Discurso no Senado Federal

ANALISE DA GRAVE CRISE FINANCEIRA QUE ATINGIU O PAIS NA SEMANA PASSADA, COM A CONSEQUENTE ELEVAÇÃO DAS TAXAS DE JUROS E SEU REFLEXO PARA O AUMENTO DO DESEMPREGO E DA DIVIDA PUBLICA, ALEM DE AFETAR NEGATIVAMENTE AS RECEITAS GOVERNAMENTAIS E COLOCAR EM RISCO A ESTABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONSTANTE ALERTA DE S.EXA. COM A OMISSÃO DO GOVERNO NO TRATAMENTO DE VARIOS PROBLEMAS ECONOMICOS, TAIS COMO OS DA SUBSTANCIAL E PERSISTENTE VALORIZAÇÃO CAMBIAL, ACOMPANHADA DE UMA POLITICA DE ABERTURA AS IMPORTAÇÕES. EVASIVAS E ESCAPISMO NAS AFIRMAÇÕES DE QUE A VULNERABILIDADE DO PLANO REAL DEVE-SE A GLOBALIZAÇÃO, A OPOSIÇÃO OU A LENTA TRAMITAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DA GRAVE CRISE FINANCEIRA QUE ATINGIU O PAIS NA SEMANA PASSADA, COM A CONSEQUENTE ELEVAÇÃO DAS TAXAS DE JUROS E SEU REFLEXO PARA O AUMENTO DO DESEMPREGO E DA DIVIDA PUBLICA, ALEM DE AFETAR NEGATIVAMENTE AS RECEITAS GOVERNAMENTAIS E COLOCAR EM RISCO A ESTABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONSTANTE ALERTA DE S.EXA. COM A OMISSÃO DO GOVERNO NO TRATAMENTO DE VARIOS PROBLEMAS ECONOMICOS, TAIS COMO OS DA SUBSTANCIAL E PERSISTENTE VALORIZAÇÃO CAMBIAL, ACOMPANHADA DE UMA POLITICA DE ABERTURA AS IMPORTAÇÕES. EVASIVAS E ESCAPISMO NAS AFIRMAÇÕES DE QUE A VULNERABILIDADE DO PLANO REAL DEVE-SE A GLOBALIZAÇÃO, A OPOSIÇÃO OU A LENTA TRAMITAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1997 - Página 23882
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, RESULTADO, ECONOMIA NACIONAL, AUMENTO, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, DESEMPREGO, SUBEMPREGO, RECESSÃO, PREJUIZO, FINANÇAS PUBLICAS, EFEITO, CUSTO, FINANCIAMENTO, DIVIDA PUBLICA, AMEAÇA, COMPROMETIMENTO, ESTABILIDADE, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, VALORIZAÇÃO, CAMBIO, EXCESSO, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, AUMENTO, DEPENDENCIA, CAPITAL ESTRANGEIRO, RESULTADO, CRESCIMENTO, TAXAS, JUROS, DESACELERAÇÃO, ECONOMIA, DESEQUILIBRIO, NATUREZA FISCAL, DESEMPREGO.
  • CRITICA, GOVERNO, IMPUTAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, RESPONSABILIDADE, POSSIBILIDADE, PERDA, ESTABILIDADE, PLANO, REAL, DEMORA, APROVAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA ADMINISTRATIVA, PROPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, a crise financeira da semana passada está longe de ter sido superada, como admite o próprio Governo. Mesmo que os mercados acionários e cambiais continuem relativamente calmos, nos próximos dias e semanas, a drástica subida das taxas de juros trouxe e trará conseqüências negativas para a economia e a sociedade brasileiras.

O Banco Central poderá até conseguir derrubar o ataque especulativo contra o real - e todos nós almejamos que consiga fazê-lo -, mas os acontecimentos dos últimos dias modificaram substancialmente, e para pior, o panorama econômico para o Brasil.

Não se pode perder de vista que as taxas de juros já eram bastante altas mesmo antes do choque brutal aplicado na sexta-feira passada e anunciado na quinta-feira, no final do dia. A economia já vinha crescendo a taxas medíocres, insuficientes para impedir o agravamento do desemprego e do subemprego. Em algumas regiões importantes do País, como lá onde vivo, Sr. Presidente, na Grande São Paulo, o desemprego já estava batendo recordes históricos.

