Discurso no Senado Federal

PREJUIZOS A ECONOMIA DOS ESTADOS E MUNICIPIOS GERADOS PELA 'LEI KANDIR'. JUSTIFICATIVAS PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A LEGISLAÇÃO DO IMPOSTO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTES INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • PREJUIZOS A ECONOMIA DOS ESTADOS E MUNICIPIOS GERADOS PELA 'LEI KANDIR'. JUSTIFICATIVAS PARA A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A LEGISLAÇÃO DO IMPOSTO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTES INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1997 - Página 24012
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESCUMPRIMENTO, LEI COMPLEMENTAR, AUTORIA, ANTONIO KANDIR, EX-DEPUTADO, COMPENSAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ESTADOS, MUNICIPIOS, RESULTADO, FALTA, ARRECADAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), EXPORTAÇÃO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REVOGAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPOSIÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PRODUTO EXPORTADO.
  • INFORMAÇÃO, PRETENSÃO, ORADOR, QUALIDADE, REPRESENTANTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LEGISLAÇÃO, AUTORIA, ANTONIO KANDIR, EX-DEPUTADO.

           O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Concedo a palavra ao Senador Ademir Andrade, que é o primeiro orador inscrito para falar na Hora do Expediente.

             discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as mudanças na tributação do ICMS, introduzidas pela Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei Kandir, além de não atingirem os objetivos esperados pelos seus mentores, foram totalmente danosas para a economia dos Estados, dos Municípios e do nosso País.

           O objetivo inicial daquela proposição legislativa, de autoria do então Deputado Antônio Kandir, era simplesmente exonerar do ICMS da exportação para o exterior os produtos primários e semi-elaborados. O projeto recebeu emenda substitutiva integral do Relator na Câmara, o Deputado Luiz Carlos Hauly, passando a disciplinar inteiramente o imposto estadual e instituindo outra inovação ruinosa para as combalidas finanças estaduais: a permissão para que os contribuintes se creditassem do ICMS incidente na aquisição de bens do ativo permanente (já em vigor) e de uso e consumo da empresa, que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 1998.

           As duas novidades propostas - é importante que se frise - implicariam enorme renúncia de receitas públicas e mereceriam, pois, um exame bastante acurado por parte das duas Casas do Congresso Nacional. No entanto, atendendo ao apelo do Governo Federal, o substitutivo foi aprovado na íntegra e às pressas na Câmara dos Deputados - em cerca de 30 minutos - e no Senado Federal - em pouco mais de uma semana -, o que demonstra que os seus efeitos não foram bem estimados.

           Incrível é, Srs. Senadores, que tenha sido votado neste Senado numa quinta-feira pela manhã, dia 12 de setembro de 1996, um período próximo às eleições municipais, em que a ausência dos Senadores era flagrante nesta Casa. E, votado no dia 12 de setembro, tenha sido publicada a referida lei no Diário Oficial da União já no dia 13 de setembro, um dia após a votação no Senado, que aprovou a lei sem modificação alguma. Só estavam presentes na sessão 56 dos 81 Srs. Senadores.

           Como o interesse pela aprovação da lei era inteiramente do Governo Federal, determinava ela que, para a compensação das perdas dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, a União lhes entregaria recursos equivalentes ao decréscimo que teriam em suas rendas, provenientes do ICMS. Esse repasse, conhecido como seguro-receita, seria temporário, encerrando-se no ano 2002 e, em alguns casos, podendo estender-se até 2006.

           O cálculo das quotas de cada Estado ou Município seria determinado por fórmulas complicadíssimas, contidas no anexo da lei, mal compreendidas até mesmo por seus idealizadores, tanto que o substitutivo foi oferecido e aprovado na Câmara com erro nas fórmulas, que só vieram a ser sanadas no trabalho do Relator no Senado, Senador José Fogaça.

           Na verdade, a sistemática criada para a compensação dos Estados e Municípios tem-se revelado um verdadeiro engodo, haja vista que as Unidades Fderativas que não estão tendo redução em sua receita do ICMS não fazem jus a nenhum recebimento de recursos compensatórios da União. Dessa forma, os Estados que se mostraram eficientes no seu dever de fiscalização e arrecadação tributária e que, a despeito das novas renúncias da Lei Kandir, conseguiram evitar quedas nas receitas do ICMS estão sendo punidos ao nada receberem e acabarão bancando, eles próprios, as perdas derivadas das inovações legais adotadas no interesse precípuo da política do Governo da União.

           Para se ter uma idéia, estimava-se, à época da elaboração do projeto, que, em decorrência dos benefícios criados pela Lei Kandir, deixaria de ser arrecadado neste ano de 1997 um volume de ICMS equivalente a R$3 bilhões e 600 milhões. Hoje, sabe-se que os prejuízos para os Erários estaduais e municipais superam esse valor. Não obstante, o volume de recursos recebidos pelos Estados e Municípios, até a data da apresentação deste, compensando as perdas deste exercício, somam R$338 milhões, 503 mil e 480 - vale dizer, menos de 10% da renúncia fiscal que será apurada no exercício. A par disso, os repasses, além de minguados, são temporários, cessando em poucos anos.

