Discurso no Senado Federal

QUESTIONANDO AS AÇÕES DAS AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NO SENTIDO DE EQUACIONAR O PROBLEMA DO ACUMULO DE LIXO NAS CIDADES BRASILEIRAS. NECESSIDADE DO ESTABELECIMENTO DE UMA POLITICA INDUSTRIAL DE INCENTIVO A REUTILIZAÇÃO DE EMBALAGENS. ANALISANDO A PERSPECTIVA DOS SETORES DE RECICLAGEM.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • QUESTIONANDO AS AÇÕES DAS AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NO SENTIDO DE EQUACIONAR O PROBLEMA DO ACUMULO DE LIXO NAS CIDADES BRASILEIRAS. NECESSIDADE DO ESTABELECIMENTO DE UMA POLITICA INDUSTRIAL DE INCENTIVO A REUTILIZAÇÃO DE EMBALAGENS. ANALISANDO A PERSPECTIVA DOS SETORES DE RECICLAGEM.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/1997 - Página 23747
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, COLETA, LIXO, BRASIL, INSUFICIENCIA, ATERRO, CONTROLE SANITARIO, RECICLAGEM, RISCOS, DOENÇA.
  • COMENTARIO, FALTA, BRASIL, POLITICA, DESTINAÇÃO, LIXO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, DEFESA, SELEÇÃO, COLETA, BENEFICIO, INDUSTRIA, RECICLAGEM.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago a esta tribuna um assunto normalmente considerado descartável por todos, que é a questão do lixo. As autoridades governamentais, nesse particular, agem como as pessoas comuns: consideram o lixo uma solução, não um problema. Consumido o alimento, joga-se fora a embalagem; fumado o cigarro, atira-se longe a ponta; degustado o chocolate, para a lata com o papel. Acumulados os sacos em casa, para a lixeira com eles. Abarrotada, a lixeira do prédio ou da rua é despejada no caminhão, que, uma vez cheio, deve ser esvaziado no depósito da cidade. E assim segue a rotina das pessoas. Estando fora das nossas vistas, o lixo não é problema. Mas será que a atitude dos governantes é a mais correta, ou seja, ignorar a necessidade de equacionar o problema?

           No Brasil, a cada dia, são produzidas cerca de cem mil toneladas de lixo, sendo metade lançada a céu aberto ou em cursos d’água, enquanto um quarto não é recolhido, ou seja, é “jogado fora” das casas ou das indústrias, como aponta o Censo do IBGE de 1991.

           Se em algumas cidades, como a de São Paulo, quase todo o resíduo é recolhido, em boa parte dos Municípios a coleta não chega a um terço do total gerado. Como dizem os sanitaristas, o lixo em si não é problema. Na verdade, os males são causados pelos vetores que se utilizam da sujeira para propagarem doenças. Não temos nada contra as bonitas embalagens de alimentos, bebidas, cigarros ou balas, até que elas obstruam os bueiros das cidades e provoquem pavorosas enchentes. Desse mal padecem tanto o Rio de Janeiro, no Sudeste, quanto Rio Branco, no Norte. Lembrem-se que freqüentemente assistimos a campanhas contra epidemias causadas justamente pela má disposição do lixo ou pelo alagamento de bairros e cidades inteiras.

           Sendo metade do lixo simplesmente jogada a céu aberto, apenas um quinto vai para aterros sanitários, os únicos capazes de evitar danos à saúde da população. Não mais que 3% se transformam em adubo, e reduzidos 2% são reciclados, sendo desprezível a quantidade de material incinerado.

           Por mais que reconheçamos as peculiaridades do Brasil, é inevitável nos perguntarmos como tratam o lixo os países industrializados. O caminho da incineração é preferido pelo Japão, que transforma em fumaça 80% de seus dejetos. Também a Suíça opta por essa via, queimando 75% dos resíduos. A França, com 35% de queima, escolhe o mesmo tipo de solução. Outras alternativas são a reciclagem, a reutilização de produtos e, por último, a responsabilização dos produtores de lixo pela destinação dos resíduos por eles gerados. Nesse sentido, há incentivo à coleta seletiva para melhor aproveitamento de plásticos, papéis e metais. As indústrias são chamadas a produzirem bens mais duráveis e embalagens reutilizáveis, para evitar a geração final de tantos restos. Esse princípio já é aplicado a algumas grandes indústrias na Alemanha.

           Desde a década de 60, os chamados países desenvolvidos se ocupam da coleta e destinação final do entulho como um problema que merece tratamento especial. Os resultados têm aparecido, pois muitos já lucram com o que é jogado fora. Duzentos bilhões de dólares são gerados pelo mercado dos produtos ecológicos nos Estados Unidos. Na Europa, outros 100 bilhões são movimentados anualmente.

           No Brasil, infelizmente, ainda não se estabeleceu uma política industrial de incentivo à reutilização de embalagens; tampouco se punem os poluidores, que continuam obrigando a sociedade a pagar pelo subproduto de suas atividades lucrativas. Se essas duas práticas não encontraram abrigo entre nós, a reciclagem, por sua vez, já chegou a ser adotada por cerca de 100 Prefeituras, o que não representa muito no universo dos aproximadamente 5 mil Municípios brasileiros.

