Discurso no Senado Federal

CONGRESSO BRASILEIRO DE ALGODÃO, OCORRIDO EM FORTALEZA, DE 30 DE SETEMBRO A 3 DO CORRENTE, CUJO TEMA CENTRAL FOI - 'ALGODÃO IRRIGADO'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CONGRESSO BRASILEIRO DE ALGODÃO, OCORRIDO EM FORTALEZA, DE 30 DE SETEMBRO A 3 DO CORRENTE, CUJO TEMA CENTRAL FOI - 'ALGODÃO IRRIGADO'.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, José Agripino, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1997 - Página 23162
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • REGISTRO, CONGRESSO, AMBITO NACIONAL, ALGODÃO, OCORRENCIA, ESTADO DO CEARA (CE), DEBATE, TECNOLOGIA, IRRIGAÇÃO, NECESSIDADE, INCENTIVO, CULTIVO.
  • ANALISE, RETROCESSÃO, CULTIVO, ALGODÃO, REGIÃO NORDESTE, REDUÇÃO, AREA, EMPREGO, EXODO RURAL, CONCORRENCIA DESLEAL, PRODUTO IMPORTADO, SUBSIDIOS, PAIS ESTRANGEIRO.
  • ERRO, GOVERNO, ABERTURA, ECONOMIA, FALTA, POLITICA AGRICOLA, ANALISE, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ALGODÃO, ESTADO DO CEARA (CE), AMPLIAÇÃO, INDUSTRIA TEXTIL, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO, RECUPERAÇÃO, CULTIVO, OBJETIVO, ATENDIMENTO, CONSUMO, BRASIL, CRIAÇÃO, EMPREGO, CAMPO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE.Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Congresso Brasileiro de Algodão, ocorrido em Fortaleza no período de 30 de setembro a 3 de outubro deste ano, substituiu a Reunião Nacional do Algodão, realizada a cada dois anos, e representa atualmente a atividade científica de maior relevância para a cotonicultura brasileira.

O tema central foi “Algodão irrigado”, principalmente no que se refere à aplicação de novas tecnologias, visando ao aumento da área de algodão irrigado no País. O significado político é importante, pois as autoridades ligadas ao setor, inclusive o Secretário de Desenvolvimento Rural do Ceará, Dr. Pedro Sisnando Leite, expressaram um basta ao descaso com que é tratada a cotonicultura brasileira.

Para expressar essa decadência, o chefe-geral da Embrapa em Campina Grande, Napoleão Beltrão, em cujos pronunciamentos e vários documentos este discurso está embasado, citou que há cerca de 18 anos a Região Nordeste do Brasil possuía mais de 3,2 milhões de hectares plantados com algodão, sendo 2,34 milhões com arbóreo e 0,68 milhão com herbáceo ou anual e um contingente humano de mais de 6 milhões de pessoas trabalhando com esse produto.

Mais recentemente, devido a um alinhamento de vários fatores de natureza complexa envolvendo componentes estruturais e outros, a produção da região caiu drasticamente, assim como a área plantada que passou de 210 mil toneladas de pluma e de 3,08 milhões de hectares na safra de 1977/78, para apenas 48 mil toneladas de pluma e área de somente 325 mil hectares na safra 1992/93.

Entre os fatores que tiveram influência no processo da redução drástica da cotonicultura nordestina, destacam-se: ocorrência de duas grandes secas nos últimos 20 anos, período em que não havia ainda a praga do bicudo na região e no Brasil e já tinha ocorrido uma redução de mais de 1 milhão de hectares no Nordeste. 

Com as secas e os baixos preços pagos aos produtores, o algodão, especialmente o arbóreo, foi transformado mais em uma forrageira para alimentar o rebanho bovino do que uma planta produtora de fibra.

Destaque-se a introdução e estabelecimento da praga do bicudo na região, tornando-se em pouco tempo o principal problema fitossanitário, e, nos cinco primeiros anos, as dificuldades de conhecer o inseto e como controlá-lo por parte dos cotonicultores. Hoje, sabe-se que é perfeitamente possível a convivência com esse inseto, desde que se troque os métodos arcaicos praticados pela moderna tecnologia disponível.

