Discurso no Senado Federal

A IMPORTANCIA DA AGROPECUARIA BRASILEIRA PARA A ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA, NO TERCEIRO ANIVERSARIO DO PLANO REAL. COMENTANDO RELATORIO DO BANCO MUNDIAL, ONDE MOSTRA O BRASIL COM A PIOR DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO MUNDO. QUESTIONANDO A APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO PROER, DIANTE DA POBREZA EM NOSSO PAIS E O PORQUE DE NÃO SE DESTINAR RECURSOS PREVISTOS PELA ONU PARA RESOLVER A MISERIA ABSOLUTA DE GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO MUNDIAL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • A IMPORTANCIA DA AGROPECUARIA BRASILEIRA PARA A ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA, NO TERCEIRO ANIVERSARIO DO PLANO REAL. COMENTANDO RELATORIO DO BANCO MUNDIAL, ONDE MOSTRA O BRASIL COM A PIOR DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO MUNDO. QUESTIONANDO A APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO PROER, DIANTE DA POBREZA EM NOSSO PAIS E O PORQUE DE NÃO SE DESTINAR RECURSOS PREVISTOS PELA ONU PARA RESOLVER A MISERIA ABSOLUTA DE GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/1997 - Página 22724
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, ANIVERSARIO, PLANO, REAL, AMBITO, POLITICA AGRICOLA, DESEMPREGO, BALANÇA COMERCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • REGISTRO, SUPERIORIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MISERIA, BRASIL, COMPARAÇÃO, MUNDO.
  • ANALISE, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ESPECIFICAÇÃO, CUSTO, POSSIBILIDADE, ERRADICAÇÃO, MISERIA, FOME, MUNDO.
  • SUGESTÃO, CANDIDATURA, BRASIL, PRESIDENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), DESISTENCIA, CAMPANHA, VAGA, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).

       O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao fazer, desta tribuna, uma análise dos três anos do Plano Real, eu disse que ele poderia ter sido lembrado como um bolo de milho, de arroz, feijão, soja ou aipim. A primeira fatia desse bolo seriam os preços baixos dos produtos da alimentação básica. É bom lembrar que o Plano Real se iniciou com uma queda significativa dos preços agrícolas, o que contribuiu para a queda da inflação a partir de 1994. 

       Passados três anos, o Brasil registrou uma inflação acumulada de 67%, para um acréscimo de preços dos alimentos básicos da ordem de 39%. Com uma inflação de 67% nos três anos, os preços básicos da agricultura aumentaram 39%. A realidade seria outra, por exemplo, se os preços recebidos pelos produtores agrícolas aumentassem na mesma proporção que as matérias-primas: 54%.

       A segunda fatia do bolo significaria o potencial da geração e manutenção de empregos na agricultura. Os trabalhadores que ainda desfrutam de seu cartão de ponto têm, diante de si, o enorme espelho que reflete principalmente as grandes cidades como São Paulo, onde quase 1,5 milhão já viram os seus nomes apagados dos envelopes de retribuição de salário pelo trabalho feito - o maior índice da história de São Paulo.

       Imagine-se, portanto, uma situação onde a agricultura continuasse a despejar os seus contingentes para as periferias das cidades, nos moldes dos tempos de poucos anos atrás, e ainda se o setor não se mantivesse capaz de fixar milhões de brasileiros.

       A terceira fatia denotaria as exportações brasileiras. Em um mundo enclausurado por barreiras tarifárias e não-tarifárias, que atingem principalmente o setor primário, o saldo da balança comercial de produtos agropecuários deve apresentar, neste ano, um superávit de R$10 bilhões. Com toda essa sobretaxa do governo americano no suco de laranja, no calçado no Rio Grande do Sul, nas nossas exportações, esse montante de R$10 bilhões salvará a nossa balança comercial de um déficit maior. Poderia ser o dobro, ou o triplo, se fossem mais livres as alfândegas. Se o déficit comercial é um dos principais traumas do Plano de Estabilização, R$5 bilhões, há que se imaginar o cenário econômico brasileiro sem os números alcançados pela agricultura.

       A quarta fatia seria a distribuição da renda. Esse talvez seja o assunto mais significativo e o que me faz assomar à tribuna.

       O Brasil ainda é, segundo os dados da ONU, o país de maior concentração de renda do planeta e, por outro lado, é um dos países de maior concentração de miséria do planeta. O Brasil é dos países do mundo em que os ricos são mais ricos e os pobres são mais pobres. As estatísticas internas demostram ganhos relativos de renda das populações mais pobres. Esse tema é manchete nos jornais dos últimos dias. Se persistem as disparidades distributivas, e as camadas menos abastadas da população auferiram ganhos, uma das hipóteses factíveis é a de que houve transferência de renda das populações consideradas de mais baixa renda.

       Sr. Presidente, refiro-me a uma manchete publicada nos jornais do mundo inteiro, onde dados da ONU apontam que a pobreza absoluta atinge 1,3 bilhão de pessoas. Um quarto da população mundial está na faixa da pobreza absoluta, Sr. Presidente!

