Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO MEDICO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO MEDICO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1997 - Página 22464
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MEDICO, ANALISE, CONDIÇÕES DE TRABALHO.
  • APREENSÃO, REDUÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, MEDICINA, BRASIL, COMENTARIO, ESTATISTICA, SITUAÇÃO, ENSINO SUPERIOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que é extremamente difícil comemorar-se o Dia do Médico se o isolarmos do contexto em que trabalha. Esse contexto é o da assistência médica, o das condições de saúde do povo brasileiro, do desempenho dos governos com relação a esse assunto que tanta inquietação desperta nas populações.

Não podemos analisar o Médico isoladamente, como profissional, ainda reconhecendo que, por sua formação, por seu conhecimento, por sua condição, é o líder da equipe de saúde. É o Médico quem lidera o grupo, o que não é nenhum demérito para os demais profissionais da área, até porque não se pode falar em moderna saúde pública, moderno atendimento médico se não pensarmos numa equipe multiprofissional. No entanto - repito - a capacidade de liderar essa equipe é do Médico. Nada mais justo, portanto, que o reverenciemos nesse dia. Devemos ressaltar que esse profissional é um produto do meio, das condições em que vive, em que trabalha, em que opera, e são condições cada dia mais difíceis.

Todos nós, que temos alguns anos a mais, temos ainda bem presente nas nossas mentes o que significou o profissional médico para nós. O pediatra, aquele que convivia e que detinha a confiança da família, era um profissional que muitas vezes era chamado para opinar e partilhar de decisões da família que não se referiam rigorosamente ao campo da sua atuação profissional, tal era a confiança a respeitabilidade de que dispunha, tal era o comportamento, os laços que se criavam entre a família e esses profissionais.

Isso não é saudosismo, porque, de lá para cá, os fatos mudaram muito. Mudou a sociedade, mudaram as relações de trabalho. O médico, hoje, não é mais, ou raramente é, aquele profissional liberal do passado. Ele se proletarizou; é, fundamentalmente, um empregado, ou do serviço público ou de uma empresa privada, de tal sorte que somente a alguns está reservada aquela condição de profissional liberal. São hoje detentores de conhecimentos tão especializados, que se transformaram até em paradigmas profissionais, em modelos a ser reconhecidos pela sociedade.

"Os médicos no Brasil - um retrato da realidade", por iniciativa do Conselho Federal de Medicina, foi publicado recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz. Não citarei aqui os dados porque são numerosos, mas esse livro traça um quadro do profissional médico no Brasil de hoje: quantos empregos precisa ter para sobreviver, qual a renda média que consegue amealhar com seus recursos, quais são as suas relações de trabalho, a sua especialidade, quais são os locais onde vivem, o que pensam. Essas e outras questões estão nele abordadas. Trata-se de um levantamento minucioso e muito interessante, que permite melhor compreensão da atuação do médico no Brasil de hoje.

           O médico desenvolve na sociedade uma relação muito paradoxal. A relação da sociedade de uma maneira geral, da imprensa, dos meios de comunicação com os médicos é, eu diria, de amor e ódio. Ao mesmo tempo em que se elogia, em que se destaca o trabalho de muitos profissionais abnegados, profissionais que têm grande senso de humanismo, de solidariedade e que, portanto, se dedicam de corpo e alma ao exercício da sua profissão. Há uma outra visão sobre os médicos, sobre a sua forma de agir, de cobrar, de se conduzir perante os clientes, dos atendimentos massificados nas grandes filas dos ambulatórios públicos, dos atendimentos superficiais, dos erros médicos.

           Sr. Presidente, Srs. Senadores, um dia desses estava-me perguntando sobre essa questão do erro médico, que é momentosa e já tem suscitado muita revolta em famílias, na sociedade; a. imprensa, de vez em quando, traz esse assunto à baila. Por descaso, imperícia ou incompetência, têm acontecido muitos casos dolorosos e ninguém pode defender impunidade para o médico por causa disso. O que precisa ser feito é um processo criterioso, para examinar realmente se a sua conduta estava dentro daquela faixa de risco que é inerente a certos atos médicos praticados; por mais competente que ele seja; verificar se não houve realmente uma imperícia ou uma desídia profissional.

           Nunca ouvi falar, por exemplo, de erro dos economistas. V. Exªs já ouviram falar nisso? Os economistas formulam suas teorias, impõem-nos garganta abaixo certos planos econômicos e depois há um desastre total, com destruição de empresas , desmantelamento da economia, morre até gente.