Muitos indicam como o fator mais importante a redução da tarifa de importação de 40% para 0% e a proteção do produto na maioria dos países produtores, via subsídios, bem como os longos prazos para pagamento do algodão importado, chegando a até 300 dias, o que, com a inflação que se tinha no País, ficou quase que impossível vender-se algodão internamente, já que o prazo era quase imediato, no máximo 10 dias.

Essa abertura de mercado irresponsável que liquidou a competitividade do algodão nacional é hoje reconhecida pelo próprio Governo Federal, num documento do IBGE de 1997, onde se coloca claramente que:

              "O produto importado, subsidiado na origem, chega a um país com condições de preços, juros e prazos que levaram os produtores tradicionais a ruína. Sem condições de concorrer, o algodão nacional é vendido a preço aviltado. Muitos produtores ficaram inadimplentes e aderiram a securitização das dívidas, prorrogadas por mais 7 anos. Como a maioria dos agricultores que plantam o algodão em São Paulo, Paraná é de arrendatários, esses abandonaram as atividades".

É importante ressaltar que, segundo o Dr. Beltrão, da Embrapa, a Argentina, há 5 anos, não tinha nenhuma vocação para o algodão. Hoje, a Argentina já é o quinto exportador do algodão e escoa boa parte do seu algodão para o Brasil devido ao nível de organização, bem como tem aproveitado as facilidades para exportar.

Outro exemplo do preenchimento do vácuo aberto pela incúria das autoridades brasileiras é representado pelas 350 mil famílias no Paraguai que vivem de algodão, onde quase 90% desse algodão vem para o Nordeste. Nós desempregamos todo esse povo aqui, inchamos Fortaleza, Recife e os paraguaios estão lá empregados.

Ano passado, nós tivemos no Brasil um problema sério. Quarenta e sete por cento do déficit da nossa balança comercial foi representado por matérias-primas, representando o algodão quase 1 bilhão de dólares nesse contexto. Esse ano tudo indica que essa inversão se repete, num País que tem 62% da área agricultável e equivalente a 520 milhões de hectares.

Vários outros países estão ultrapassando o Brasil em produção. Na Grécia, planta-se uma média de 2,5 a 3 hectares por agricultor, com 62 mil famílias vivendo do algodão.

O algodão, hoje, no cerrado é mais rentável 19 vezes que o milho, é mais rentável quatro vezes e meio que a soja. Por que é que não se estava plantando já que há uma demanda nacional tão grande? Porque não tinha a quem vender, pois os preços dos produtos importados são mais vantajosos. Essa dificuldade permanece.

Enquanto a produção de algodão no Nordeste caía drasticamente, o consumo industrial da fibra elevou-se muito, sendo, na atualidade, o segundo pólo de consumo do Brasil. Cerca de 300 mil toneladas de pluma/ano, perdendo somente para o Estado de São Paulo.

Com a derrocada quase que total do algodão no Nordeste, no que tange a seu setor primário, reitera-se que milhões de pessoas ficaram sem emprego e muitas se deslocaram para os grandes e médios centros, originando favelas e cortiços, acarretando problemas de todos os tipos aos grandes centros urbanos do Nordeste, especialmente às capitais.

É bom ressaltar que alguns Estados estão reagindo a essa inércia. Nesse período em que a produção do Paraná declinou vertiginosamente, Curitiba teve uma ampliação da sua periferia de 22% de pessoas nos últimos sete anos. O Governo paranaense está viabilizando sementes, fertilizantes, corretivos e preparo do solo e, ainda, no eixo Sul-Sudeste, o Governo de São Paulo está, também, subsidiando os produtores em um programa que ele chama de parceria rural do algodão. Essa parceria prevê juros de financiamento mais baixos que os do Pronaf, Programa Nacional de Agricultura Familiar.

