Discurso no Senado Federal

INSUFICIENCIA DAS VERBAS DESTINADAS PELO GOVERNO AO PROJETO DE BOLSA CRIANÇA CIDADÃ. LIMITAÇÕES DO PROJETO DE RENDA MINIMA APROVADO ONTEM NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO DO SENADOR LUCIO ALCANTARA. PROPOSTAS DE S.EXA. A MATERIA. VISITA DA COLIGAÇÃO MOVIMENTO MUDA CAMPO GRANDE ONTEM AO MINISTRO ILMAR GALVÃO, PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, SOLICITANDO QUE A JUSTIÇA ELEITORAL DECIDA O MAIS RAPIDAMENTE POSSIVEL SOBRE A AÇÃO CONSTITUCIONAL DE IMPUGNAÇÃO DA ELEIÇÃO PARA A PREFEITURA DE CAMPO GRANDE, REALIZADA NO ANO PASSADO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. ELEIÇÕES.:
  • INSUFICIENCIA DAS VERBAS DESTINADAS PELO GOVERNO AO PROJETO DE BOLSA CRIANÇA CIDADÃ. LIMITAÇÕES DO PROJETO DE RENDA MINIMA APROVADO ONTEM NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO DO SENADOR LUCIO ALCANTARA. PROPOSTAS DE S.EXA. A MATERIA. VISITA DA COLIGAÇÃO MOVIMENTO MUDA CAMPO GRANDE ONTEM AO MINISTRO ILMAR GALVÃO, PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, SOLICITANDO QUE A JUSTIÇA ELEITORAL DECIDA O MAIS RAPIDAMENTE POSSIVEL SOBRE A AÇÃO CONSTITUCIONAL DE IMPUGNAÇÃO DA ELEIÇÃO PARA A PREFEITURA DE CAMPO GRANDE, REALIZADA NO ANO PASSADO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1997 - Página 22286
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI, RENDA MINIMA, AUTORIA, LUCIO ALCANTARA, SENADOR, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, LIMITAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, RESTRIÇÃO, MUNICIPIOS, OBTENÇÃO, BENEFICIO.
  • DEMONSTRAÇÃO, INCOERENCIA, GOVERNO, INSUFICIENCIA, VERBA, DESTINAÇÃO, PROJETO, RENDA MINIMA, COMPARAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, PUBLICIDADE, ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
  • ESCLARECIMENTOS, VOTO FAVORAVEL, BLOCO PARLAMENTAR, OPOSIÇÃO, APROVAÇÃO, SUBSTITUTIVO, EXPECTATIVA, POSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, RACIONALIZAÇÃO, PROJETO DE LEI, RENDA MINIMA, REALIZAÇÃO, JUSTIÇA, PAIS.
  • REGISTRO, VISITA, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, ILMAR GALVÃO, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), SOLICITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, DECISÃO, JUSTIÇA ELEITORAL, LEGITIMIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, ANDRE PUCCINELLI, PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPO GRANDE (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em que pese o esforço que tenho feito para convencê-lo no sentido de procurar cumprir o que expressou quando de sua despedida do Senado, ao afirmar que o Brasil tinha pressa de fazer justiça, só quer gastar em um restrito projeto de renda mínima, com o propósito de colocar crianças na escola - segundo disse o Senador Lúcio Alcântara, Relator do substitutivo que foi aprovado ontem na Comissão de Assuntos Econômicos, sem que ainda tenham sido votadas as emendas que serão apreciadas terça-feira próxima - apenas um quarto, Sr. Presidente, do quanto a administração direta do seu Governo irá gastar em publicidade. Sem contar o que farão as empresas estatais, os gastos em publicidade do Governo Fernando Henrique Cardoso, previstos na Lei Orçamentária de 1988, somarão R$420 milhões. Para a renda mínima, o Governo diz que pode gastar pouco mais do que R$100 milhões.

Eis por que o substitutivo apresentado pelo Senador Lúcio Alcântara é tão restrito. Diz que o apoio dado pela União aos Municípios que adotarem a renda mínima relacionada à educação, para cada família de rendimento inferior a R$60 mensais, correspondendo a 50% do custo, será definido pela seguinte equação: R$15,00 vezes o número de crianças até 14 anos, menos metade da renda familiar per capita. No caso de uma família com uma mãe e uma criança com renda familiar de R$112 mensais, a fórmula resultaria em benefício negativo igual a menos R$13, o que é uma irracionalidade difícil de ser explicada por qualquer prefeito.