           O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Os do Plano Cruzado, por exemplo.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Os do Plano Cruzado e outros mais por aí. Depois ficam lampeiros e ainda vão ganhar dinheiro fazendo conferências pelo Brasil, escrevem artigos, dão lição e recriminam os políticos.

           Nunca vi um economista ser castigado e criticado dura e impiedosamente por ter cometido erros econômicos. A política econômica tem um espectro de abrangência muito amplo e as suas conseqüências se fazem sentir, portanto, por uma larga faixa da sociedade.

           Sr. Presidente, fiz esta digressão apenas para falar sobre um documento muito importante, lançado recentemente, da Comissão Intra-institucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico.

           Como anda o ensino médico no Brasil? Não vai bem. As conclusões dessa Comissão, que foram, em parte, resumidas em dois artigos publicados pelo jornalista Márcio Moreira Alves, em O Globo, causam-nos, de certo modo, grande preocupação. Queira ou não a sociedade, o médico é um profissional que tem condições particularíssimas, e não o digo no sentido de deificá-lo ou transformá-lo em alguém que está acima do bem e do mal, mas com o intuito de reconhecermos que as suas tarefas e as suas responsabilidades colocam-no em uma situação singular no contexto das diversas atividades profissionais reconhecidas no mundo de hoje. Portanto, é necessário que se tenha para com ele não só uma atenção, uma espécie de reconhecimento, mas também exigências. Isso pressupõe certo comportamento moral, certo nível de conhecimento, que são exigências fundamentais para que possa praticar sua arte.

           Vou ler apenas alguns dados desses dois artigos que são muito interessantes. Primeiro, desde 1965 existem mais escolas de Medicina privadas do que públicas. Esse é um dado importante, porque sabemos, por exemplo, que um hospital de clínicas requer um investimento muito grande. Se esses hospitais não tiverem boas condições, se o ensino básico da Medicina não estiver bem orientado, se os laboratórios não tiverem os aparelhos e os instrumentos indispensáveis, esse ensino vai ficar muito comprometido.

           A maioria dos professores tem menos de 39 horas de trabalho por semana. Os estudantes abordados responderam corretamente apenas 51% das perguntas formuladas por um grupo formado para aferir a qualidade do ensino médico. Como diz o jornalista Márcio Moreira Alves, eles sabem a metade do que deveriam saber.

           A satisfação dos professores com as condições financeiras é inversamente proporcional à sua titulação e ao tempo que dedicam ao ensino. Apenas 30% dos professores recebem mais de 50% dos seus ingressos no trabalho de ensinar, quer dizer, o ensino médico ainda é um “bico”, porque não é daí que vem a renda que mantém esse professor.

           Nos últimos anos, apenas 41,4% dos docentes publicaram artigos em revistas nacionais de Medicina; 25%, em revistas internacionais; somente 5,5% escreveram livros, e 10,4% foram convidados a fazer palestras no exterior.

           Os professores que trabalham na gestão das faculdades são, em geral, mais velhos, e em 75% dos casos não têm treinamento específico em administração. Aliás, esse é um mal do ensino superior. Por exemplo, uma professora do ensino fundamental, numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte ou do Mato Grosso do Sul, tem que fazer um curso de Pedagogia, aprender como é que se ensina, como se dirigir ao aluno, mas alguém pode ser professor de uma faculdade de Medicina, de Engenharia ou de Direito, a melhor que possa haver no Brasil, sem nunca ler uma linha sobre Pedagogia, isto é, não se exige desse professor também alguns conhecimentos mínimos que lhe permitam lidar em melhores condições técnicas com os alunos e desenvolver a sua condição de professor.

           Ainda com relação aos professores e sobre a política de incentivo à capacitação profissional: apenas 31% dos docentes têm mestrado; 20%, doutorado, e 7% é especializado em Educação. Ou seja, pode-se ser professor da melhor faculdade do País sem que se tenha noção de técnicas educacionais. Isso não é uma exigência.

           Não é possível, por essa pesquisa, até porque ela não tinha esse objetivo, fazer um ranking de faculdades de Medicina no País.