Com relação ao Ceará, Estado que represento nesta Casa e tradicional produtor, o relatório de importação de produtos diz que meu Estado consome, hoje, 150 mil toneladas de plumas. É o segundo centro de consumo da América Latina em algodão; deverá, em breve, ser o primeiro. Isso custa US$150 milhões, segundo dados do Secretário da Indústria e Comércio, Raimundo Viana. Com os investimentos previstos, o Ceará deve-se transformar, em pouco tempo, talvez num dos maiores aglomerados têxteis do planeta, em termos de modernidade e consumo.

As nossas variedades estão dentro dos padrões internacionais. A variedade, recentemente lançada no Estado do Ceará, é derivada de um híbrido, do algodão mocó e do herbáceo. Ela ficou com as características predominantes do herbáceo, ou seja, o ciclo reduziu um pouco, porque os técnicos não queriam receitar uma variedade de algodoeiro para um semi-árido que tem solo de um palmo, para você revirá-lo todos os dias.

É inconcebível você ter hoje uma produção com o algodão mocó, como tínhamos no Estado do Ceará, com produtividade de 100 quilos por hectare. E muitas pessoas ainda dizem: "Não, aquele algodão é que era bom." Mas vivíamos num trinômio: algodão, cultura alimentar e boi, com o algodão mocó assumindo vários papéis, desde a produção de fibra até a cultura forrageira arbórea, que alimentava o gado na época da seca. Agora, temos de saber qual é a vocação do agricultor. Se produtor de algodão ou se pecuarista.

Um ponto essencial, ainda segundo os técnicos, é que "precisamos resolver o processo de comercialização do algodão". Não podemos ser irresponsáveis e dizer: "plante, porque não há outra opção para se ganhar dinheiro no semi-árido, a não ser com o algodão e, diga-se de passagem, ele também é uma grande opção da área irrigada e, depois, não ter comprador. O custo de produção de algodão no Ceará hoje é de US$841 de algodão irrigados, para você produzir uma expectativa de três toneladas, ou seja, mais de 1.000 quilos de fibras por hectare. Somente cinco países no mundo produzem 1.000 quilos de fibras por hectare. A Turquia, a Síria, Espanha e Israel estão incluídos. A Austrália atualmente está com 1.100 quilos de fibra por hectare. Mas o custo de todos eles é maior do que R$2.500 mil por hectare. Em Israel, o custo é de US$4.300 mil para produzir 1.600 quilos de fibra por hectare.

Como vimos, o algodão é estratégico para a maioria dos países, pois somente uma fração de 27% do produzido no Planeta é exportado. A tendência é que haverá dificuldade de importação de países que têm indústrias têxteis fortes, como é o caso do Brasil, considerado o sexto do mundo e que não tem produção de algodão suficiente no presente momento.

Muitas indústrias já estão com problemas. Na Região de Americana, em São Paulo, mais de 800 fábricas, segundo recente dado publicado na Manchete Rural, estão fechando; em parte, devido à dificuldade de aquisição de matéria-prima. E temos, dentro de um planejamento estratégico, condições plenas para ter um mercado grande para o nosso algodão. A mão-de-obra é relativamente barata e, principalmente, ajuda-nos à proximidade da produção.

Um plano de recuperação da cotonicultura da Região Nordeste tem de privilegiar fundamentalmente três aspectos: gerar emprego no campo, visando a reduzir o êxodo rural para os grandes e médios centros urbanos; atender ao consumo regional, evitando ou reduzindo a importação do produto; distribuir melhor a renda regional, para possibilitar geração de empregos diretos e indiretos ligados aos setores do agronegócio do algodão.

É preciso que se analise, em um modelo temático multivariado, o peso de cada uma das variáveis comentadas, ou seja, tentar conjuntamente resolver o problema da produção interna, pois, logo por volta do ano 2.000, deveremos estar consumindo cerca de 1,100 milhão toneladas de plumas de algodão e não podemos estar trazendo matéria-prima de fora. Temos plena condição de produzir internamente e empregar milhões de pessoas.

O cultivo dessa malvácea é o de menor risco e é uma das culturas que mais emprega mão-de-obra, pois quase todas as operações são manuais na maioria das regiões dos Estados produtores. Estima-se que cada hectare plantado com algodão empregue pelo menos duas pessoas durante todo o ciclo. Para se colher, por exemplo, 800 quilos de algodão em caroço, gasta-se cerca de 20 homens/dia. Para se capinar um hectare plantado com essa malvácea, gasta-se em média 15 homens/dia.