           Mas as experiências isoladas não resolvem, o que leva à necessidade de o Governo Federal tomar uma atitude propositiva frente à crise na gestão dos resíduos sólidos. Infelizmente, esse desequilíbrio só é mais visível em grandes centros, como São Paulo, onde os depósitos estão esgotados e a tecnologia de tratamento ultrapassada. Mesmo assim, o problema só é notado pelas pessoas comuns quando o lixo deixa de ser recolhido diariamente. A imprensa, por seu turno, só lhe dá destaque quando ocorrem greves de garis ou fatos de apelo dramático, como o consumo de restos humanos por pessoas que vivem do lixão, em Recife.

           Como já dito, das alternativas experimentadas nos últimos anos, a coleta seletiva foi a que apresentou mais inovações. Não tanto pelo volume de lixo tratado ou pelos recursos auferidos com a venda de reciclados, mas pelo novo tipo de atitude gerado na sociedade. Até o momento, as experiências de Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba, mesmo não tendo sido um completo sucesso, conscientizaram as pessoas comuns que se engajaram nas campanhas a aceitarem separar o lixo orgânico de materiais recicláveis. Além disso, os catadores de rua passaram a obter maior renda com a venda de recicláveis diretamente para as indústrias. Em Belo Horizonte, por exemplo, há uma interessante parceria entre Governo, igrejas, empresas e associações de moradores.

           Sob o ponto de vista econômico, existem perspectivas promissoras para alguns setores, como os do papel, vidro, plástico e metais. A indústria de papéis, por exemplo, tem uma tradição de quase 100 anos em reciclagem e já se utiliza de quase 40% de resíduos para a produção de produtos novos, e poderia absorver mais, dependendo da demanda por embalagens, o que ocorre sempre que há crescimento econômico.

           O vidro - totalmente reciclável - já utiliza mais de um terço de cacos na industrialização, mas os altos custos de limpeza e de transporte colocam o resíduo em desvantagem em relação à matéria-prima virgem, que é barata.

           A indústria de plásticos tem um índice de reciclagem de mais de 20%, apesar das dificuldades de transporte e de reaproveitamento, que encarecem o material. Para que se aumente esse percentual, que poderia chegar à metade, é fundamental o envolvimento de Prefeituras e comunidades.

           No setor de alumínio, cuja participação no mercado de embalagens já é de 13%, é grande o potencial para a reciclagem. Para se ter uma idéia, o alumínio é reciclável infinitamente, e o gasto de energia para reciclar uma tonelada representa apenas 5% do que se usa para processar minério novo. Tudo isso, sem perder a qualidade. E hoje, de cada 50 mil toneladas de latas produzidas, mais da metade provém do reaproveitamento e não da matéria primária. Uma experiência particularmente interessante de coleta de latinhas envolveu mais de 5 mil escolas. Em troca do material, foram fornecidos equipamentos de ensino. De quebra, foi possível trabalhar a educação ambiental com os alunos que se envolveram nesses projetos.

           Apesar do aparente sucesso, os recicladores enfrentam dificuldades para incrementar ainda mais sua ação. Uma das dificuldades é a baixa oferta de resíduos. O melhor modo de resolver o problema é aproveitar mais o lixo doméstico, a fonte mais promissora. Para conseguir esse objetivo, deve-se ampliar a coleta seletiva, que já existe de modo assistemático com o recolhimento e a venda de latinhas e jornais em várias cidades. As Senhoras e os Senhores Senadores são testemunhas dessa atividade aqui mesmo na Esplanada dos Ministérios, onde vemos, freqüentemente, os carroceiros recolhendo os papéis jogados fora pelo nosso serviço burocrático. O ciclo normalmente envolve catadores de rua, ferros-velhos, sucateiros ou aparistas, até chegar ao fabricante do respectivo material.

           Além da falta da “matéria-prima lixo”, os recicladores sofrem com a instabilidade dos preços e com a falta de incentivo governamental. O Cempre - Compromisso Empresarial para a Reciclagem, entidade da sociedade civil, elaborou uma agenda para uma política nacional de resíduos sólidos, mas ainda não obteve resposta do Governo.

           Algumas das propostas para incrementar o setor são a eliminação do ICMS e a redução do IPI, bem como a oferta de linhas de crédito para as pequenas empresas. Tais incentivos facilitariam a aquisição de novas tecnologias e a desconcentração do mercado.

           Mas a reciclagem é apenas uma das possibilidades para resolver o problema que, pelos impactos econômicos e ambientais que causa, reclama a adoção de uma política pelo Governo Federal. Tal política, a ser traçada pelos órgãos públicos em parceria com organizações não governamentais interessadas, tem como objetivo estabelecer um sistema integrado de gestão dos resíduos sólidos.

           Para concretizar um projeto com esse perfil, é fundamental a participação da sociedade, cujo engajamento deve ser buscado. E o primeiro passo para isso é a disseminação de informações sobre o problema, para se ir vencendo cada vez mais as resistências sócio-culturais. Além do mais, é necessário adotar uma legislação apropriada, que contemple os princípios da reutilização, da reciclagem e da punição para os poluidores.

           Uma política para os resíduos sólidos exige, portanto, investimentos para buscar alternativas de tratamento; requer incentivos fiscais para os pequenos produtores; reclama proteção dos mananciais, para evitar a degradação; e compreende atitude fiscalizadora da sociedade para a questão do lixo. Tal política deve ter como prioridade a educação ambiental e o estabelecimento de metas ambientais para alcançarmos um novo patamar civilizatório, que é o desenvolvimento sustentável.

           Era o que tinha a dizer. Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/1997 - Página 23747