Discurso no Senado Federal

PERPLEXIDADE DA EQUIPE ECONOMICA DIANTE DA CRISE MUNDIAL QUE AFETOU AS BOLSAS BRASILEIRAS, QUE ATRIBUIU, A OPOSIÇÃO, A CULPA POR TODOS OS FLAGELOS E CONTRADIÇÕES, EM VIRTUDE DA NÃO APROVAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS. CRITICA AO 'CUSTO FHC', RESPONSAVEL PELO AUMENTO DOS JUROS, DA INFLAÇÃO E DO DESEMPREGO. DISCURSO DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DOS ESTADOS UNIDOS, SR. ALAN GRUNSPAN, EM QUE AFIRMOU SUA SATISFAÇÃO COM A DESVALORIZAÇÃO DAS BOLSAS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PERPLEXIDADE DA EQUIPE ECONOMICA DIANTE DA CRISE MUNDIAL QUE AFETOU AS BOLSAS BRASILEIRAS, QUE ATRIBUIU, A OPOSIÇÃO, A CULPA POR TODOS OS FLAGELOS E CONTRADIÇÕES, EM VIRTUDE DA NÃO APROVAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS. CRITICA AO 'CUSTO FHC', RESPONSAVEL PELO AUMENTO DOS JUROS, DA INFLAÇÃO E DO DESEMPREGO. DISCURSO DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DOS ESTADOS UNIDOS, SR. ALAN GRUNSPAN, EM QUE AFIRMOU SUA SATISFAÇÃO COM A DESVALORIZAÇÃO DAS BOLSAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/1997 - Página 23730
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPUTAÇÃO, OPOSIÇÃO, RESPONSABILIDADE, FALTA, REALIZAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, COMPROMETIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, REDUÇÃO, INDICE, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), AUMENTO, INFLAÇÃO, MOTIVO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), GARANTIA, RENDIMENTO, FAZENDEIRO, SIMULTANEIDADE, REDUÇÃO, SAFRA, AGRICULTURA, AUMENTO, FOME, POPULAÇÃO CARENTE.
  • CRITICA, GOVERNO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, QUEBRA, BOLSA DE VALORES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL.
  • ANALISE, CRITICA, CUSTO, NATUREZA SOCIAL, POLITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESEMPREGO, INCENTIVO, ENTRADA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL, VALORIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO, PREJUIZO, LUCRO, RESULTADO, TRABALHO, HOMEM.
  • CRITICA, FORMA, FUNCIONAMENTO, CAPITALISMO, PROTEÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FINANCIAMENTO, BANCO PARTICULAR, IMPEDIMENTO, FALENCIA, RESULTADO, INCOMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, INICIATIVA PRIVADA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois do dia da arrogância vem o dia da humanização, do arrependimento pelos desaforos praticados com a certeza de que se construía aqui uma muralha protetora inabalável, como se a matéria-prima fosse capaz de fazer uma ilha de sossego e tranqüilidade em torno de um país, como se ela fosse o narcisismo, a arrogância, a prepotência de conhecimentos falsos e verdadeiros.

Aqueles que diziam, há tão pouco tempo, que o Brasil era muito diferente dos demais países do mundo, "paisecos" que não tinham na sua administração a clarividência, o saber de "PHDeuses" que nos protegeria a todos contra as oscilações que o capitalismo faz encrespar de tempos em tempos e que obviamente mostra que somos inermes diante dos grandes movimentos tectônicos, dos grandes cismas que abalam a economia capitalista, de mercado.

É interessante, por exemplo, que, ao invés de manterem pelo menos uma aparente austeridade ou tranqüilidade, para com elas talvez acalmar um pouco a crise da bolsa que se tornara tão evidente no dia 23 do mês passado, ao abater o baht e abalar o uon de Hong Kong, bem como outras moedas do sudeste asiático, não mudaram a sua postura: confiaram que essas tempestades ficariam por lá e se desviariam do Brasil, que havia tomado medidas que o tornavam inexpugnável a essas transformações do mundo.

Tudo se passava como se o Brasil não pertencesse ao globo terrestre, tal como alguns aventureiros e comandantes de nossa sociedade à pátria; tal como acontece freqüentemente com a esquizofrenia, elas tinham encontrado outros rincões supraterrestres, onde resolveram os seus conflitos e as suas contradições. Mas, ao invés de manter a postura e a compostura exigidas neste momento, o Presidente do Banco Central, que, sem dúvida alguma, tem-se demonstrado mais genioso do que genial, afirma que os acontecimentos o colheram de surpresa. Ele estava perplexo diante dos acontecimentos que abalaram as bolsas brasileiras e do resto do mundo; disse que não conhecia nenhuma teoria capaz de explicar os acontecimentos pulsáteis e os transtornos da economia mundial.