Como ficará agora a questão do emprego diante da violenta elevação dos juros? Sobre esse ponto, as explicações do Governo têm sido estranhas, para dizer o mínimo. O Presidente da República e o Ministro da Fazenda garantiram que não haverá recessão no Brasil. Ao mesmo tempo, contraditoriamente, o Presidente Fernando Henrique declarou que só Deus sabe quando as taxas de juros poderão baixar. Ora, se as taxas de juros estabelecidas pelo Banco Central, na sexta-feira passada, forem mantidas por muito tempo, não há como evitar a recessão. Claro que os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, agora André Lara Resende - que assessora o Presidente -, Francisco Lopes, um dos mais respeitáveis economistas do País, obviamente estão diagnosticando isso.

A verdade é que, desde a semana passada, o Governo não tem mais como garantir que não haverá recessão. O mínimo que acontecerá, se a calma se restabelecer com uma certa rapidez nos mercados financeiro e cambial, é uma desaceleração do nível da atividade. Mesmo nessa hipótese mais favorável, um aumento do desemprego e do subemprego será muito provável nos próximos meses, a não ser que o Governo, o Congresso e a sociedade brasileira saibam criar instrumentos que viabilizem a criação de empregos em larga escala, em que pese as dificuldades por que passará a economia.

Não é só o mercado de trabalho que sofrerá com os juros altos. As contas públicas serão prejudicadas pela alta do custo financeiro da dívida pública interna, a maior parte da qual é de curto prazo. Além disso, a desaceleração do nível de atividade econômica afetará negativamente as receitas governamentais.

A alta brutal dos juros também coloca em risco a estabilidade das instituições financeiras. Isso ocorre de várias maneiras. Por exemplo, a desaceleração da economia e a alta dos custos financeiros podem aumentar a inadimplência das pessoas físicas e das empresas, provocando um apodrecimento das carteiras dos intermediários financeiros. E já dão conta os diversos levantamentos feitos que essa inadimplência está aumentando nos grandes centros financeiros.

Se o período de juros extraordinariamente alto se prolongar muito, pode haver insolvência de bancos e outras instituições, a exemplo do que ocorreu na última vez em que o Banco Central aplicou um choque de juros em resposta aos efeitos do colapso do México, em 1995. Podemos recordar bem esses fatos, até porque, depois desses eventos, o Governo se viu obrigado a criar um mecanismo para restabelecer, reestruturar a saúde das instituições financeiras, ainda que isso tenha custado muito caro para a sociedade brasileira.

Sr. Presidente, a ninguém escapa a gravidade do quadro econômico brasileiro. O próprio Governo já não pode mais negá-la. Nos últimos anos, o Governo tem sido omisso em lidar com vários problemas econômicos, alguns dos quais foram criados pela maneira como se alcançou a queda da inflação. Refiro-me, em especial, à substancial e persistente valorização cambial, acompanhada de uma política de abertura às importações. Isso produziu o aumento da vulnerabilidade externa do País e da sua dependência financeira externa. Os riscos resultantes da política econômica brasileira agora se materializaram. As conseqüências serão sentidas na forma de instabilidade, juros absurdos, desaceleração econômica, desequilíbrios fiscais e desemprego. Esses fenômenos tenderão a se agravar.

Não se pode dizer que tenha sido por falta de aviso. Economistas das mais variadas tendências teóricas e ideológicas advertiram durante anos para os riscos a que estava sendo submetido o País, haja vista as observações da Deputada Maria da Conceição Tavares, de seu colega, também economista, Antonio Delfim Netto e os artigos que insistentemente Paulo Nogueira Batista Júnior tem escrito no jornal Folha de S. Paulo. Poderia ainda citar tantos outros.

Aqui no Congresso Nacional, diversos Parlamentares levantaram a sua voz para alertar a Nação quanto aos problemas provocados pela política cambial e de liberalidade nas importações. Já perdi a conta de quantas vezes subi a esta tribuna - e muitos foram os Senadores que o fizeram - nos últimos três anos, para manifestar a minha preocupação com os rumos da política cambial e econômica como um todo.