O Nordeste tem ainda, ao contrário do que muita gente pensa, com os últimos avanços tecnológicos, condições extremamente favoráveis de produzir um bom algodão. Falta massificar a introdução dessas tecnologias e resolver o problema da comercialização.

Os Estados Unidos produzem 700 quilos de fibras por hectare. Na área seca, se tomarmos os 81 países que plantam algodão no mundo hoje, ocupando 35 milhões de hectares, não existe país no mundo que tenha a produtividade que tem hoje o Nordeste com o plantio de sequeiro.

Considerando que na virada do século o Brasil deverá estar consumindo cerca de 1.100 toneladas de plumas de algodão, sendo que no Nordeste o consumo deverá ser das ordem de 400 mil toneladas e que a região tem condições plenas de produzir grandes vantagens para o País, poderíamos pensar em um plano que elevasse a área plantada na região e aumentasse os níveis de produtividade atuais em pelo menos 20%.

Nesse plano, coloca-se um aumento na área plantada em cada Estado, suficiente para produzir e suprir seu consumo e ainda ter excedentes para exportar para outras regiões do país e , se for o caso, até do exterior.

Pelas projeções, no ano 2.000, estaremos consumindo no Brasil cerca de 165.000t de pluma desse tipo de fibra, aproximadamente cerca de 60.000t de pluma no Nordeste, se considerarmos a necessidade de consumo válida para todo o País, proporcional por regiões, que é a fibra extra-longa.

A fibra extra-longa de que o País precisa e necessitará no ano 2.000 poderá ser produzida exclusivamente em regime de irrigação no Nordeste brasileiro, utilizando-se cultivares híbridas ou da classe G. barbadense. A necessidade desse tipo de algodão na região será de 20 mil toneladas de pluma e, a do País, da ordem de 55 mil toneladas.

No Ceará, o Secretário Pedro Sisnando sinaliza, com a transformação da Secretaria da Agricultura em Secretaria do Desenvolvimento Rural, que está disposto a encarar o setor com modernidade, fixando-se nos agronegócios para os quais temos vocação. O programa "Hora do Algodão", lançado em 1996, encerrou o primeiro semestre de 1997 com 3.905 hectares irrigados e com 11.415 toneladas de produção. Caso o segmento industrial não cumpra o compromisso assumido com os produtores e com a intermediação do Governo do Estado em pagar o preço internacional de R$21 a R$31, a mercadoria será exportada. Com uma ação integrada e novas variedades, o Ceará espera produzir 274 mil toneladas de algodão em caroço no ano 2.000, gerando 155 mil empregos na agricultura. São projetados 40 mil hectares de algodão herbáceo irrigado, 70 mil de sequeiro e 77 mil de arbóreo.

O custo do algodão irrigado no Ceará é de R$841, com esperança de produzir 1.000 quilos de fibra por hectare. Somente cinco países do mundo alcançam esse índice, porém ao custo de R$2.500 por hectare.

O Sr. José Agripino (PFL-RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - (PSDB-CE) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador José Agripino.

