Discurso no Senado Federal

ESTRANHANDO AS ALUSÕES CRITICAS FEITAS AO DR. ULYSSES GUIMARÃES, EM LIVRO DE MEMORIA E ENTREVISTA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL E FERNANDO COLLOR DE MELLO, RESPECTIVAMENTE.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • ESTRANHANDO AS ALUSÕES CRITICAS FEITAS AO DR. ULYSSES GUIMARÃES, EM LIVRO DE MEMORIA E ENTREVISTA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL E FERNANDO COLLOR DE MELLO, RESPECTIVAMENTE.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1997 - Página 22538
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, LIVRO, BIOGRAFIA, ERNESTO GEISEL, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEXATIDÃO, AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO.
  • ESCLARECIMENTOS, INEXATIDÃO, LIVRO, PARTICIPAÇÃO, ULYSSES GUIMARÃES, EX PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, IMPEACHMENT, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreu há dias o aniversário da morte do Dr. Ulysses Guimarães. Aguardei uma oportunidade para vir a esta Tribuna e fui surpreendido por dois fatos: os ex-Presidentes da República Fernando Collor de Mello e Ernesto Geisel publicam os seus livros de memória e fazem referências à figura do Dr. Ulysses Guimarães. São muito estranhas as afirmações que os dois fazem com relação ao Dr. Ulysses, querendo desmerecer uma figura que talvez represente hoje um dos maiores pavilhões de civismo da história do nosso País, uma figura que não foi nem Senador, que foi Ministro por um espaço muito curto no parlamentarismo do Dr. João Goulart, que não foi Governador, que não ocupou cargo nenhum de importância na história deste País. No entanto, marcou sua passagem indelevelmente porque, nas horas mais difíceis e amargas por que passou este País, foi o grande comandante. Ele teve a grandeza de presidir, de chamar, de abrir os braços e de conduzir um povo por mais de vinte anos em busca do seu destino. Essa foi a figura de Ulysses Guimarães, o grande estadista.

Ainda não li o livro de Ernesto Geisel, lançado no final da última semana no Rio de Janeiro. Mas sei que contém fatos que, segundo os jornais, chamam atenção pela coragem desse Presidente, como quando justifica a tortura, dizendo que há momentos determinados em que ela é compreensível. Percebi a frieza com que ele analisa companheiros seus como, por exemplo, o homem que ele escolheu como seu sucessor, o Presidente João Figueiredo. Notei, ainda, a franqueza com a qual relata a coragem que teve, criando inclusive um problema familiar em não manter Orlando Geisel no Ministério do Exército, na época, e em demitir Sylvio Frota, Ministro da Guerra, que estava num esquema contrário à perspectiva de abertura dele, General Ernesto Geisel.

Espantou-me o que disse esse General sobre Ulysses Guimarães:

"Ulysses Guimarães - nunca construiu nada na minha opinião; sempre fez sua demagogia, sua politicagem, mas jamais produziu. Coitado, já morreu. Sempre foi oposição, a não ser quando foi Ministro no regime Parlamentarista em 1961. De concreto na vida pública, Ulysses fez apenas um monstrengo que é a Constituição que está aí."

     O Sr. Ulysses não construiu a Constituição, nem ela sendo boa, nem no que tem de equivocado. O mérito do Dr. Ulysses foi de ter tido competência e sabedoria de conduzir aquela Constituinte. Há uma unanimidade nacional de que se não fora ele Presidente, com sua autoridade, com seu prestígio, com sua credibilidade, com o arrojo de suas decisões, aquela Constituinte não teria ocorrido e não se teria publicado a nova Constituição.

Dizer que o Dr. Ulysses não construiu nada, sequer um quilômetro de estrada é verdade. S. Exª não foi prefeito, não foi ministro, não foi governador. Se olharmos para a história da humanidade, se olharmos para os vultos que conduziram e movimentaram a história da humanidade, não me parece que tenham sido aqueles que tenham construído obras materiais os que deixaram reverência mais profunda e memorial, mais respeitável aos que vieram depois dele.

É claro que o General Ernesto Geisel nunca perdoou a comparação que o Dr. Ulysses fez dele com o ditador africano. Dizem vários amigos do Presidente Ernesto Geisel , à época, que a comparação com Idi Amin Dada o levou quase à loucura. Realmente, o Dr. Ulysses foi muito duro com a figura do Sr. Geisel. Mas o Presidente Geisel poderia ter tido a grandeza de dizer: "Foi uma honra para mim ter um homem da compostura do Sr. Ulysses Guimarães na Oposição ao meu governo; um homem que lutou contra o meu governo", um homem que foi o anticandidato, buscando, inclusive, numa eleição que não existia, percorrer o Brasil inteiro com a coragem e com o civismo da convocação de que o povo tinha de resistir.

Não li o depoimento do Presidente Geisel, mas, pelo que estou sentindo, pelo que está aqui, é um depoimento amargo, com poucas páginas, que achamos ter beleza. Mas, venho apenas para dizer que não será o depoimento do General Ernesto Geisel que vai obscurecer um milímetro a mais a biografia extraordinária do Dr. Ulysses Guimarães.

