Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO EDITORIAL DA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO SABADO, INTITULADO 'JUSTIÇA OU LEI DO CANDANGO?', RENOVANDO FATOS QUE ENVOLVERAM S.EXA. QUANDO GOVERNADOR DA PARAIBA.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO EDITORIAL DA FOLHA DE S.PAULO DO ULTIMO SABADO, INTITULADO 'JUSTIÇA OU LEI DO CANDANGO?', RENOVANDO FATOS QUE ENVOLVERAM S.EXA. QUANDO GOVERNADOR DA PARAIBA.
Aparteantes
Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1997 - Página 22529
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, ENDEREÇAMENTO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, RESPOSTA, EDITORIAL, REGISTRO, POSIÇÃO, REFERENCIA, LEI DE IMPRENSA, ESPECIFICAÇÃO, DIREITO DE RESPOSTA.
  • JUSTIFICAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, REDUÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal Folha de S.Paulo, um dos mais conceituados e respeitados órgãos de imprensa de nosso País, publicou, sábado passado, um editorial com o título maniqueísta "Justiça ou Lei do Cangaço". Título que, por si só, não só pelo seu maniqueísmo mas por encerrar uma ofensa ético-político-jurídica, merece e mereceu de minha parte algumas considerações.

Remeti àquele órgão uma carta em que analiso o enfoque dado pelo editorial, estranhando que o assunto tenha sido levado à consideração de um editorial, sem uma razão maior, já que fui escolhido entre tantos dentro do Congresso Nacional para aquele comentário. Não acredito, Sr. Presidente, Srs. Senadores, em coincidências. Nada acontece por acaso.

Adotei nesta Casa, Sr. Presidente, por absoluta convicção jurídica, uma posição clara em defesa de prerrogativas da magistratura. Proclamei que não posso confundir - nem se deve confundir - prerrogativas de poder com privilégios de servidor.

Defendi, também, Sr. Presidente, Srs. Senadores, de forma enfática, incisiva, clara, projeto de lei do Senador Roberto Requião assegurando o direito de resposta quando das agressões, porventura assacadas em órgãos de imprensa, rádio, jornal ou televisão, de modo a permitir prazos razoavelmente curtos para resposta. Sabemos nós que aqui e ali cidadãos são vítimas de agressões morais, de insultos os mais torpes e os mais vis, e que ficam por isso mesmo.

As respostas que se dão, quando merecem atenção, são publicadas como "Cartas do Leitor". Não se dá destaque nem respeito às posições daquelas pessoas que são atingidas em sua honra, em sua dignidade.

Eu disse que não defendia privilégios para ninguém e que não acreditava - nem acredito - que a imprensa queira privilégios na Lei de Imprensa. Não creio que sejam privilégios muitas das prerrogativas já existentes na Lei Penal. Qualquer cidadão, ao ser condenado, vai para a prisão comum. Mas há pessoas, há categorias que, pela sua projeção e pelas prerrogativas de poder que exercem, vão para a prisão especial. Jornalista, por exemplo, vai para prisão especial. E não acho que isso seja privilégio. Penso que é prerrogativa, direito, como é direito, por exemplo, o Parlamento preservar-se contra determinados ataques e situações. Daí o Direito Constitucional de todos os países do mundo assegurar a imunidade, não como proteção do parlamentar, mas como garantia do Parlamento.

Não defendo penas pecuniárias, mas o direito de resposta, o direito de alguém que se sinta ofendido na sua honra, na sua dignidade, de dispor do mesmo espaço e do mesmo direito para sua defesa.

 

Quanto ao editorial devo dizer que, ao assumir esta Casa, apresentei perante o Plenário - e tramitam na Comissão de Justiça - duas propostas de alteração da Constituição Federal: uma em relação à imunidade, reduzindo-a, embora proclame e reconheça o princípio constitucional adotado em todos os países de que a imunidade é uma garantia do Parlamento e não privilégio do parlamentar. Apresentei uma outra proposta para que, em casos análogos àquele comentado pelo editorial, a competência fosse transferida para o tribunal do júri, independentemente de privilégio de foro ou prerrogativa de função. Em outras palavras: em ocorrendo o fato, o agente passaria a responder ao processo como cidadão comum.

Esses dois processos tramitam na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Faço agora um apelo ao seu Presidente para que dê andamento e celeridade à matéria para que possamos votá-la em plenário.

Com essas considerações, encaminhei ao jornal uma carta. Tenho certeza de que, mesmo não tendo sido ainda aprovado o projeto do Senador Roberto Requião, o jornal dar-lhe-á ênfase publicando-a na mesma página, com o mesmo destaque da matéria. Digo na carta que se há alguém que tem interesse no deslinde final da matéria esse alguém sou eu, pois já fui julgado, julgado não por um ato isolado, mas por toda minha história. Fui julgado pelo meu Estado, que me conferiu a mais consagradora votação já dada a um homem público, a um ex-governador candidato a Senador. Eis a carta:

“Sr. Diretor Editorial,

É coincidência em demasia que, após manifestações de minha parte na defesa de prerrogativas do Poder Judiciário sobre o projeto de lei do Senador Roberto Requião que trata do direito de resposta e a propósito da lei de imprensa - em que, certamente, a imprensa não reivindica privilégios -, venha a Folha de S.Paulo, em editorial, renovar fatos que me envolveram quando Governador da Paraíba e fazer cobranças especificamente em relação a mim.

