque tem vontade de transmitir o que sabe. Ser professor é se sacrificar - e tenho consciência da miséria que ganha um professor. Quando ensinava História, sempre dava a seguinte explicação para os meus alunos: Roma era forte e letrada e invadiu a Grécia, que não era potência militar mas tinha as cabeças pensantes daquele tempo. Esses gregos foram arrebanhados para Roma a fim de serem preceptores dos filhos dos grandes de Roma. Em qual cidade da Grécia não havia um sábio? Todo mundo admirava o saber dos sábios, mas eles eram escravos, tinham uma remuneração insignificante. E talvez isso tenha perdurado no mundo ocidental. Em todos os lugares - pior no nosso País -, todo mundo faz rapapé: "Que bom ser professor!", mas ninguém paga o que é merecido. O professor é a maior alavanca que um País pode ter; no entanto, não recebe a paga necessária. Sei do sacrifício de meu pai para sustentar dez filhos sendo professor secundário, trabalhando três expedientes, chegando em casa e ainda tendo que corrigir provas.

Sei o que tive na minha vida como professor, acordando às 5 horas da manhã, para preparar aulas, lecionando durante todo o dia para poder ter o direito a um carro no começo da minha vida.

É difícil, é muito difícil a vida do professor! São idealistas que vendem sua saúde, seu lazer a troco de nada, para dar continuidade do conhecimento às gerações futuras. É duro, é muito duro mesmo!

Eu sou filho de professor, sou professor e casado com professora.

Hoje, minha mulher, Tânia, gerencia uma série de colégios que temos - ainda tivemos a sorte de não ser somente "professores" e passar a ter uma série de estabelecimentos. Mas o sacrifício é muito grande, e essa categoria, que é homenageada no dia de hoje, merece todo o respeito da Nação, mas merece também o reconhecimento de um pagamento melhor. Trezenos reais para muitas áreas vai ser muito bom, mas ainda é pouco para o professor.

Quando tive a honra de trabalhar no Ministério do Planejamento assessorando, na época, o Ministro Roberto Campos, hoje Deputado, tentamos fazer, na reforma administrativa, uma amarração do professor à carreira militar. Tivemos o decreto pronto na mão. A remuneração de um professor primário seria igual à de capitão; de professor secundário seria igual à de major; professor universitário teria o soldo de coronel, e isso quase foi aprovado por aquela revolução que começava. Mas, por algumas razões menores até, não tivemos a aprovação. Se tivéssemos conseguido isso, com toda a certeza não estaríamos numa situação maravilhosa, porque os militares hoje não estão assim; mas estaríamos muito melhor do que estamos. Acredito que essa teria sido uma solução, porque teríamos, pelo menos, amarração a uma carreira que, dificilmente, tem perdas gigantescas. E, hoje, nós temos perdas gigantescas.

Isso sem falar, Sr. Presidente, na amarga decepção que tem o professor quando se aposenta. Vejo o exemplo do meu pai que, hoje, com sua aposentadoria, mal sobreviveria se os filhos todos não o ajudassem. Um homem que passou 47 anos ensinando, hoje, como aposentado, recebe uma ninharia que mal dá para a sua alimentação. Então, se a carreira é mal paga, a aposentadoria ainda é pior.

Quando me chamam Senador, principalmente nos lugares onde convivo permanentemente, digo sempre para não me chamarem assim, mas sim de professor, porque a carreira na política é temporária. E tenho o maior orgulho de ser professor.

Estou nesta tribuna hoje homenageando os professores como Senador, numa carreira temporária, e quero dizer que, se há alguém que merece o respeito, a admiração e o reconhecimento da Nação, essa pessoa é o professor.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/1997 - Página 22019