           Há anos, nos Estados Unidos, foi nomeada uma comissão, quando se chegou à conclusão de que o ensino médico era muito precário, no início do século, salvo engano, que fez um amplo estudo, depois publicado com o nome de Relatório Flexner. Este relatório recomendou o fechamento de várias faculdades de Medicina naquele país, o que de fato aconteceu, porque não eram dotadas das mínimas condições para oferecer um ensino médico de qualidade aos seus alunos.

           No Brasil - não creio que seja o caso de reserva de mercado, não é isso -, há, de novo, uma tendência, invocando o princípio da autonomia universitária, de se abrirem novos cursos médicos no País. Considerando-se que a faculdade de Medicina exige bastantes recursos, seja recurso humano, sejam instalações, hospitais, aparelhos, equipamentos, o que é caro, não é possível, em nome dessa autonomia, permitir-se a abertura indiscriminada de novos cursos médicos.

Devemos estar atentos a isso, até porque é preciso assegurarem-se padrões mínimos de funcionamento para essas escolas. Por isso, inclusive, o Ministério da Educação tem ingressado em juízo com o intuito de barrar a abertura desses cursos que, numa atitude temerária, abrem inscrição para o exame vestibular sem autorização do Ministério da Educação ou do Conselho Nacional de Educação, criando um fato consumado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, isso evidentemente não contribui para a melhoria do ensino no nosso País. Aliás, dirijo-me ao Senador Romeu Tuma para fazer-lhe um apelo. Recentemente, a Rede Globo denunciou o que estava ocorrendo no Estado do Rio Grande do Norte - aliás, isso pode ocorrer em qualquer outro Estado -, a respeito do abuso, da imoralidade que está ocorrendo em matéria de transferências entre faculdades neste País. É uma vergonha! No Ceará - pasmem V. Exªs - por força de uma decisão da Justiça, matriculou-se na faculdade de Medicina um aluno que cursava a de Veterinária. Não sei se V. Exªs. alcançam o meu pensamento. Mas isso aconteceu sob o argumento de que o aluno seria transferido para o Ceará - ou deveria sê-lo - e a faculdade que mais se aproximava à de Veterinária era à de Medicina. Houve um outro caso onde a Justiça determinou que um aluno, independentemente das notas obtidas nos exames, fosse matriculado na série tal. O que a lei quis, ao assegurar a transferência automática, foi resguardar os casos de transferência de pais de alunos em função de suas atividades profissionais - militar, bancário, funcionário público federal e até mesmo Parlamentar - que tenham de se mudar das cidades onde vivem por força de sua profissão. Se um de nós, Senador ou Deputado Federal, ao sermos eleitos, nos mudamos para Brasília, é justo e razoável - como também o é no caso dos militares, dos bancários ou dos funcionários públicos - que os nossos filhos tenham a sua matrícula assegurada.

Mas, Sr. Presidente, está-se levando isso a um tremendo exagero, inclusive com transferência de alunos de escolas de outros países. Tomei conhecimento de que há um projeto no Senado que visa coibir esses abusos. Ao que me parece, o seu Relator é o Senador Romeu Tuma. Espero que S. Exª possa oferecer o seu parecer o mais rápido possível, com a competência que lhe é peculiar.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há muito o que comemorar no Dia do Médico. Na verdade, fazemos constatações que apenas nos mostram que o Brasil, não só nesse setor como em outros, é extremamente desigual.

Temos em nosso País centros médicos avançadíssimos. Aliás, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros Estados têm centros que se igualam aos mais avançados do mundo. Mas, ao mesmo tempo que estamos avançados em determinadas áreas, há outras situações em que a condição é de verdadeira penúria, onde o médico trabalha em ambientes absolutamente hostis e inadequados para prover o mínimo de qualidade à assistência que presta a esses pacientes.

Essa questão, como todos sabem, está intimamente ligada à da saúde e à da assistência médica no País, que demanda providências por parte do Governo.

Votamos a CPMF, instituição que contribuiu especificamente para a saúde. Mas, infelizmente, essa contribuição não significou um adicional aos recursos disponíveis para a saúde. Quase toda ela foi consumida, ora para pagar empréstimos que o Governo havia contraído para financiar ações de saúde, ora como uma simples substituição de fontes: entrou a CPMF e saiu a fonte Tesouro Nacional, quando, na verdade, estamos precisando de reorganização dos serviços, fortalecimento das ações assistenciais. Esperamos que o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso possa responder a essas exigências para permitir uma assistência médica digna, compatível com as necessidades e as esperanças do povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1997 - Página 22464