Para corrigir essa inconsistência, proponho, em acordo com o que já havia sido proposto pela Senadora Marina Silva e com as emendas que propôs na Comissão de Assuntos Sociais a Senadora Emilia Fernandes, com substitutivo aprovado pela Comissão de Educação, que o apoio da União seja dado pela seguinte equação: 40% da diferença entre (R$60,00 vezes o número de pessoas na família menos a renda familiar). Assim, no caso de uma família com pai, mãe e duas crianças com renda familiar, digamos, de um salário mínimo, R$120,00, a quantia dada pela União, correspondendo a 50% do benefício, seria de R$48,00. Haveria um outro complemento dos outros 50% que o Município e/ou mais o Estado daria, totalizando R$96,00. A alíquota de 40% poderá ser modificada pelo Executivo, para mais ou menos, dependendo da disponibilidade de recursos.

A outra limitação está na abrangência, pois o Governo quer que o apoio fique restrito aos municípios com renda e arrecadação per capita inferiores à média do Estado. Como, em cada Estado, cerca de 40% dos Municípios estariam acima da média, somente 60% dos Municípios passariam a ter aquele apoio. As famílias pobres de Municípios melhor aquinhoados estariam sem receber o benefício, o que contraria o princípio básico de nossa Constituição de que todos os homens e mulheres são iguais perante a lei. O apoio seria gradualmente ampliado ao longo de cinco anos, iniciando-se pelos Municípios 20% mais pobres e, sucessivamente, até que no quinto ano 60% dos Municípios recebessem a ajuda. No quinto ano, segundo os dados do PNUD, de 1995, cerca de 2 milhões e 100 mil famílias seriam beneficiadas.

Proponho que isso seja introduzido gradualmente, ao longo de oito anos, podendo o Governo acelerar, se tiver vontade e recursos, a cada ano, o que beneficiaria 1/8; primeiro, o mais pobre e, progressivamente, até o último, universalizando-se o direito para todo o território nacional - dessa forma, 9 milhões de famílias seriam beneficiadas. A partir do nono ano, todas as famílias de renda inferior a R$60,00 mensais, mesmo aquelas sem crianças em idade escolar, passariam a ter direito.

Se aprovada essa proposição, portanto, em vez de 2,1 milhões de famílias, seriam beneficiadas 9 milhões e, em vez de se gastar, no primeiro ano, cerca de aproximadamente R$100 milhões, gastar-se-iam aproximadamente R$400 milhões.

Portanto, se o Governo aceitar essas sugestões, gastará, no primeiro ano, com a renda mínima relacionada à educação, o mesmo que pretende utilizar em publicidade. Somente no oitavo ano, haveria um gasto de R$4,1 bilhões, em vez de, ao final do quinto ano, R$1,1 bilhão, quantia a que o Governo gostaria de limitar os seus gastos com tal programa.

Trata-se, Sr. Presidente, de se dar um passo concreto na direção de maior justiça. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso quiser fazer jus a sua expressão de que o País, a Nação, o Brasil tem pressa, então, é preciso que se apresse de fato na realização de justiça, não apenas na questão da publicidade.

Ainda ontem, entrei com um requerimento de informação, solicitando ao Ministro-Chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, para que informe com precisão qual o gasto em publicidade que o Governo vem realizando com respeito aos resultados positivos do programa Bolsa Criança Cidadã - pois quem assistiu à televisão nessas últimas semanas tem notado que volta e meia o Governo anuncia que 30 mil crianças já estão sendo beneficiadas por esse programa introduzido pela Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, nas plantações de sisal da Bahia, nos canaviais de Pernambuco e nas madeireiras do Norte. A quantia de R$15 milhões está sendo gasta nesse programa, que beneficiará, repito, 30 mil crianças. Mas o universo a ser beneficiado, segundo o próprio Governo, no que se refere às crianças de 7 a 14 anos, é de pelo menos 2 milhões e 700 mil crianças.