           Isso demonstra a astúcia da equipe econômica do Governo Federal, sobretudo dos técnicos do Ipea, que elaboraram a minuta do substitutivo que deu origem à Lei Kandir e, ao mesmo tempo, a ingenuidade de Governadores e Parlamentares que creram que os Estados e Municípios não seriam prejudicados com a nova lei.

Sob o aspecto das finanças públicas, as inovações trazidas pela Lei Kandir revelaram-se, assim, um grande embuste de que foram vítimas Estados e Municípios, e beneficiários de boa-fé os exportadores de produtos primários e semi-elaborados, notadamente os atravessadores. 

Os argumentos principais dos defensores da Lei Kandir residiam na importância de se fomentar a exportação em face dos resultados negativos da balança comercial nos últimos anos, propondo-se a desoneração total do ICMS que deveria provocar o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Infelizmente, isso não ocorreu, nem poderia ocorrer, haja vista que o preço dos produtos primários são determinados pelas regras de mercado estabelecidas nas principais bolsas de mercadorias do mundo e, considerando-se o grande número de fornecedores existentes atualmente, não seria a redução do custo da mercadoria brasileira que causaria a queda dos preços internacionais.

Ao final, emergiu a verdade dos fatos: não será o incentivo à exportação de produtos primários, em detrimento do bem-estar da população brasileira que irá resolver o problema do equilíbrio das nossas contas externas. Prova disso é que nossas contas externas continuam batendo recordes negativos.

O que ocorreu, na realidade, foi uma simples transferência de recursos do Erário Estadual e Municipal para o patrimônio das empresas comerciais exportadoras - entendam-se especuladores do comércio exterior, e, em menor parte, para os produtores agrícolas. Em compensação, ficou mais fácil e lucrativo vender produtos agropastoris para o exterior, o que causou um aumento do seu preço no mercado interno, dificultando sua aquisição pelas camadas mais carentes do nosso povo.

Assim, a nova lei tornou, por exemplo, a soja mais cara para o consumidor brasileiro, que passou a consumi-la em menor quantidade, ao passo que o nosso cereal servirá para alimentar as criações de porcos dos países chamados ricos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Gostaria, inicialmente, de congratular-me com V. Exª por abordar um assunto tão relevante. O meu aparte consiste na tentativa de recordar que há cerca de um ano a Folha de S.Paulo publicou um artigo meu intitulado "Os sapatos do Sr. Kandir". Começava o artigo relembrando que Keynes foi acusado, no final dos anos 20, de ser autor de um projeto através do qual a Inglaterra poderia recuperar o seu desemprego, a sua depressão, que se manifestava com 1,2 milhão de trabalhadores desempregados. Diziam que o projeto, tal como o do Sr. Kandir, consistia em, através de uma medida tributária, permitir que a renda nacional se elevasse e que, por meio dessa elevação, o próprio governo se ressarcisse de seus gastos, beneficiando toda a coletividade inglesa. Foi então que, com o humor inglês, disseram que o Lord Keynes queria subir puxando para cima seus próprios sapatos. Dizia eu, nesse artigo, que a Lei Kandir prejudicaria todos e que a afirmação de que o PIB cresceria 9% ao mês, como afirmou S. Exª e outros Ministros naquela ocasião, não passava de mero engodo. Agora caíram no Real: 1 ou 2% de crescimento do PIB nos próximos 12 meses! Até onde, até quando nós, das minorias, teremos que agüentar calados, sem fazer nada diante disto que se lança contra nós: deste trator que foi paralisado para não prejudicar a reeleição e que, neste momento, nos culpa como se tivéssemos esvaziados os tanques de combustível desse trator, movido inclusive a dinheiro. Portanto, tal como eu dizia, tentando repetir o humor inglês, repito que essa lei do Sr. Kandir parece em tudo com o casamento, uma sociedade na qual a mulher tudo perde e o marido nada ganha. Todos perderiam, inclusive Estados e Municípios, e a União teria que desembolsar até o ano de 2002 para ressarcir esses prejuízos. Ninguém ganharia, e obviamente nem a exportação poderia ser aumentada. Se se chegasse aos produtos de exportações, os beneficiados seriam os consumidores externos, e não o povo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Sou eu quem agradece a V. Exª.

Não é sem razão que todos os governadores e muitos prefeitos, afinal conscientes dos malefícios das novas disposições relativas ao ICMS, estão reclamando em uníssono de seus efeitos deletérios para as finanças públicas. Não se passa um dia em que se assista ao Governador do Estado de maior expressão econômica do País - São Paulo - queixar-se dos prejuízos sofrido com a Lei do ICMS.

