Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONJURAÇÃO BAIANA DE 1798, MAIS CONHECIDA COMO REVOLTA DOS ALFAIATES OU REVOLTA DOS BUZIOS, EPISODIO SIGNIFICATIVO DA LUTA SECULAR DO POVO BRASILEIRO PELA JUSTIÇA E A LIBERDADE. PROGRAMAÇÃO DE ATIVIDADES DO GRUPO CULTURAL OLODUM PARA CELEBRAÇÃO DO BICENTENARIO DA REVOLTA DOS BUZIOS.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONJURAÇÃO BAIANA DE 1798, MAIS CONHECIDA COMO REVOLTA DOS ALFAIATES OU REVOLTA DOS BUZIOS, EPISODIO SIGNIFICATIVO DA LUTA SECULAR DO POVO BRASILEIRO PELA JUSTIÇA E A LIBERDADE. PROGRAMAÇÃO DE ATIVIDADES DO GRUPO CULTURAL OLODUM PARA CELEBRAÇÃO DO BICENTENARIO DA REVOLTA DOS BUZIOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/1997 - Página 22723
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, FATO, HISTORIA, REVOLTA, ESTADO DA BAHIA (BA), IMPORTANCIA, LUTA, IGUALDADE, POVO, BRASIL.
  • REGISTRO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HISTORIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REPRESSÃO, NEGRO, REVOLTA, CRITICA, FALTA, VALORIZAÇÃO, VULTO HISTORICO, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • ELOGIO, PROGRAMA, GRUPO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, RESGATE, HISTORIA, BRASIL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, REVOLTA, ESTADO DA BAHIA (BA).

       O SR. ABDIAS NASCIMENTO (PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob a proteção de Olorum, inicio este meu pronunciamento.

       Ocupo hoje esta tribuna para lembrar um dos episódios mais significativos da luta secular do povo brasileiro pela justiça e a liberdade. Um episódio que, apesar de considerado por nossos principais historiadores como sendo mais importante que a famosa Conjuração Mineira, continua até hoje relegado à penumbra, privando especialmente a nossa juventude de um dos exemplos mais inspiradores de tenacidade e abnegação pela causa da igualdade neste País. Esse exemplo é a Conjuração Baiana de 1798, mais conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios.

       A 13 de agosto de 1798, a capital baiana é surpreendida pela distribuição, sobretudo em igrejas e centros de prática religiosa, de panfletos escritos à mão, convocando o povo a se revoltar contra o domínio português. Alertado meses antes por uma carta do padre José da Fonseca Neves, que denunciava o cirurgião baiano Cipriano Barata como propagandista e chefe de uma sedição contra o Governo Imperial, o Governador Fernando José de Portugal e Castro comanda as investigações, que redundam na prisão do soldado Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, incriminado pela caligrafia, em cuja residência são encontrados livros e documentos comprometedores. Ao mesmo tempo, denúncias conduzem à prisão do alfaiate João de Deus, do soldado Lucas Dantas e do lavrador Luís Pires. Ameaçado de morte, Luís Gonzaga acaba delatando os outros companheiros revolucionários.

       Sobre eles se abate uma repressão dura, cruel e sobretudo seletiva. Dos cerca de 600 conspiradores - na imensa maioria, modestos artesãos, ao lado de negros e mulatos forros -, quatro são condenados à morte pela forca. Coincidentemente, todos negros. Para os restantes, penas e prisões, castigos corporais e degredo na África. Esse é o caso do professor Muniz Aragão, autor do hino revolucionário, e dos tenentes José Gomes de Oliveira e Hermógenes Francisco. Melhor sorte teria o médico Cipriano Barata, solto após cumprir sua sentença.