Sr. Presidente, se as suas teorias, tão rapidamente digeridas nas universidades norte-americanas, não explicam o mundo real e os problemas mais graves, jogue-as fora! Essas teorias não prestam! Pois uma teoria que não serve para explicar o mundo, não serve para nada. A verdade ou a falsidade das proposições se comprovam na prática e, se a sua teoria é a do equilíbrio geral, do equilíbrio parcial, do equilíbrio dinâmico ou de qualquer equilíbrio, jogue essa teoria fora porque não presta; não serve, uma vez que é incapaz de explicar os desequilíbrios, algumas vezes claros, outras vezes latentes, mas, sempre presentes na história do crescimento capitalista.

Perplexo diante destes fatos inexplicáveis para estas cabeças equilibristas, neoliberais e monetaristas, o que o Governo resolve fazer? O Governo que havia dito, há pouco tempo: "A Oposição é burra” - obrigado pela minha parte. "São jecas, são caipiras." "Eu sou a esquerda", afirma Le roi soleil em uma entrevista publicada, em dez páginas, na revista Veja, há cerca de duas ou três semanas. "Eu sou a esquerda. Eu sou embaixo. Eu sou em cima. Eu sou a direita. Eu sou onipresente, onisciente. Eu sou tudo".

Ele reinava sozinho. Segundo ele, "a Oposição não existe", mas agora ela é culpada. Essa pequena e burra Oposição é culpada por todos os flagelos, por todas as contradições e crises, por todos os movimentos que o mundo, perplexo, presencia, de Hong Kong a Nova York, de Londres a Frankfurt. Até o inexpugnável Brasil perdeu, de acordo com dados publicados na imprensa de hoje, R$8 bilhões, apesar de todas as medidas que elevaram, dobraram a taxa de juros no Brasil, na tentativa de segurar esse dinheiro volátil que, receoso do que acontecia na bolsa brasileira, tratava de procurar outros paraísos onde o inverno permitisse que eles pousassem sua inquietude volátil e especulativa.

De modo que, então, há uma orquestração por parte do Governo perplexo. Eles até mesmo se recordam de lembrar alguma coisa, quando são dados a um amnésia esperta e contumaz.

Agora, lembram-se eles da Oposição. O Ministro Pedro Malan, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e todos do Governo resolvem, agora, afirmar, em uníssono, em uma melodia estranha, que a Oposição é a culpada e que as reformas não foram feitas com a urgência necessária, como se o próprio Governo, pensando apenas naquilo, ou seja, em ganhar a reeleição a qualquer custo, não houvesse, ele próprio, parado de falar nas 107 demissões de funcionários, que o Ministro da Administração não se cansava de repetir que ia colocar em exercício. Ao contrário, abriram cinco mil vagas no serviço público e as usaram como moeda de troca para que os desígnios de Sua Majestade fossem postos em prática.

E mais: aumento de vencimentos para certas categorias privilegiadas de até 251%.

Então é óbvio que se encerrou a fase da venda de estatais e da abertura da economia, e, agora, começaram-se também o fechamento e a proteção de certos setores que ainda resistiram ao Plano FHC.

Em entrevista dada ao jornal Gazeta Mercantil, nas páginas 9, 10 e 11, no dia 19 de junho, perguntado por um repórter, Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, respondeu: "A Alemanha e os Estados Unidos também fecham as suas importações". Pergunta o repórter: "Mas isto não é protecionismo?" E, obviamente, Sua Majestade, que tem todas as respostas, retiradas da cartola de sua onisciência, afirma: "Três ou quatro setores foram destruídos" - Sua Excelência é modesto: três ou quatro. "E agora trataremos de criar as condições para a sua reativação".

Brasil em Ação. O Brasil, que estava na inação e na destruição, agora é o Brasil em Ação; uma inauguração por mês até às eleições; quarenta e dois setores de atividades serão ativados; e a inflação vai voltar um pouco, afirmou o Presidente do Banco Central. Com esses gastos eleitorais, a inflação vai voltar um pouco. “Cresceremos a 9% ao ano”, afirmou o Ministro Antônio Kandir. Agora, esses 9% se reduziram a 2% de crescimento do PIB e talvez 1%. O Ministro da Agricultura afirma que, apesar da redução que ocorrerá este ano na colheita agrícola, isso não tem importância, porque os preços vão subir e a renda permanecerá elevada.