Quanto está gastando o Governo - essa é minha pergunta ao Ministro Clóvis Carvalho - com a publicidade? Isso porque o Governo, em termos da sua propaganda, já abraçou a idéia. Em frente ao Congresso Nacional, nos Ministérios, nós observamos, por exemplo, faixas enormes que dizem o seguinte: "O Brasil quer toda criança na escola. Bem tratadas". Esse é o objetivo do Ministro da Educação, Paulo Renato Souza.

Hoje, ouvi pelo rádio o Ministro anunciar um programa de abono a cada criança que entrar na escola. Esse abono seria de R$126,00.

Quero ainda compreender, Sr. Presidente, como é que se relaciona a proposta que o Senado Federal está prestes a aprovar com o que o Governo está anunciando, pois tanto o Projeto Bolsa Criança Cidadã quanto esse novo programa ao qual se referiu o Ministro da Educação não são propostas feitas mediante projeto de lei. Que as iniciativas se estabeleçam, muito bem! Mas, Sr. Presidente, devemos ter a preocupação de que elas aconteçam na prática, e não tanto na tela da televisão, onde se gasta bastante.

Pela publicidade, parece que todas as crianças já saíram das ruas, do trabalho e da prostituição infantil, da colaboração com narcotraficantes, e estão todas indo para a escola. No entanto, sabe-se que, na realidade, não é bem assim. Por essa razão, pergunto quanto é que o Governo está gastando em publicidade, já que os recursos são tão modestos e restritos.

A decisão a que me referi, Sr. Presidente, será tomada na próxima terça-feira. Conclamo, portanto, os membros da Comissão de Assuntos Econômicos para se fazerem presentes à reunião. O Senador Valmir Campelo e o Senador Nabor Júnior são testemunhas participantes - votaram em 16 de abril de 1991 - da votação que contou com a presença e voto do Senhor Presidente da República, então Senador e Líder do PSDB, mediante a qual o Senado aprovou proposta muito mais ousada, instituindo o Programa de Garantia de Renda Mínima. Essa proposição ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados, onde há um parecer favorável do ex-Líder do Governo, Deputado Germano Rigotto.

Sr. Presidente, nós, do Bloco da Oposição, não quisemos obstruir, razão pela qual votamos favoravelmente ao substitutivo do Senador Lúcio Alcântara. No entanto, queremos ainda ter o direito de partilhar essas preocupações com nossos colegas, convencê-los de que o projeto pode avançar, ter maior racionalidade. Essa é a decisão importante de terça-feira próxima. Por que não seria adequado votar contrariamente?

Aqui, estamos levando em conta as lições da História, Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo. Por exemplo, em seu livro The Politics of a Guaranteed Income, The Nixon Administration and the Family Assistance Plan, o hoje Senador Daniel Patrick Moynihan relata como em 1969 ajudou o Presidente Nixon. Ele, que antes tinha trabalhado com os Presidentes Jonh Kennedy e Lyndon Johnson, e havia justamente arquitetado programas de combate à pobreza, ajudou a formular o Family Assistance Plan, um plano de assistência à família, pelo qual em 1969 toda família cuja renda não atingisse US$3,9 mil anualmente passaria a receber 50% da diferença entre essa quantia e a renda da família. O projeto passou na Câmara dos Deputados por dois a um, em proporção, e entretanto, na Comissão de Finanças do Senado perdeu por dez a seis. E quando o Presidente Nixon apresentou o projeto novamente, em 1970, 1971, o resultado foi semelhante. O autor aqui pondera que aqueles que estavam num espectro mais progressista, no sentido americano da palavra liberal, passaram a exigir muito: queriam algo que o Governo não estava disposto a aceitar. Com isso, acabaram ficando com nada.

Não é esse o nosso caso. Não quero ficar com nada. Prefiro que seja dado um primeiro pequeno e modesto passo, mas quero que haja racionalidade e consistência. Sinto-me na responsabilidade de mostrar que estamos querendo aprovar algo que é muito pouco. Não vou votar contrariamente, mas estou mostrando que aquilo que o Governo planeja gastar no próximo ano é um quarto do que a Administração Direta pretende gastar somente em publicidade. Na própria mensagem orçamentária do Governo para 1998, estão previstos gastos em publicidade da ordem de R$420 milhões, sem contar o que a Petrobrás, o BNDES, a Caixa Econômica Federal e tantas instituições públicas federais gastam. Só a Administração Direta prevê gastar US$420 milhões.