       Tal como a Conjuração Mineira, a Revolução dos Búzios - assim chamada porque os conjurados costumavam usar uma pequena concha de búzio presa à corrente do relógio - tinha como fonte inspiradora a Revolução Francesa, segundo seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Além de "reduzir o continente do Brasil a um governo democrático", os revoltosos pretendiam abolir o cativeiro e a discriminação racial, instituir a liberdade religiosa, dividir entre a população "tudo que houvesse na capital", abrir o porto de Salvador a navios de todos os países e executar o Governador, em caso de resistência. Um programa bem mais consistente e radical, como se pode facilmente depreender, do que o da Conjuração Mineira, conduzida por burgueses, literatos e sacerdotes brancos, sem muito compromisso com as verdadeiras necessidades e aspirações das camadas populares. Isso se espelha com clareza não somente no rigor da repressão - afinal, apenas um "inconfidente" mineiro morreu enforcado, contra quatro revolucionários baianos de 1798 -, mas também na preocupação dos governantes da época em evitar que as notícias sobre essa revolta pudessem chegar às outras cidades da Colônia. Era o temor de que esse movimento, bem mais perigoso que aquela conspiração de padres e poetas, pudesse contaminar as massas despossuídas de outras regiões do Brasil.

       Assim, diferentemente de Tiradentes e de outros heróis consagrados pela história oficial, os mártires da Revolta dos Búzios não viraram estátua em praça pública nem deram nomes a cidades. Seus feitos sequer aparecem nos livros didáticos, com exceção de vagas e diminutas citações, incapazes de fazer jus à sua importância na história das lutas de nosso povo. Felizmente, porém, a nova consciência que anima os afro-brasileiros na busca de justiça e igualdade tem se refletido igualmente na luta pelo reconhecimento de nossa importância como protagonistas na formação da nacionalidade brasileira. É nesse quadro que se inscreve o Projeto 200 Anos da Revolta dos Búzios, iniciativa do Grupo Cultural Olodum, internacionalmente conhecido por utilizar a cultura popular afro-baiana como instrumento de conscientização quanto à história dos marginalizados e às desigualdades raciais em nosso País, tanto quanto como elemento-chave na recuperação da auto-estima dos afro-brasileiros. O Olodum significa uma verdadeira revolução instrumentalizada por meio da cultura.

       Amplo e abrangente, o Programa de Atividades do Olodum para a celebração do Bicentenário da Revolta dos Búzios inclui:

       - a construção, no Campo do Dique (local em que se reuniam os conspiradores de 1798), do Memorial da Liberdade Afro-Brasileira;

       - a publicação de livros e revistas sobre esse evento histórico para estudantes de 1º e 2º Graus;

       - a mudança de nomes de ruas de Salvador para homenagear os mártires desse movimento;

       - a constituição de comissão estadual, com representantes da comunidade negra e de outros setores da sociedade para organizar os eventos do bicentenário;

       - a constituição de comissão mista, com Parlamentares do Senado e da Câmara, para organizar essas comemorações no plano do Legislativo Federal;

       - a inclusão dos mártires da Revolta dos Búzios no livro dos Heróis da Pátria;

       - a instituição do Prêmio Literário João de Deus para alunos de 1º e 2º Graus da Bahia e do Brasil por meio do Ministério da Educação;

       - a publicação, pelo Senado Federal, dos documentos sobre a Revolta dos Búzios;

       - a desapropriação das casas em que viveram os mártires de 1798, no Centro Histórico de Salvador, e sua transformação em centros de estudos e pesquisas sobre democracia e liberdade;

       - a construção e instalação, na Rua Chile, em Salvador, de biblioteca e museu da Rota da Liberdade, tendo como foco a presença africana nas Américas;

       - a instituição do Prêmio Revolta dos Búzios para organizações baianas que se destaquem na área do trabalho social durante o ano de 1998.

       Trata-se, como se vê, de um programa ambicioso, cuja concretização deverá enfrentar os obstáculos, quase sempre camuflados, que costumam interpor-se àqueles que se dedicam a resgatar o valor e a significação do legado africano à construção deste País. Mas que, sem dúvida, obterá o apoio de uma crescente parcela de nossa população, independentemente de origem étnico-racial, que percebe na luta dos afro-brasileiros uma etapa necessária e indispensável à nossa consolidação como país democrático e multicultural. Ao Olodum, portanto, nossas homenagens e todo o nosso apoio.

       Axé, Olodum! Salve a Revolta dos Búzios!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/1997 - Página 22723