Sob o aspecto jurídico, no entanto, é que se mostram mais graves as alterações da indigitada lei que buscamos, com esse projeto de lei, revogar. Está bastante claro que tais alterações vieram subverter a vontade da Constituição e o sentimento da Assembléia Nacional Constituinte.

Ao estabelecer o disciplinamento do ICMS, a Carta de 1988 teve o desvelo de definir os seus vários aspectos, a fim de evitar distorções em sua tributação, já que se trata do principal imposto do País. Assim, determinou, no que se refere ao sistema de crédito do imposto, que: “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (art. 155, § 2º, II). Em assim dizendo, deixou claro que o crédito do ICMS é compensado com o ICMS devido nas operações ou prestações seguintes e - a contrário senso - que, se não houver operação ou prestação seguinte com determinada mercadoria ou serviço, isto é, se a mercadoria ou serviço adquirida para uso ou consumo, ou para integrar artigo fixo do estabelecimento, não há que se falar em crédito de ICMS.

Só se pode falar em crédito se houver operação posterior com a mesma mercadoria ou produto dela resultante (em caso da sua utilização em processo industrial). Só se poderá abater algum tipo de imposto já pago do valor do imposto incidente em operação posterior com a mesma mercadoria alienada por um preço maior, ou seja, com algum valor agregado. É exatamente este o fundamento do princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS: garantir que o tributo incida apenas sobre o valor agregado em cada operação com uma mesma mercadoria ou serviço.

Do contrário, isto é, permitindo-se a utilização de créditos oriundos da aquisição de bens de consumo e do ativo imobilizado, estaríamos negando a existência do imposto não-cumulativo: se tudo der direito a crédito, é razoável supor-se que os débitos do ICMS tenderiam à nulidade.

A lei complementar veio, assim, descaracterizar completamente o tributo, a ponto de ameaçar seriamente sua própria função fiscal, tornando-o incapaz de gerar as receitas de que necessitam a Administração Estadual e Municipal.

Mais grave ainda é a extensão por lei complementar, que poderíamos classificar até mesmo de criminosa, da imunidade que se dá aos produtos industrializados, para os produtos primários e para todos os produtos semi-elaborados. A Constituição determina, precisamente, que o ICMS não incidirá sobre "operações que destinam aos exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar."

O que deseja a Constituição e que objetivou o Constituinte foi induzir o agente econômico nacional a exportar produtos que tenham em seu preço uma grande parcela do custo de industrialização, incluindo-se, aqui, além dos industrializados, apenas alguns produtos semi-industrializados, cuja exportação fosse relevante para o País. Jamais se pretendeu incentivar a exportação de produtos primários ou com rudimentar manufatura e que pouquíssimo valor agregado possuem. Tanto que a Carta determinou ao Congresso Nacional que editasse lei complementar enumerando os produtos semi-elaborados que não estariam albergados pela não-incidência, o que foi cumprido por meio da Lei Complementar nº 65, de 15 de abril de 1991.

Por fim, fica a constatação do fato odioso, pelo qual um imposto de competência dos Estados, cuja receita é compartida com os municípios na proporção de três para um, imposto que constitui a principal base de sustentação dos Estados e da maioria dos municípios, de repente, passa a ser disciplinado por um diploma legal elaborado ao inteiro nuto de um Ministro do Governo Federal e de sua equipe econômica, aprovado em tempo recorde no Congresso Nacional, num completo desconhecimento da autonomia das Unidades Federativas, titulares que são da competência para instituir tal tributo. Resta, pelo menos, a lição de que um sistema tributário, como todo sistema, é um conjunto equilibrado de institutos e regras que sedimenta ao longo de séculos e que, às vezes, não aceita mudanças repentinas e de afogadilho, como foi o caso das introduzidas pela malsinada Lei Kandir. 

Considerando as perdas impostas aos Estados, que já estão em situação que enseja a intervenção federal, eis que muitos deles não conseguem suportar sequer a folha de seus servidores e o serviço de sua dívida; considerando que os dispositivos que queremos revogar constituem afronta à Constituição e à economia nacional, contamos com a aprovação desta iniciativa pelos Parlamentares de ambas as Casas para sanar, urgentemente, essa grave falha que não deixa de ser, também, do Congresso Nacional.

Cumpre, assim, ao Parlamento, exercer o controle político de constitucionalidade da lei em foco, antecipando-se ao próprio Judiciário, para, no Magistério do Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer - atendendo a sua afirmativa -:"impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição."

Desejo informar ao Plenário também, Sr. Presidente, que, além desse projeto de lei que hoje apresento à consideração dos meus Pares revogando a Lei Kandir, também estou terminando um trabalho que se refere a uma ação de inconstitucionalidade contra a referida lei, que irei, em nome do meu Partido, o Partido Socialista Brasileiro, apresentar em breve ao Supremo Tribunal Federal.

Creio que devia ser do nosso dever e da nossa obrigação repararmos o grave erro em termos aprovado essa Lei da forma como foi aprovada no Congresso Nacional.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1997 - Página 24012