Por esses e outros motivos, o Governo Fernando Henrique Cardoso não tem credibilidade para fugir da sua responsabilidade pela situação crítica que estamos vivendo desde a semana passada. Não adianta, por exemplo, tentar colocar a culpa na globalização. Como ressalta o editorial de hoje da Folha de S.Paulo:

      "Embora muitos atribuam a crise a uma globalização etérea e externa, os observadores mais responsáveis apontam para um fato inegável: o Governo não fez a sua parte, não fez o seu dever de casa adequadamente, preferiu uma negligência otimista diante dos desajustes fundamentais nas contas externas e nas contas públicas."

Aliás, interessante é a observação do Professor John Kenneth Galbraith de que não costuma usar o termo “globalização” nas suas análises, acentuando que essa expressão tem sido mais utilizada como que para justificar o ingresso de movimentos de capitais, de mercadorias e de presença econômica das grandes empresas norte-americanas - de seu próprio País portanto - nos diversos países, sobretudo nas economias em desenvolvimento. O Governo não tem como transferir a responsabilidade para o Congresso, muito menos para os partidos de oposição. A vulnerabilidade do Plano Real não pode ser debitada à lenta tramitação das reformas constitucionais que estão perante o Congresso. A vulnerabilidade do Brasil tem a ver fundamentalmente com o elevado desequilíbrio externo e a sobrevalorização cambial.

As reformas constitucionais, que alguns tentam apresentar como a salvação da lavoura, não têm incidência direta sobre essas questões. Mesmo no que diz respeito ao déficit fiscal, as reformas têm pouco ou nenhum efeito no curto e médio prazos.

É preciso deixar claro perante a opinião pública que a correção dos desequilíbrios das contas externas e das contas públicas depende essencialmente de medidas infraconstitucionais e sobretudo da iniciativa do próprio Executivo.

Foi o que disse o Presidente da República, em entrevista publicada nas páginas amarelas da revista Veja, em 9 de abril deste ano. Vou citar as palavras do Presidente Fernando Henrique: "Desde o começo me bati com a equipe econômica para não dar tanta ênfase à necessidade das reformas constitucionais. Elas são importantes, mas dizer que o real depende delas é mentira." Vejam bem o que disse o Presidente há apenas sete meses: “dizer que o real depende das reformas constitucionais é mentira.” O Presidente ainda acrescentou: "As reformas não representam solução a curto prazo. O real não depende delas. As reformas são importantes do ponto de vista da organização do Estado ao longo do tempo, mas, por motivação ideológica, a equipe econômica queria as reformas e insistia no assunto".

Com que credibilidade pode o Presidente agora insistir na aceleração das reformas sob o argumento de que isso seria indispensável para enfrentar a crise financeira?

Seja como for, o Governo não pode atribuir ao Congresso, e muito menos aos partidos de Oposição, a exclusiva responsabilidade pela lenta tramitação das reformas constitucionais. Por exemplo, a reforma tributária, encaminhada pelo Executivo em 1995, ficou parada no Congresso sem que o Executivo se empenhasse em acelerar a sua tramitação.

Todos sabemos que, quando o Governo quer realmente fazer passar algo no Congresso e se empenha para isso, acaba conseguindo o que quer. Terá feito isso no que diz respeito à reforma tributária? Quando o Presidente encaminhou a proposta de reforma tributária à Constituição, nós da Oposição nos sentimos também com a responsabilidade de apresentar uma proposição, e o Partido dos Trabalhadores reuniu seus principais economistas e pessoas de todas as áreas para discutir o assunto. Ouvimos na ocasião, inclusive, especialistas independentes, como, por exemplo, o ex-Secretário da Receita Federal Osiris Lopes. Ouvimos muitos economistas. E na Câmara dos Deputados bem como no Senado, resolvemos dar entrada à proposta de emenda constitucional que trata da reforma tributária, alertando para o fato - e isto estava no conteúdo da nossa proposição - de que grande parte das medidas eram de natureza infraconstitucional, referiam-se a projetos de lei, inclusive a medidas administrativas, como, por exemplo, aquelas que visam evitar a evasão fiscal. Mas terá o Governo visto isso com bons olhos? Terão as lideranças governamentais dito que era aquela a boa oportunidade para o Governo e a Oposição dialogarem, para construírem algo no interesse do País? Não foi o que vimos. Nessas horas, o Governo não se senta com a Oposição para partilhar preocupações, para ver quais são as diferenças e propor um caminho que realmente seja a superação de obstáculos que a Nação e que a economia brasileira estão a enfrentar.