Presidente Collor de Mello.

Longa entrevista à Veja, páginas e páginas, só perdendo para a entrevista do Presidente Fernando Henrique, que saiu há pouco tempo. Aliás, acho que foi igual: 9 páginas.

Diz o Sr. Fernando Collor:

                  “Tenho que me cuidar para não me atrapalhar e trocar de Fernando -, que alguns chamam de Fernando I “

     Antes, no entanto, gostaria de fazer um gesto em reconhecimento ao Sr. Fernando Collor. Digo para o Senador Eduardo Suplicy que está sentado ali: foi longa a nossa caminhada para conseguir a CPI, que muitos não queriam pelo temor de como poderia terminar, mas o Congresso Nacional levou adiante. No entanto, convém esclarecer um fato, e isso é muito importante...

O SR. PRESIDENTE (Ronaldo Cunha Lima. Fazendo soar a campanhia) - Senador Pedro Simon, eu pediria permissão a V. Exª para informar que o prazo regimental para o encerramento da sessão se esgota às 18h30min. No entanto, não podemos nos privar de ouvir V. Exª, pois é um prazer aos ouvidos e ao espírito. Sendo assim, permito-me prorrogar o tempo da sessão para que V. Exª possa concluir o seu belo discurso.

O Sr. Eduardo Suplicy (PT-SP) - Nobre Senador, Pedro Simon, na hora que considerar adequada, peço-lhe que me conceda um breve aparte.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Quero, primeiramente, agradecer a gentileza doAdvogado, Senador, Governador e poeta que preside esta reunião.

Concedo o aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (PT-SP) - Prezado Senador Pedro Simon, sei que o Presidente da Constituinte e do PMDB, Deputado Ulysses Guimarães, foi amigo pessoal de V. Exª. Senti-me honrado, há duas semanas, quando o Prefeito de Rio Claro, Cláudio Mauro, do PV, convidou-me para estar em Rio Claro na semana de homenagem a Ulysses Guimarães pela passagem do seu aniversário e, ao final da mesma semana, pelo aniversário de seu falecimento. Fui convidado a ir à sua terra natal prestar uma homenagem àquele por quem também tive sempre o maior respeito. De S. Ex , às vezes, discordei, mas com ele aprendi extraordinariamente. Quando ingressei na política, fui consultá-lo sobre como era ser parlamentar, sobre o que eu deveria fazer e se deveria ou não fazê-lo. Ingressei, em 1977, no MDB e dialoguei com S. Exª sobre a decisão de ser, pela primeira vez, representante do povo. A grandeza de Ulysses Guimarães, seu amor pela liberdade, pela democracia, a compreensão que S. Exª tinha dos métodos para exercer a democracia - participação, transparência, dignidade, ética na vida política - constituem o patrimônio que S. Ex deixou para todos nós. E ele se distinguia muito de pessoas que assim não pensavam. Ele se distinguia extraordinariamente de pessoas como o Presidente Ernesto Geisel, que, nessa entrevista, tem a coragem de revelar que considera a tortura necessária. Jamais Ulysses Guimarães, assim como V. Exª e eu, poderíamos concordar com a afirmação do Presidente Ernesto Geisel de que em alguns casos se faz necessária a tortura. E ele fez mais uma revelação impressionante. Não quero ser impreciso. Talvez convenha a V. Exª ler o trecho que muito me chocou. Diz que membros da Inteligência Brasileira, membros do serviço de segurança do Brasil foram encaminhados à Inglaterra para aprender com o Serviço de Informações da Inglaterra sobre como torturar.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Também me preocupo e não analiso a notícia, porque é um assunto muito delicado. Diz a notícia - e queira Deus que não seja verdadeira - que eles foram à Inglaterra aprender a fazer tortura e conseguir mantê-la em sigilo, diferentemente do que ocorria no Brasil, onde todos ficavam sabendo.

Espero que não seja verdadeira a notícia. É tão cruel que quero ler no livro antes de comentar a revelação. Mas a imprensa diz que os militares do SNI foram à Inglaterra aprender como torturar para buscar confissões mantendo silêncio sobre o fato. Aqui toda a imprensa ficava sabendo.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Vejo que aí está a diferença fundamental entre Ulysses Guimarães e Ernesto Geisel, ou seja, no que um e outro diferiam E prefiro ficar com Ulysses Guimarães.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Muito obrigado a V. Exª.

O que diz Fernando Collor de Mello de Ulysses Guimarães:

      "*Causou-me especial emoção a solidariedade que recebi do Deputado Ulysses Guimarães naquele período duro de expectativa. Dr. Ulysses me visitou e me privilegiou com conselhos muito úteis, para enfrentar os dissabores que já não eram poucos e que se agravariam dali em diante. Todo o tempo assegurou-me o seu apoio - e o dos que o seguiram - afirmando que votaria contra o impeachment. Como demonstração de seu afeto, presenteou-me com um livro..."