A renda agrícola dos fazendeiros, de acordo com o Ministro da Agricultura, é o que importa. A queda da safra agrícola e a fome subseqüente não têm importância alguma diante da elevação de preços que manterá elevada a renda dos fazendeiros.

O Governo obteve aquilo que a Oposição não conseguiu: trabalha harmonicamente. Os juros foram elevados para que atraíssem, como um ímã especulativo, o dinheiro que abandonava a Bolsa do Rio de Janeiro e a de São Paulo em ruína.

O custo FHC, esse custo que o brasileiro vem suportando há tanto tempo - há três anos -, em nome do combate à inflação, em nome da estabilização, em nome da conservação das âncoras foi agora aumentado em alguns bilhões de reais.

O que verificamos, portanto, Srª Presidente, é que, entre esses custos, para se conseguirem U$8 bilhões capazes de atrair os U$8 bilhões que fugiram do Brasil, dobrou-se a taxa de juros. Com isso, obviamente, os preços não vão subir, porque são apurados com base nos preços à vista. Os juros dobraram, e o preço final pago por qualquer bem adquirido no Brasil aumentou fantasticamente. Por exemplo: um carro que custava R$22 mil, comprado em 30 meses, passou a R$27 mil, num mesmo período. O carro, no final, aumentou R$5 mil; aumentará 30%, mas a inflação não, porque esta se refere apenas ao preços à vista.

Srª Presidente, são essas "matemágicas" que a economia faz que permitem que o produto agrícola caia, mas a renda agrícola permaneça elevada; que os juros e os preços pagos ao final do prazo elevem-se fantasticamente, que o consumo se reduza, que a demanda se retraia diante dessa muralha, esta sim, uma muralha inexpugnável para os consumidores. O desemprego, obviamente, tem de aumentar, como também a inadimplência, as falências e as concordatas. A Samsung que vinha para o Brasil cercada de doações de terrenos, isenções tributárias, etc, como todas as empresas que têm vindo para o País, desistiu, já não virá mais. Portanto, outras ficarão no País porque não poderão se retirar antes da inauguração.

Não há dúvida alguma de que uma das conseqüências dessas medidas tomadas por esses gênios de plantão é o aumento do endividamento público em R$28,4 bilhões nos próximos doze meses. Isso também faz parte do custo FHC, este custo que já levou os nossos direitos adquiridos a duras penas, levou nossa carteira de trabalho, o nosso salário não reposto há trinta meses de Governo - são 67% sem reposição, Essas são as partes do custo FHC. A destruição de setores inteiros de atividade, de calçados, de porcelanas e de tecidos, a perda de mercados externos, etc., também fazem parte desse custo FHC. Não existe custo Brasil, existe sim um custo social chamado FHC que é cada vez maior, e agora querem dizer que a Oposição é a culpada.

Eles dizem: precisamos da colaboração da Oposição. Como se a unanimidade pretendida não significasse obviamente ditadura e despotismo. Qual será a diferença entre um Governo sem Oposição ou com os Partidos de Oposição aderidos ao Governo, à sua política, com a boca tapada, com a consciência esterilizada e o bipartidarismo da ditadura, a ditadura da imprensa? Qual será a diferença entre um regime e outro?

Eles querem a unanimidade, mas o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou: “toda unanimidade é "burra". Não queira, portanto, mais esse ingrediente de baixo QI, Senhor Presidente.

O Banco Central socorre os bancos pequenos com mais de R$1 bilhão, mas isso é pouco diante dos mais de R$50 bilhões que o Governo já gastou ao socorrer, com o Proer, os bancos que o mercado havia levado à falência. O mercado, que eles consideram como sendo racional e justo, que pratica a justiça premiando os mais eficientes e trazendo a derrota e a falência e eliminando os menos eficientes. No entanto, quando se trata de bancos, as regras mudam e os ineficientes são os protegidos.

Quando os trabalhadores são desempregados - e só na grande São Paulo existem 1 milhão 380 mil desempregados - o Governo afirma que eles são ineficientes, ou seja, que o mercado seleciona, marginaliza e exclui os ineficientes. Quer dizer, além do desemprego, impõe uma consciência de culpa naqueles que perderam o emprego pela ineficiência do Governo.

