Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 16/10/1997
Discurso no Senado Federal
VISITA DO PRESIDENTE BILL CLINTON AO PAIS E SUAS INTENÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA ALCA. APELO AOS PARLAMENTARES, AOS FORMADORES DE OPINIÃO E A IMPRENSA EM GERAL PARA QUE DISCUTAM COM MAIOR PROFUNDIDADE AS INUMERAS QUESTÕES SUSCITADAS PELA EVENTUAL FORMAÇÃO DA ALCA. MANIFESTAÇÕES DE S.EXA. AO PRESIDENTE AMERICANO, RELATIVAMENTE AO EARNED INCOME TAX CREDIT, OU CREDITO FISCAL POR REMUNERAÇÃO RECEBIDA E SOBRE A IMPORTANCIA DOS EUA NORMALIZAREM SUAS RELAÇÕES COM CUBA E ACABAREM COM O BLOQUEIO ECONOMICO IMPOSTO AQUELA NAÇÃO.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA EXTERNA.
POLITICA INTERNACIONAL.:
- VISITA DO PRESIDENTE BILL CLINTON AO PAIS E SUAS INTENÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA ALCA. APELO AOS PARLAMENTARES, AOS FORMADORES DE OPINIÃO E A IMPRENSA EM GERAL PARA QUE DISCUTAM COM MAIOR PROFUNDIDADE AS INUMERAS QUESTÕES SUSCITADAS PELA EVENTUAL FORMAÇÃO DA ALCA. MANIFESTAÇÕES DE S.EXA. AO PRESIDENTE AMERICANO, RELATIVAMENTE AO EARNED INCOME TAX CREDIT, OU CREDITO FISCAL POR REMUNERAÇÃO RECEBIDA E SOBRE A IMPORTANCIA DOS EUA NORMALIZAREM SUAS RELAÇÕES COM CUBA E ACABAREM COM O BLOQUEIO ECONOMICO IMPOSTO AQUELA NAÇÃO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/10/1997 - Página 22217
- Assunto
- Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
- Indexação
-
- ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PROPOSTA, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DEBATE, ABERTURA, COMERCIO EXTERIOR, ECONOMIA, BRASIL, NECESSIDADE, ANTERIORIDADE, REFORÇO, INDUSTRIA NACIONAL.
- PREVISÃO, DESEQUILIBRIO, ECONOMIA, BRASIL, MOTIVO, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ANALISE, NORMAS, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL, AMBITO, SERVIÇO, INVESTIMENTO, CONCORRENCIA, CRITICA, FALTA, UNIFICAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, IMIGRAÇÃO.
- NECESSIDADE, DEBATE, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
- REGISTRO, COMENTARIO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROGRAMA, COMBATE, POBREZA, DESEMPREGO.
- DEFESA, REINTEGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, ACORDO INTERNACIONAL, AMERICA, OPOSIÇÃO, BLOQUEIO, ECONOMIA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (BLOCO/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton, conseguiu despertar grande simpatia, sobretudo por suas ações futebolísticas ao lado de Pelé, pelo seu interesse por tocar o tamborim na Escola de Samba Mangueira - S. Exª que é um exímio saxofonista -, no Rio de Janeiro, pelo pedido de desculpas que fez pelos documentos divulgados pela Embaixada dos Estados Unidos nos dias que precederam sua visita e por reconhecer a importância de o Brasil e seus pares mais próximos desenvolverem o Mercosul como uma meta prioritária em relação à formação da Associação de Livre Comércio das Américas - Alca. Em verdade, foi essa a questão que trouxe Bill Clinton à América do Sul. Esse é o assunto que deveria estar sendo objeto de uma discussão mais profunda entre nós.
Apesar da idéia da Alca ter sido lançada pelos Estados Unidos há muitos anos, ainda no Governo de George Bush, a sua discussão no Brasil avançou pouco fora dos círculos especializados. A maioria das pessoas não se dá conta do caráter abrangente - perigosamente abrangente - da Alca tal como proposta por Washington.