      "Prometeram-lhe que a Vice-Presidência renunciaria logo após a minha condenação...*"

E assim mudaram o voto do Dr. Ulysses. Dr. Ulysses teria garantido a ele que votaria contra o impeachment. Mas, antes da votação, asseguraram ao Dr. Ulysses que haveria o impeachment do Sr. Fernando Collor de Mello, a renúncia do Sr. Itamar Franco e o Sr. Ulysses Guimarães assumiria a Presidência. Baseado nisso, Ulysses votou a favor do impeachment.

E fala, em sua entrevista, o Sr. Fernando Collor de Mello, do esquema de corrupção e de compra de votos dos parlamentares, de como ele tinha ampla maioria na CPI e depois essa maioria desapareceu.

Primeiro ponto: no início, o Dr. Ulysses - nunca me esqueço - veio ao meu gabinete realmente preocupado com a CPI: "Pedro, logo tu, do Rio Grande do Sul, onde uma CPI terminou no suicídio do Dr. Getúlio Vargas e outra terminou no golpe do Sr. João Goulart."

Fazer CPI contra Presidente da República termina de maneira imprevisível.

Quando se mostraram ao Presidente Ulysses Guimarães os fatos, quando chamamos - e acho que o Senador Suplicy foi chamado também - e mostramos a ele os fatos que ele não conhecia, ele saiu dali e deu uma declaração coletiva à imprensa prestando solidariedade total ao impeachment do Presidente Collor.

Então, é verdade que, no início, o Dr. Ulysses era contra a CPI. É verdade que o Dr. Ulysses se angustiava. É verdade que não passava pela cabeça dele que uma CPI terminaria certo como terminou a nossa, sem golpe, sem violência, sem fechamento do Congresso ou coisa semelhante.

Mas quando tomou conhecimento dos fatos que envolviam o Sr. Collor, ele foi o primeiro a aderir.

Segundo ponto: não conheço - e desafio o Sr. Collor a me dizer - um Parlamentar que foi procurado ou levou qualquer tipo de vantagem para mudar seu voto na CPI.

Na CPI, no início, a maioria era a favor do Sr. Collor. Era uma minoria que tentava mostrar os fatos. Mas, à medida que os fatos foram aparecendo, basicamente depois do depoimento do seu irmão Pedro Collor e do depoimento do motorista mostrando as provas e abrindo as contas, os fatos foram tão evidentes que os Parlamentares foram mudando.

Só há uma coisa que quero dizer aqui, Sr. Presidente - não sei se o Senador Eduardo Suplicy concorda comigo. Sou obrigado a reconhecer que - não sei se por vaidade, não sei se porque o Sr. Fernando Collor achava que ele era um semideus e que jamais seria atingido - não vi pressão do Governo do Sr. Collor sobre a CPI. Essa justiça quero fazer. O Banco Central e a Fazenda trabalharam mostrando os números. Em nenhum momento, o Governo do Sr. Collor impediu que criássemos a CPI e que a CPI investigasse. Quanto a isso, Sr. Presidente, faço justiça. Não houve coação. O Governo Collor não tentou comprar nem agarrar votos a seu favor.

Mas a recíproca é verdadeira, Sr. Presidente. Talvez por isso seja difícil se encontrar na história uma CPI que tenha agido com tamanha integridade, pois observou os fatos, buscou a verdade; não sofreu coação do Governo ou de quem quer que seja para que deixasse de funcionar ou agisse, como Lacerda contra Getúlio Vargas, movida pelo ódio e rancor.

Disseram que Ulysses Guimarães era favorável a Fernando Collor de Mello, a quem levara solidariedade e dera seu voto em virtude de lhe terem prometido a Presidência. Prometeram que, após a CPI, sairia Fernando Collor, Itamar Franco, e S. Exª seria Presidente da República. Trata-se de uma humilhação à imagem do Dr. Ulysses, que não merece isso.

Sr. Presidente, em um país onde cultivar a história e a memória não é uma realidade, ao menos nós, que convivemos com essa história, devemos esclarecer os fatos à medida que aparecem. Dois ex-Presidentes da República, coincidentemente, no prazo de um mês, dão notícia de duas autobiografias, algo que considero altamente positivo, corajoso.

Merece respeito o General Ernesto Geisel, que não era dado a entrevistas, que era um homem totalmente contrário a manifestações públicas, por ter tido a coragem de fazer gravações de quarenta horas para serem publicadas depois de sua morte. Podemos discordar, mas devemos respeitar o gesto do ex-Presidente. Não deixa de ser estranho que os dois vejam da mesma maneira a integridade, a seriedade e a credibilidade de um homem como o Dr. Ulysses.

Agradeço a tolerância de V.Exª, Sr. Presidente . No pronunciamento que inicialmente seria uma homenagem ao Dr. Ulysses, defendo a sua memória e a de dois ex-Presidentes. Tentaram atingi-los, mas acredito que não conseguiram.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1997 - Página 22538