Vamos concorrer às eleições, Senhor Presidente, de uma maneira digna, igual, para vermos - por meio de uma concorrência político-eleitoral feita não como monopólio de comunicações ou como oligopólio do poder - quem será eleito pela consciência dos cidadãos, dos eleitores.

Com relação a esses "tremores de terra", que para mim não passaram de quatro graus na Escala Richter, a Folha de S.Paulo diz que ainda não passaram. E Roberto Campos, que se deu tão bem, que é o liberal da ditadura, já que soube como ninguém que o liberalismo tem como sua contraface política a ditadura, o regime autoritário, diz agora que a Oposição está sorridente, em festa com o que está acontecendo no capitalismo do mundo.

Não, não é só a Oposição que está em festa, se é que isso é verdade. O Sr. Alan Greenspan, Presidente do Banco Central dos Estados Unidos, está muito contente com o que está acontecendo no mundo, pois fez um discurso, publicado na íntegra, em que afirma que esse arrefecimento, essa desvalorização que ocorreu nas bolsas era muito positiva. Por duas vezes, ele deu declarações de que as ações estavam excessiva e perigosamente valorizadas e, nas duas ocasiões, houve uma queda nas bolsas de todo o mundo.

Agora o Sr. Alan Greenspan está muito satisfeito com o que ocorreu, porque o processo diante do qual nos encontramos é aquele em que o dinheiro especulativo vive da especulação, o dinheiro e seu lucro não crescem com a produção e com o excedente extraído do trabalho humano.

"O Fim do Emprego" é o nome de um dos livros que mais traduzem essa realidade. Diante do lucro especulativo, o lucro extraído do trabalho humano ficou tão reduzido e é tão insignificante o trabalho humano para produzir o lucro especulativo de três trilhões de dólares que circulam pelo mundo, que nós vemos que essa autonomização, que esse movimento próprio que o dinheiro especulativo assume em escala mundial só pode ser mantido através dele próprio, através de mais especulação, que mantém o lucro especulativo e alimenta a marcha, que Greenspan tinha receio de que se atingisse o nível culminante que foi atingido em 1929 nos Estados Unidos e que se reproduziu em escala menor em 1987.

Portanto, esta deveria ser a hora do acerto de contas, de "dar a César o que é de César", suum quique tribuere - a cada um o que é seu -, ao Governo o que é dele, ao custo FHC o que ele criou, e à sociedade brasileira a consciência mais clara do que está ocorrendo no Brasil e no panorama mundial.