O fato se deu antes da minha eleição para o Senado. Mesmo assim, uma das primeiras providências que tomei ao chegar a esta Casa foi apresentar proposta de emenda à Constituição que permitisse o processo de Parlamentar, independentemente de licença. Fi-lo mesmo sabendo que a imunidade, tal qual a consagra o Direito Constitucional de qualquer país, é uma garantia do Parlamento e não do parlamentar.

Apresentei também proposta de emenda à Constituição para assegurar o julgamento em casos análogos pelo tribunal do júri, independentemente de privilégio de foro ou de prerrogativa de função. O julgamento seria igual ao estabelecido para o cidadão comum.

 Já fui julgado e absolvido pelo povo do meu Estado, que me conferiu consagradora votação e uma eleição inédita para um ex-governador.”

 Abro parênteses aqui para dizer que, até então, na Paraíba, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nunca um ex-governador disputou imediatamente uma eleição e conseguiu eleger-se Senador.

Continuo:

“Esse povo assim agiu por conhecer em profundidade as minhas razões e a minha história. Esse julgamento assim se repetirá em qualquer outra instância ou tribunal.

Se há alguém interessado no deslinde final do caso, esse alguém sou eu.

O processo já poderia estar definitivamente arquivado - definitivamente arquivado - não fora a repentina e circunstancial modificação do entendimento jurídico a respeito, até então em voga nos tribunais para diversos casos semelhantes.

Tenho assistido ao episódio, a despeito das injustiças que se me cometem, com a mesma resignação com que assisti - e vivi - à cassação dos meu direitos políticos por longos doze anos, o que me levou à advocacia em São Paulo e no Rio de Janeiro e, portanto, fora do meu Estado de origem. Isso me valeu a condução ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por duas vezes. É a mesma resignação, Sr. Presidente, com que aguardo há dezessete anos o julgamento do assassino do meu irmão, Fernando Cunha Lima, ocorrido de forma brutal no Rio de Janeiro.

Sem mágoas, retornei à vida pública, resgatando minha carreira política iniciada como Vereador, Deputado Estadual, Prefeito por duas vezes, Governador e agora Senador.

Permito-me repetir o que já disse aos paraibanos: entrego-me, por isso, ao julgamento do meu tempo; tempo em que os homens públicos não se pertencem, nem no acerto de seus gestos nem nos desvios de seus equívocos; tempo de indignidade e de indignação; tempo de aviltamento dos valores éticos, mas de relevância dos valores morais, tempo de execração dos que não têm dignidade, mas tempo de dignidade dos que têm honra.

Confio em que, mesmo ainda não aprovado o projeto de lei do Senador Roberto Requião, esta resposta merecerá o mesmo espaço dedicado ao editorial, cujo título maniqueísta não condiz com a linha desse conceituado jornal, até porque as discriminações são impróprias à modernidade e à consciência ético-jurídica nacional.

Pela sua atenção agradeço,

Ronaldo Cunha Lima

Senador.

Sr. Presidente, esta é a carta que encaminhei.

O Sr. Humberto Lucena (PMDB-PB) - Sr. Presidente, peço licença para um aparte.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Tratando-se de um caso especial, V. Exª terá o aparte, embora ele não seja permitido em uma comunicação desse tipo.

O Sr. Humberto Lucena (PMDB-PB) - Quem me conhece na Paraíba - e todo o Estado me conhece, porque me concedeu essa votação consagradora não só para Governador como também para Senador - sabe que V. Exª é um homem fraterno por natureza e incapaz de fazer o mal a quem quer que seja. Mais do que isso, todos têm ciência e absoluta convicção de que, naquele episódio, V. Exª apenas agiu sob o impacto de violenta emoção. Muito obrigado.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Agradeço a V. Exª por sua manifestação, e ao Sr. Presidente pela concessão do tempo.

Quando as duas propostas que encaminhei a serem apreciadas pela Comissão de Justiça e após enviadas ao Plenário, tecerei outros comentários a respeito oportunamente. Tenho a certeza de que o julgamento que a Paraíba me fez qualquer tribunal fará, tendo em vista um fato ocorrido em um instante inesperado e desesperado da minha vida, em que era refém dos meus sentimentos e prisioneiro das emoções, emoções e sentimentos próprios do homem, mas, acima de tudo, próprios do pai.

Quem conheceu minhas razões, me absolverá. Em breve, quero trazê-las aqui.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1997 - Página 22529