       Diz a notícia:

       “Cerca de 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, apesar do crescimento da riqueza mundial, afirma estudo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

       O número de pobres cresce cerca de 25 milhões por ano, e aproximadamente um quarto da população mundial vive na pobreza, segundo o PNUD. Esse cálculo da pobreza é baseado em definição do Banco Mundial e da ONU sobre pobreza absoluta: as pessoas que vivem com até US$370 por ano.

       A agência da ONU afirma que 840 milhões de pessoas, entre elas 160 milhões de crianças, estão subnutridas. Cerca de 1 bilhão de pessoas são analfabetas, e um número ainda maior não tem acesso à água potável.

       Se o número dos ricos dobrou, em 50 anos, o dos pobres quadruplicou" - afirma a ONU.

       "Em 1947, o planeta tinha uma população de cerca de 2,3 bilhões de pessoas, e o número de pobres, 400 milhões, correspondia a 17%. Em 1997, 1,3 bilhão de pobres correspondem a 22% da população mundial."

       Reparem esses dados, Srs. Senadores.

       "Proporcionar acesso universal a serviços de saúde, água potável, educação, planejamento familiar demandaria um custo adicional de 40 bilhões" - diz a ONU.

       Com 40 bilhões anuais, esses 1,3 bilhão teriam, pelo menos, o mínimo indispensável para viver como criatura humana. Dois Proer dariam para equacionar essa questão no mundo! Outros quarenta bilhões seriam necessários para que as famílias mais desfavorecidas deixassem o estado de pobreza, segundo o Relatório. O montante final, oitenta bilhões, não chega a 0;5% da renda mundial anual e torna a eliminação da pobreza uma proposta fácil e razoável. Basta querer.

       Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse dado apresentado pela ONU me emocionou. Entendo por que quando o Papa esteve aqui colocou a questão social em primeiro lugar. Foi porque a questão social no Brasil está em primeiro lugar.

       O Brasil é um País em que os 10% mais pobres detêm 0,7% da renda, e os 10% mais ricos detêm 51,3% da renda; os 20% mais ricos detêm 67,5% da renda. Esse é o nosso Brasil, sobre o qual temos debatido.

       Sr. Presidente, já apresentei uma proposta no sentido de que o Brasil deve abrir mão de fazer parte do Conselho de Segurança Nacional da ONU. Juro que não compreendo a vaidade do Itamaraty, nesse Brasil de hoje - quando há uma hegemonia dos Estados Unidos, que dita normas para a Inglaterra, para a França, para a China, para quem quiser -, em querer pertencer a esse Conselho. Não sei o que soma. Penso que, ao invés de brigar, de aceitar as provocações do Presidente americano, que vem defender aqui e na Argentina uma vaga para a América Latina, tentando atiçar um contra o outro, o Brasil poderia lutar pela Presidência da FAO, o órgão das Nações Unidas que cuida exatamente dos problemas sociais, da produção de alimentos, da fome e da miséria. Acho que temos condições, temos know-how, temos capacidade e, diria, um grande lugar perante o País e perante a humanidade se disséssemos: temos gente, sim; temos condições de apresentar um presidente para a FAO, para ver essas quantias que a própria ONU a elas se refere dizendo que com US$80 bilhões se equacionaria o problema da miséria e da fome de 1,3 bilhão de pessoas. No entanto, os planos de armamento são fantásticos, numa época de paz, enquanto os planos de equacionamento dessas questões não existem.

       Apresento no Senado esta proposta: o Brasil deve agradecer os apoios e as simpatias que recebeu para pertencer ao Conselho de Segurança, mas deve abrir mão - até para a Argentina, se for o caso - e lutar pela Presidência da FAO; deve lutar para presidir o órgão que cuida dos problemas sociais, da fome e da miséria da humanidade.

       Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a terra tremeu na região central da Itália - foi manchete em todas as televisões do mundo -, cobrindo as rachaduras do solo com destroços de basílicas medievais; históricas catedrais desabaram. O fato trouxe a lume a discussão sobre um assunto que preocupa e, muitas vezes, assombra a população mundial desde o início do século: o terceiro segredo de Fátima. Seriam esses tais abalos sísmicos o prenúncio do final dos tempos, possivelmente anunciado pela Virgem Maria aos três pastores, em 1917, em Fátima? Ou o primeiro segredo, confirmado por uma guerra mundial, que se estendeu até que duas bombas atômicas dizimassem gerações inocentes do outro lado do planeta, se repetiria com artefatos mais poderosos, com átomos e nêutrons, transformando a Terra em um vácuo cinzento, entre Vênus e Marte? Ou, quem sabe, o El Niño se tornará adulto e liquidificará geleiras polares, revolucionará mares e marés e os peixes serão os únicos seres vivos no ”novo” “Planeta Água”?

       Diante de tais sinais de comoção mundial, a Santa Sé cuidou de dissipar especulações sobre tamanhos cataclismos, mantendo a verdade sobre tal previsão circunscrita à freira carmelita Lúcia dos Santos, única sobrevivente dos três pastores, ao Papa e aos seus assessores mais próximos. A nós, outros mortais, restam .especulações.