Prevalece no nosso País uma visão muito simplificada das relações econômicas internacionais. Acredita-se que a abertura comercial, que é vantajosa para as economias mais poderosas, também beneficia sempre a economia dos países menos desenvolvidos. A discussão parece estar limitada ao ritmo em que deve caminhar a abertura das economias, com os Estados Unidos querendo forçar o passo e o Brasil procurando ganhar tempo.
Deveríamos considerar a história econômica dos Estados Unidos. Ao longo do século XIX, período em que a economia americana era relativamente menos desenvolvida, os Estados Unidos não eram livre-cambistas. Não eram, portanto, a favor de se extinguir toda e qualquer barreira alfandegária. Ao contrário, a indústria americana surgiu e prosperou à sombra do protecionismo. Só depois que sua economia se consolidou e passou a disputar a hegemonia no mundo no século XX, os americanos abraçaram mais decididamente a causa do livre comércio entre as nações. E mesmo assim, ainda hoje, os Estados Unidos mantêm uma série de restrições, em geral na forma de barreiras não-tarifárias, à entrada de produtos estrangeiros. O próprio Brasil, como se sabe, vem sendo prejudicado em termos de acesso de diversos produtos importantes ao mercado americano. Esse é o caso do suco de laranja, produtos têxteis, siderúrgicos e outros.
O Senador Casildo Maldaner sabe como a indústria têxtil de Santa Catarina foi prejudicada, assim como o foi a indústria de calçados do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, ou da região de Franca, no Estado de São Paulo.
Assim como ocorreu no caso dos Estados Unidos, do Japão e de outras economias hoje consolidadas, também a economia brasileira e outras da América do Sul precisarão fortalecer-se antes de embarcar mais plenamente na liberalização do seu comércio exterior. No caso brasileiro, há problemas adicionais a serem considerados, decorrentes das políticas econômicas adotadas no período recente. Nos anos 90, o Brasil engajou-se, de forma improvisada, numa abertura unilateral às importações. Fez muitas concessões e nada obteve em troca. Além disso, introduziu com o Plano Real uma política de valorização cambial, que penaliza as exportações e estimula indevidamente as importações. Nesse contexto, não há como ingressar em nova etapa de abertura às importações no âmbito da Alca, a menos que os Estados Unidos façam concessões importantes na diminuição de barreiras às importações do Brasil. Caso contrário, o nosso desequilíbrio comercial, que já é exagerado, inclusive com os Estados Unidos, aumentaria ainda mais, colocando em risco a posição internacional do País.
No entanto, ao contrário do que às vezes se imagina, a Alca não se restringiria à remoção de barreiras ao comércio de bens dentro das Américas. Este já seria, em si mesmo, um objetivo ambicioso e problemático.
Ocorre que as inspirações dos Estados Unidos vão mais longe. A agenda da Alca inclui uma série de outros temas. Por exemplo, liberdade de comércio de serviços, regras comuns relativas a investimentos diretos estrangeiros, regras comuns para defesa da concorrência, regras para compras governamentais e proteção da propriedade intelectual.
Por outro lado, a agenda proposta por Washington não inclui qualquer referência à livre circulação de pessoas e trabalhadores nas Américas. No passado recente, os Estados Unidos têm se tornado mais restritivos no que diz respeito à imigração. Um país que, em 1886, ergueu uma Estátua da Liberdade na entrada de Nova Iorque para dar as boas-vindas ao imigrantes, hoje os recebe a tiros na sua fronteira com o México.
Há muitas pessoas humildes, modestas, negros, que têm tido dificuldade imensa para obter os vistos de entrada para visitar os Estados Unidos. Na concepção dos Estados Unidos, a integração das Américas não daria espaço para os seres humanos comuns. Essa integração significaria apenas o máximo de liberdade para a circulação das mercadorias e do capital.
Bill Clinton ainda está muito longe de levar em conta as palavras de John Lenon em Imagine, quando ele fala de um mundo sem fronteiras, onde, realmente, os homens possam circular e usufruir de oportunidades em toda e qualquer parte do Planeta Terra, sendo todos, de fato, tratados como irmãos, com solidariedade, ou seja, um mundo onde possa haver paz e justiça.