O Sr. Eduardo Suplicy (BLOCO/PT-SP) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF) - Concedo, com muito prazer, o aparte a V. Exª ,Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (BLOCO/PT-SP) - V. Exª aponta com clareza a responsabilidade do Governo Fernando Henrique Cardoso com respeito à situação em que vive a economia brasileira. Na semana passada, diante da repercussão nas bolsas do vendaval vindo de Hong Kong, o Presidente Bill Clinton disse que a economia americana se encontrava relativamente saudável, com taxas de desemprego mais baixas do que há alguns anos, seis ou sete anos de progresso relativamente estável para a economia dos Estados Unidos, que o desequilíbrio externo era bem menor este ano do que há alguns anos, com a diminuição do déficit da balança comercial dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo, e que o déficit fiscal nos Estados Unidos estava sob relativo controle. O mesmo não pôde dizer o Presidente Fernando Henrique Cardoso, pois, se fossem examinados, com cuidado, os indicadores macroeconômicos da economia brasileira, estes mostrariam a vulnerabilidade a que seu Governo nos conduziu. Em especial, o déficit fiscal, que ainda não está sob controle, e o déficit em contas correntes, incluindo o da balança comercial e o de serviços, que aumentou significativamente nos últimos anos e durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, indicando os efeitos da sobrevalorização da taxa cambial. Então não foi à-toa que a Bolsa de Valores de São Paulo e do Rio de Janeiro foram atingidas com maior gravidade dentre as muitas que sofreram abalo nas economias do mundo inteiro. E V. Exª bem aponta que soa estranho que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteja a atribuir ao Congresso Nacional e às oposições a culpa por não termos resolvido adequadamente os problemas para a estabilidade do Plano Real. E gostaria, em apoio à observação de V.Exª, de lembrar aqui que, quando o Governo Fernando Henrique Cardoso quis, efetivamente, dedicar esforços para que o Congresso Nacional aprovasse matérias, até que foi bem sucedido. Mas, quais foram algumas dessas matérias, sobretudo aquela à qual ele dedicou o seu maior esforço, senão à aprovação, em ambas as Casas, em duas votações, da emenda à Constituição que permitiu o direito de sua reeleição? Aí está demonstrado que quando o Governo quis efetivamente que uma matéria fosse aprovada, em que pese mesmo ter a oposição e alguns outros membros do Congresso Nacional - porque a oposição nesse caso se alargou, houve muitos que, dentro da própria base governamental, também se opuseram à proposição -, ele conseguiu ser bem sucedido. No que diz respeito a outra proposta relacionada ao problema do déficit fiscal - refiro-me à reforma tributária - é importante lembrar que, em 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso para cá enviou uma proposta de reforma tributária. Na ocasião - e isso convém lembrar -, o Partido dos Trabalhadores também resolveu apresentar uma proposta de emenda à Constituição. Nós cinco Senadores do PT, bem como os 50 Deputados Federais do PT, assinamos e demos entrada a uma proposta de reforma do sistema tributário brasileiro. A nossa proposta tinha alguns eixos, como maior progressividade, combate firme à evasão fiscal e uma maior tributação, por exemplo, sobre as grandes fortunas, e assim por diante. Nós a apresentamos com o intuito de debatermos em profundidade o sistema tributário. Entretanto, foi o próprio Governo Fernando Henrique Cardoso quem preferiu dedicar suas energias, por exemplo, à prorrogação, por duas vezes nesse período, do Fundo de Estabilização Fiscal, o FEF - que tinha outro nome no início -, e também da Contribuição sobre Movimentação Financeira, deixando de lado a proposta maior de reforma do sistema tributário. Foi, portanto, uma opção do Governo não votar, não discutir. Nós da oposição estávamos dispostos inclusive a debater nossa proposta vis-à-vis à do Governo. De alguma forma poderíamos chegar a um entendimento ou a divergências, mas teria sido importante a discussão em profundidade e a votação da matéria, fosse qual fosse o resultado. Mas foi o Governo que preferiu não dedicar sua energia, seu esforço maior à votação dessa matéria. No que diz respeito à proposta de reforma da Previdência, é enorme sua complexidade. Se sofreu transformações durante sua votação em dois turnos, na Câmara e no Senado, estas foram decorrentes da interação que a sociedade brasileira exerceu sobre a própria base governamental, que é maioria em ambas as Casas. A dificuldade em aprovar uma reforma da Previdência advém de sua extraordinária complexidade, da dificuldade que não resulta de problemas com a oposição. É algo semelhante ao caso da reforma administrativa. Quero reforçar, portanto, a tese de V. Exª de que o Governo Fernando Henrique Cardoso, em especial o Presidente, erra de alvo quando quer atribuir à oposição a demora em resolver os problemas que hoje atingem o Plano Real e a economia brasileira.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT/DF) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy, a contribuição oportuna para relembrar que, na realidade, foi o próprio Governo que se enleou em suas propostas e acabou, agora, lançando a culpa sobre nós.

Neste mundo globalizado, não podemos perder de vista que o Governo Federal dos Estados Unidos, que até cerca de cinco anos tinha um déficit fiscal de US$330 bilhões, reduziu-o este ano para US$27 bilhões apenas. O Governo deixou de comprar US$300 bilhões nos Estados Unidos e nós, o resto do mundo, temos que comprar no lugar do Governo norte-americano porque, do contrário, o desemprego aumentaria lá, haveria uma queda do PIB norte-americano e não essa situação de relativo equilíbrio a que V. Exª se referiu. Portanto, estamos comprando e nos endividando, comprando inclusive a Raytheon, aviões, etc, no lugar do Governo norte-americano, que pôde, assim, reduzir o seu déficit primário de US$330 bilhões para US$27 bilhões. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, em vez de serem os grandes importadores, com déficit comercial de US$170 a US$180 bilhões, aumentou as suas exportações de maneira incrivelmente eficaz e, assim, ocasionou a necessidade de que passássemos a ter déficit comercial, a fim de que eles transformassem o seu déficit de US$170 bilhões num superávit.

De modo que, num mundo globalizado e com uma economia submetida, devemos realmente estar de olho voltado para as transformações que dos Estados Unidos atingem todo o mundo. Não seria possível que os Estados Unidos, como maior economia mundial, operassem tão rápidas e tão importantes transformações em sua economia, mantendo o volume de emprego, apesar de uma redução de US$300 bilhões nas compras do governo, sem que alguém pagasse a conta.

Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy, e peço desculpas à Mesa por haver ultrapassado o tempo concedido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/1997 - Página 23730