Mas é preciso recordar que noutro caso, por exemplo, o da emenda da reeleição, comovente foi o empenho do Governo para acelerar a tramitação da matéria. Se o Governo tivesse se esforçado da mesma forma para fazer passar as reformas, o quadro seria outro. De qualquer maneira, é na própria base governista que muitas vezes se localizam as resistências mais significativas à aprovação das reformas que o Executivo deseja ou diz desejar.

Chega de evasivas e de escapismo. Está mais do que na hora de o Governo Federal assumir as suas responsabilidades e tomar providências para tirar o País da difícil situação criada pelas políticas econômicas dos últimos anos.

Sr. Presidente, o Governo está anunciando que vai encaminhar medidas ao Congresso ou que vai tomar medidas ainda mais drásticas no que diz respeito ao conteúdo dos gastos governamentais. O Governo está anunciando, ainda sem detalhar, que poderá fazer vultosos cortes, ou cortes em larga escala. É preciso, então, pensar que tipo de corte será realizado. O que, para o Governo, é realmente essencial e prioritário? O que pode ser cortado?

Sr. Presidente, na mensagem orçamentária de 1998 há, por exemplo, a previsão de gastos com publicidade, só da administração direta, da ordem de R$420 milhões. Será que, cortando-se R$420 milhões a serem usados em publicidade, ou boa parte disso, deixando-se recursos somente para as informações essenciais de utilidade pública, o corte viria a prejudicar o bem-estar da população brasileira? Sr. Presidente, na minha avaliação isso é algo perfeitamente possível de ser cortado.

Por outro lado, há cortes que poderão significar desemprego em larga escala e há cortes em programas sociais que poderão acarretar dificuldades muito significativas para o Brasil a médio e longo prazos. Há que se ter responsabilidade sobre a escolha a ser feita. Espero que, no momento da escolha de prioridades, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e seu Ministério estejam dispostos a dialogar efetivamente com a Oposição. O nosso interesse é o de mostrar quais são os responsáveis em cada decisão e em cada caso; mas também temos a responsabilidade de propor o caminho para melhorar a situação da economia brasileira diante desse fenômeno que a atinge mais acentuadamente, porque ela está em situação mais vulnerável, relativamente, do que outras.

Há poucos dias, o Presidente Bill Clinton disse, em meio ao furacão, que os norte-americanos podiam ficar tranqüilos, porque os dados da economia norte-americana eram relativamente bons e mostravam uma evolução mais saudável do ponto de vista do equilíbrio das contas domésticas, da diminuição do déficit fiscal, da diminuição do déficit de balança corrente, e assim por diante.

Não é o mesmo caso da economia brasileira. Se lá o Presidente Bill Clinton ressaltou que, há sete anos, a economia norte-americana vem crescendo e a taxa de desemprego vem diminuindo, no Brasil nós temos déficit fiscal ainda acentuado, déficit em conta-corrente crescendo - e muito maior em 1997 do que em 1996 e 1995 -, taxas de desemprego relativamente altas, a questão social não resolvida.

E é preciso aqui fazer um alerta: no México, a crise do final de 1994 esteve relacionada não apenas ao desequilíbrio externo, mas também à questão do desequilíbrio social. Lembremo-nos de que foram os episódios de Chiapas que levaram à falta de confiança dos investidores em geral nas ações da Bolsa no México, e que isso levou a dificuldades imensas para a economia desse país.

Portanto, ao se tentar resolver os problemas da economia brasileira, há que pensar na necessidade do não-agravamento dos graves problemas sociais brasileiros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1997 - Página 23882