A outra lição é dada pelo economista James Edward Meade, autor de Agathotopia: The Economics of Partnership. Nessa obra, esse Prêmio Nobel de Economia de 1977, que faleceu em 1995, conta a sua longa jornada para encontrar a Utopia. Por mais que tivesse navegado, buscando a Ilha de Utopia, ele não conseguiu encontrá-la. No caminho de volta, deparou-se com a Agathotopia, cujos moradores não diziam onde se situava a Utopia, embora eles o soubessem. Ele percebeu - disse-lhe um amigo de Agathotopia, um outro economista - que os agathotopianos eram muito diferentes dos utopianos, porque estes, afinal, eram seres humanos perfeitos e viviam num lugar perfeito, enquanto que os agathotopianos haviam apenas construído um bom lugar.

Ele, então, resolveu estudar as instituições de Agathotopia e observou que elas eram as melhores que existiam para se alcançar, ao mesmo tempo, os objetivos de liberdade, no sentido de cada pessoa fazer aquilo de que mais gosta, consistente com sua aspiração e vocação, e poder gastar o que ganha naquilo que considera adequado; de igualdade, no sentido de não haver grandes disparidades de renda e de riqueza; e de eficiência, no sentido de se obter um maior padrão de vida possível com os recursos e a tecnologia vigentes.

E esses instrumentos, os arranjos sociais e institucionais para se alcançar aqueles objetivos, eram: muita flexibilidade de preços e salários para ajudar na eficiência da alocação, muita cooperação entre o trabalho e o capital e a existência de uma renda de cidadania, ou seja, um dividendo igual para todos. Mas adverte James Edward Meade, ao final do seu livro, que não se procure chegar, mesmo a esse mundo melhor, de um dia para o outro, porque normalmente, quando se quer alcançar tudo de uma vez só, a História ensina que podem ocorrer rupturas, curtos-circuitos, situações cataclismáticas. Então, o importante é que se dêem os passos corretos na direção certa. E é isso o que estou propondo ao Senado Federal e ao Governo Fernando Henrique Cardoso.

É preciso, Sr. Presidente, que o Brasil não contribua para que se multiplique o número de pessoas vivendo em miséria, em pobreza absoluta. Disse ontem o relatório da ONU que cerca de R$1,3 bilhão de pessoas hoje vivem com menos de um dólar por dia, apesar do crescimento da riqueza mundial.

Por ocasião do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o número de pobres cresce cerca de 25 milhões por ano, e aproximadamente um quarto da população mundial vive na pobreza, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Esse cálculo é baseado em definição do Banco Mundial e da ONU, segundo o qual as pessoas que sobrevivem em pobreza absoluta são aquelas que vivem com até U$370 por ano.

Sr. Presidente, gostaria de, na minha conclusão, fazer um registro. A Coligação Movimento Muda Campo Grande, integrada pelo PPS, PSB, PCdoB e Partido dos Trabalhadores, por seu diretório municipal, e o candidato, Deputado Zeca, às eleições municipais de Campo Grande visitaram anteontem o Ministro Ilmar Galvão, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, para mostrar-lhe a ação constitucional de impugnação dos mandatos eletivos ocorrida diante das fraudes, da evidência de abuso de poder econômico e corrupção que vieram contrariar a vontade do povo nas eleições de Campo Grande, no segundo turno, no ano passado. Pediram ao Ministro Ilmar Galvão que a Justiça Eleitoral decida o mais rapidamente possível sobre esse assunto.

É preciso, Sr. Presidente - acredito mesmo que para o próprio Prefeito André Puccinelli, de Campo Grande -, que haja decisão, o quanto antes, sobre se foi legítima ou não a sua eleição. E o Presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Ilmar Galvão, mencionou aos advogados, ao Deputado Luís Eduardo Greenhalg, a mim próprio e ao Deputado Zeca, que irá solicitar à Justiça, no Mato Grosso do Sul, que decida o quanto antes sobre essa matéria.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1997 - Página 22286