       Para mim, Sr. Presidente, tal previsão já se desvendou. A terceira profecia de Fátima até o final deste século é esta que está aí. E ela está logo ali, debaixo de nossas janelas ou do viaduto mais próximo ou, ainda, nas manchetes dos jornais dos últimos dias: "Pobreza absoluta castiga 1,3 bilhão". Um em cada quatro habitantes da Terra não tem o que comer. Será que existe outra previdência de desgraça maior do que essa? Morrem, como "Severinos" com faces internacionais, de fome, um pouco por dia. Somam algo assim como a população total dos Estados Unidos, mais a da Alemanha, mais a da Itália, mais a da França, mais a do Japão, mais a da Inglaterra, com todo o Reino Unido. E ainda sobram cinco vezes todos os brasileiros. Levadas ao pé da letra, as tais especulações mórbidas sobre o terceiro segredo de Fátima parecem não ser, ao todo, descabidas. É, verdadeiramente, uma catástrofe, o fim do mundo! Um novo miserável se soma a esse contingente de dor a cada segundo!

       Não se quer, aqui, discutir a crueldade da Segunda Guerra Mundial, com seus mais de cinqüenta milhões de mortos, enquanto concretização do primeiro segredo de Fátima. O que se deseja mostrar é que a fome, nas proporções em que se apresenta nos nossos tempos, potencializa o número de vítimas inocentes. E isso pode ser a causa das lágrimas de Fátima, mas é insuficiente para sensibilizar consciências decisórias no sentido de perceber a gravidade da materialização desse terceiro segredo.

       Se eram essas, de fato, as previsões de Fátima, e se elas foram detalhadas em relação a países, os números do Brasil são ilustrativos. Dados do último relatório do Banco Mundial dão conta de que, aqui, os 20% mais pobres detêm, apenas, 2,1% da renda. Como contraponto, os 20% mais ricos abocanham 67,5%, ou mais de 2/3 de tudo o que é produzido no País. A participação no bolo da riqueza nacional dos 10% mais ricos é 73 vezes maior que a dos 10% mais pobres. Não é à toa que, a cada relatório anual, permanecemos com a pior distribuição de renda do planeta.

       Se somos partícipes dessa verdadeira catástrofe, em nível mundial, quem sabe possamos participar, com a criatividade que nos é peculiar, de possíveis soluções que permitam resgatar o verdadeiro sentido de humanidade? A Organização das Nações Unidas estima que seriam necessários US$40 bilhões anuais para "proporcionar acesso universal a serviço de saúde, água potável, educação e planejamento familiar" a todos os excluídos do tal conceito humanitário. Com mais US$40 bilhões, seria possível que "as famílias mais desfavorecidas deixassem o estado de pobreza". Ou seja, para eliminar a pobreza absoluta no mundo, seria necessário, no próximo ano, o valor equivalente a menos de quatro Proer, isto é, US$80 bilhões.

       Ora, Sr. Presidente, gastamos, às vezes, US$40 bilhões para resolver o problema de três bancos. Será que a humanidade não pode aplicar US$80 bilhões para equacionar o problema de 1,3 bilhão de criaturas? Esse é o desafio.

       O nosso programa de saneamento de quatro ou cinco bancos à beira da falência se justificou pelo risco à integridade do sistema financeiro do País. Mantida a correlação, basta que 1,3 bilhão de pobres absolutos, à beira da morte, ameacem o sistema como um todo! E o que seriam quatro Proer para uma economia mundial de US$15 trilhões? Algo como 0,5% do PIB mundial! Afinal, nossos mais de US$20 bilhões para tão poucos representam em torno de 3% do Produto Interno Bruto!

       Ironias à parte, das duas uma: ou estão subestimando os recursos necessários para reverter o quadro da fome e da miséria absoluta em todo o mundo, ou o Brasil dispensou atenção descomedida aos seus poucos banqueiros falidos!

       Valei-nos, Senhora de Fátima! Iluminai corações e mentes para que o que é dado para uns poucos se transmute no pão da vida de tantos outros. Que suas novas e tão aguardadas aparições ilumine, agora, as consciências de todos os pastores do universo. Que eles transformem o ódio em paz; as armas em trigo; a dor em saúde; o analfabetismo na luz do saber. E, quem sabe, o dinheiro volátil da especulação financeira na produção de alimentos para todo esse povo de Deus. Amém!

       Apresento a proposta, Sr. Presidente, e vou levá-la, por escrito, à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

       Espero que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na reunião da Assembléia Geral da ONU, tenha a grandeza de dizer publicamente que o Brasil agradece os apoios, que não tem preocupação em pertencer ao Conselho de Segurança, mas que se apresenta candidato à Presidência da FAO, responsável exatamente pelo equacionamento de problemas como esse. O País tem que topar esta parada, de dar a linha e a coordenação para buscarmos equacionar esse drama, que é de todo o mundo.

       Não tenho nenhuma dúvida de que, neste final de século, com 1/4 da população do mundo passando fome, dizermos que as coisas vão bem? Coitados de nós! Estamos longe de ter a sensibilidade que a hora está a merecer.

       Agradeço a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.

       Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/1997 - Página 22724