O Sr. José Agripino (PFL-RN) - Nobre Senador Lúcio Alcântara, eu gostaria de cumprimentar V. Exª pela oportunidade deste seu pronunciamento, principalmente agora, quando o Presidente da República lança, como ocorreu recentemente em Petrolina, um programa voltado para a agricultura do Nordeste; um programa de fruticultura irrigada, com vistas ao abastecimento do mercado interno interno e exportação. Uma agricultura altamente sofisticada que já existe e que tem que ser ampliada, e o Governo se move no sentido de possibilitar a sua ampliação. Mas é preciso que se entenda que uma agricultura irrigada e sofisticada como a fruticultura é acessível a poucos; até pelo nível de tecnologia envolvida e de sofisticação não é acessível a todos os nordestinos. Acesso aos nordestinos é o assunto que V. Exª aborda. A cultura do algodão, que é tradicional na região, é vocação natural do nordestino, do cearense, do potiguar, do paraibano e já significou, por muitos anos, o sustento de muitas famílias. Há muitos doutores por este País que são produtos do algodão cultivado pelo pai do doutor. É comum se dizer no Nordeste que o milho e o feijão enchem a barriga do nordestino, mas quem dá a camisa é o algodão. Isso faz parte de um passado, porque a praga do bicudo chegou, e a taxa de juros, que é tão grave quanto o bicudo, chegou mais alta. Os fatos foram somando-se e o que é fato hoje é que a cultura do algodão está reduzida a níveis insignificantes. E, por via de conseqüência, os empregos que foram no passado gerados pela cultura do algodão estão hoje reduzidos também a um número insignificante. É preciso que nós nordestinos reunamos esforços e forças para retomar uma cultura que, do ponto de vista técnico, voltou a ser viável. Fui Governador por duas vezes e, no segundo mandato, retomei um programa de plantio de algodão em convivência com o bicudo. O agricultor ganhou a disputa com bons níveis de produtividade, com rentabilidade, e o que resta é algo que decorre do processo de globalização que nós vivemos.

           O preço do algodão no mercado interno tem, mais ou menos, o preço no mercado externo, só que quem vende para o Brasil dá um ano de prazo para pagar. O industrial, portanto, prefere importar o produto, que é subsidiado, no Paquistão, Bangladesh, na India, porque tem um ano para pagar. Portanto, o maquinista e o agricultor de algodão no Brasil estão desestimulados por uma concorrência que, no mínimo, é desleal. E penso que esse é um dos pontos fulcrais sob o qual nos devemos debruçar. V. Exª, com muita propriedade, inicia essa discussão. Desejo vê-la repetida, a bem da nossa região. Cumprimento V. Exª pelo completo, significativo e oportuno pronunciamento que faz nesta tarde.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador José Agripino. V. Exª, com a experiência de dois mandatos de Governador e como um dos homens públicos mais notáveis do Estado do Rio Grande do Norte, conhece essa realidade, razão pela qual em poucas palavras pôde traçar o quadro.

Procurei trazer dados técnicos resultantes da reunião que aconteceu em Fortaleza, para não se dizer que este é apenas mais um pronunciamento, uma retórica; trata-se sim de algo fundamentado na manifestação de números técnicos.

O Senador Osmar Dias e eu temos, muitas vezes, dialogado a respeito da questão do algodão. Não se trata de um problema de um pequeno Estado, um Estado de agricultura atrasada como o Ceará, Rio Grande do Norte, mas também do Paraná, que, como se sabe, tem vocação agrícola. Houve, na realidade, uma política desastrosa em relação não à globalização, à necessidade de competição, mas a essa alíquota que desceu de 40% para zero. Esse financiamento a que V. Exª se referiu hoje é o maior capital de giro das empresas industriais. Se for retirado, elas quebram. Essa é a realidade. É como se estivéssemos andando de bicicleta: temos que pedalar, porque o produtor...

O SR. OSMAR DIAS-- Concede um aparte, Senador?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA -... não agüenta, não pode dar esse prazo. O industrial, por sua vez, não agüenta pagar a vista. Então, vai para a importação da Grécia, do Paquistão, da Índia, e faz disso o capital de giro da empresa. Se tirar isso de uma vez, ele fecha.

Por outro lado, precisamos fomentar a cultura do algodão, retomá-la, porque, se houver inverno, como chamamos lá, se houver a estação chuvosa, cronometrada, chovendo no dia exato, tudo certinho, o segundo semestre ainda é de fome, de miséria, porque esse era o período da colheita do algodão, da tal camisa a que V. Exª se referiu, que naquele semi-árido, foi a base de sustentação de muitas famílias. Hoje isso desapareceu.

Quando chega o segundo semestre, na caatinga, no semi-árido, o homem fica de braços cruzados, porque não tem o que fazer, uma vez que a cultura do algodão está inviabilizada. Agora está-se tentando recuperá-la.

Senador Osmar Dias, concedo a V. Exª o aparte.