Também no âmbito do Mercosul, essa questão tem sido omitida quando, em verdade, já se nota a necessidade de se definir uma regulamentação sobre a movimentação de pessoas nesses países, uma vez que, na prática, já está ocorrendo um intenso intercâmbio de trabalhadores. Em termos de Mercosul, podemos discutir e influenciar as tomadas de decisão. Resta saber que espaço teríamos para fazer o mesmo na Alca.
Sabemos, Sr. Presidente, Senador Joel de Hollanda, que já há um número muito grande de profissionais da construção civil exercendo seu ofício na Argentina. Quando houve restrições políticas nesse país, durante o regime militar, abriu-se, no Brasil, uma extraordinária possibilidade para pessoas - inclusive, muito bem qualificadas, como médicos, psicanalistas, engenheiros, físicos etc - trabalharem em São Paulo e no Rio de Janeiro. Deveríamos estar pensando em como brasileiros, argentinos, uruguaios, paraguaios, bolivianos e chilenos poderiam trabalhar cada vez mais em qualquer desses países.
Aliás, o sentido do Mercosul é a mais plena integração possível, como hoje ocorre na Comunidade Econômica Européia; os europeus passaram a circular com muito maior liberdade entre as fronteiras.
Se for implementada de acordo com o figurino proposto por Washington, a Alca transformará o Brasil e o resto da América em uma extensão do espaço econômico americano; seríamos quase transformados em uma sucursal. Representará uma grande perda de soberania e autonomia para nós. Faço, portanto, um apelo aos Parlamentares, aos formadores de opinião e à imprensa em geral para que discutam com maior profundidade as inúmeras questões suscitadas pela eventual formação da Alca.
Por ocasião de sua presença no Itamaraty, bem como no Senado, tive a oportunidade de um breve diálogo com o Presidente Bill Clinton e lhe transmiti que, com muito interesse, tenho acompanhado e estudado a experiência do Earned Income Tax Credit ou Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, uma forma de imposto de renda negativo introduzido pelo Senador Russel Long, de Louisiana, em 1975, durante o governo Gerald Ford - este, republicano; aquele, democrata - e expandido por George Bush e Ronald Reagan, ambos republicanos em um congresso de maioria democrata.
Em 1993, no início do governo Bill Clinton, mais que duplicado, foi estendido às famílias sem crianças o direito a esse complemento de renda, antes reservado às famílias com crianças, cujas rendas não atingiam determinado patamar. E o Presidente Bill Clinton respondeu-me que se tratava, na sua avaliação, do mais eficaz e menos dispendioso processo de combate à pobreza e ao desemprego.
Finalmente, lembro que Cuba é o único país americano excluído dos entendimentos relativos à eventual formação da Alca. Trata-se de uma discriminação inaceitável. Por ocasião do encontro que tive com o Presidente Bill Clinton, manifestei-lhe o quanto é importante que os Estados Unidos normalizem suas relações com Cuba e acabem com o bloqueio econômico imposto àquela nação. Esta, no meu entender, será a melhor maneira de contribuir para o processo de democratização e desenvolvimento daquele país. O Presidente Bill Clinton apenas me disse que compreendia e amavelmente se despediu.
O Congresso norte-americano é muito influenciado por um grande número de cubanos que se exilaram na Flórida e em outros estados e que continuamente pressionam os Estados Unidos para asfixiarem ainda mais a economia cubana com leis que vem punindo e ameaçando, com sanções, empresa de qualquer lugar do mundo que mantenha relações comerciais com Cuba.
Espero que esses cubanos e os americanos saibam que aqui, no Congresso Nacional, há uma manifestação - que acredito ser da maioria dos seus membros - no sentido de que Cuba seja reintegrada à comunidade dos povos de todas as Américas. Se os Estados Unidos acabarem com esse bloqueio, esta será uma contribuição ainda maior para que se normalizem as instituições na direção daquilo que Bill Clinton vem expondo.
Muito obrigado.