O SR. OSMAR DIAS - Senador Lúcio Alcântara, faço apenas uma consideração: entre as três causas que praticamente derrotaram a cultura do algodão no País, citadas por V. Exª e pelo Senador José Agripino Maia, destaco a do financiamento das importações, que, de 1991 para cá, significou a principal causa da quase liquidação da cultura do algodão no País. No meu Estado, o Paraná, tínhamos uma média de área plantada de 480 mil hectares e a produção de 40% do algodão do País - um algodão com qualidade para exportação. No entanto, após essa exportação indiscriminada, sem critério, sem proteção do produtor nacional, realizada com alíquota que baixou de quarenta para zero, a área plantada caiu, como V. Exª disse, para 68 mil hectares na safra passada. Mesmo que algum esforço seja feito agora, vai ser muito difícil - até impossível - recuperarmos níveis semelhantes aos daquele período bom do algodão. O produtor já não acredita mais. Quando vem a safra, ele colhe. Faz-se a importação pesada dos países que têm mão-de-obra barata e dos que subsidiam a sua produção. Assim se consegue colocar algodão aqui a preços muito inferiores aos do nosso mercado. O Brasil já foi o segundo exportador de algodão do Mundo, atrás da China apenas. Hoje é, disparado, o primeiro importador. E o Paraná, que era o maior produtor de algodão do País, passou a ser também um grande importador desse material, e, o que é pior, Senador Lúcio Alcântara, com indústrias de fiação fechando no Estado. Uma cooperativa no oeste do Paraná, a Copagro, quebrou, porque os produtores não tinham matéria-prima. Uma das causas da quebra da Cotia foi o fim da cultura do algodão. O algodão não desempregou só no campo, mas na cidade. Para completar, a camisa que vestimos tem só 5% do seu preço da matéria-prima, o resto são custos intermediários. Essa importação não reduz o preço da roupa para o consumidor. Isso era conversa fiada de quem queria prevalecer-se de um crédito bastante privilegiado, que era o da importação.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-PA) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Indago a Mesa, porque já há um sinal ali acionado.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - V. Exª já ultrapassou dois minutos, mas evidentemente a Casa deseja ouvir a intervenção do Senador Valadares.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA -(PSDB-CE) - Em atenção à gentileza da Mesa, peço a V. Exª que seja breve.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-PA) - Senador Lúcio Alcântara, na tentativa de corroborar com o que disse o Senador Osmar Dias - S. Exª com muita propriedade abordou o problema das importações -, ressalto que o Nordeste do Brasil se ressente dessa política em todos os setores da produção agrícola e industrial. Os pequenos agricultores do nosso Estado, por exemplo, que já foi o primeiro produtor do chamado coco-da-baía, devido a essa facilidade, à falta de regras adequadas para a importação, praticamente deixaram essa cultura de lado. Estão-se dedicando a outras atividades. Mas essa grande riqueza muito contribuía para a arrecadação, para o enriquecimento do nosso Estado. E isso não está sendo mais possível. O algodão, que foi também um grande fator de riqueza do Nordeste do Brasil, com essa política inadequada do Governo Federal, está penalizando a nossa Região, como V. Exª acentuou. Meus parabéns pelo pronunciamento de V. Exª, que é de grande valia para os estudos de economia regional do Senado Federal.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB/CE) - Sr. Presidente, concluo com esses dois apartes. O Senador Osmar Dias fez uma síntese perfeita. S. Exª é um homem que conhece perfeitamente essa questão e, sendo do Paraná, torna o meu pronunciamento insuspeito, porque nós, nordestinos, muitas vezes somos vistos com certo preconceito, como filhos de uma região atrasada, improdutiva e onerosa. O depoimento do grande representante do Paraná, com o conhecimento que tem nessa área, mostra que o problema é nacional. Estamos diante de uma situação muito difícil, que se não for corrigida vai criar problemas muito graves no futuro. Esses dados são técnicos, não são mera retórica.

Encerro meu pronunciamento agradecendo a V. Exª pela sua tolerância e também aos nobres Senadores que me deram a honra dos seus apartes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1997 - Página 23162