Discurso no Senado Federal

QUESTIONANDO DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL NA QUAL AFIRMA SUA PERPLEXIDADE DIANTE DOS ACONTECIMENTOS NA ECONOMIA, QUE CULMINOU COM A CRISE DAS BOLSAS, INICIADA NO DIA 23 DO MES PASSADO. CAMISA DE FORÇA IMPOSTA PELOS ESTADOS UNIDOS, QUE OBRIGA O BRASIL AO EQUILIBRIO ORÇAMENTARIO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • QUESTIONANDO DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL NA QUAL AFIRMA SUA PERPLEXIDADE DIANTE DOS ACONTECIMENTOS NA ECONOMIA, QUE CULMINOU COM A CRISE DAS BOLSAS, INICIADA NO DIA 23 DO MES PASSADO. CAMISA DE FORÇA IMPOSTA PELOS ESTADOS UNIDOS, QUE OBRIGA O BRASIL AO EQUILIBRIO ORÇAMENTARIO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1997 - Página 24016
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), IMPOSSIBILIDADE, ESCLARECIMENTOS, CRISE, BOLSA DE VALORES, MUNDO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, ENTRADA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL, CRIAÇÃO, DEPENDENCIA, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUMENTO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, VALORIZAÇÃO, CAMBIO, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, NECESSIDADE, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, ORÇAMENTO.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, através do Senador Ademir Andrade, a Oposição tenta orientar um pouco essa desordem sistemática que levou a economia brasileira àquilo que S. Exª, o Presidente do Banco Central, afirmou ser um estado de perplexidade: "Estou perplexo diante desses acontecimentos". E mais: "Nenhuma teoria é capaz de explicar o que está acontecendo". O genial, talvez mais genioso do que genial, Presidente do Banco Central deveria jogar fora essas teorias que não explicam o mundo, porque a função do pensamento humano é compreender o mundo e modificá-lo; se essas teorias neoliberais não servem para explicar aquilo que há de mais significativo na história econômica da humanidade, aqueles momentos em que ela se revela e revela a natureza íntima do sistema capitalista - como dizia Marx -, abre a anatomia do sistema e mostra o seu interior. Se esses que vão para lá e voltam "Phdeuses", à custa de nosso erário, de nosso sacrifício, não aprendem a entender o mundo e a modificá-lo na direção mais conveniente aos interesses coletivos, esses deveriam, pelo menos, devolver o dinheiro gasto à toa. Quando fui estudar na Itália, vendi um apartamento que eu tinha no centro de Belo Horizonte e custeei os meus estudos. Se pouco aprendi, não devo nada a ninguém.

O Presidente do Banco Central não tem o direito de se declarar perplexo diante dos acontecimentos iniciados no dia 23 do mês passado e que há tanto tempo rondavam o mundo. Mas rondavam o mundo real. No entanto, aqui se criou o mundo esquizofrênico, entrando em choque, em conflito com a realidade. Diz Sigmund Freud, em seu livro Totem e Tabu, edição Paiot, que eu já li há quase 50 anos: “O homem entra em conflito com o mundo do trabalho e se refugia no mundo imaginário, nesse mundo acolchoado de equilíbrio geral, equilíbrio parcial, equilíbrio momentâneo, equilíbrio dinâmico. Vão lá aprender, no centro da dinâmica contraditória do mundo - os Estados Unidos -, que o mundo, se não tivesse governo, que atrapalha o equilíbrio, se não tivesse moeda, que perturba a atividade econômica, tenderia, através das idéias iluministas, encaminhar-se para o equilíbrio geral.

Ah! Para isso não precisava ir tão longe para aprender tão pouco. Eu também, quando tinha 18, 20 anos de idade, pensava assim. Mas, felizmente, abandonei, há muito tempo, esta visão limitada, parcial, unidimensional do mundo, principalmente dos fenômenos econômicos.

Se memória da vida se permitisse neste Governo que aí está, é óbvio que o Presidente do Banco Central e o Ministério FHC não poderiam afirmar que tinham construído uma muralha de segurança e que tudo o que acontece no mundo: os abalos, os tremores de terra, que cada vez mais se reafirmavam com maior intensidade, de Hong Kong ameaçando o won; da Tailândia, colocando em perigo a estabilidade do baht e, ao mesmo tempo, ocasionando um tremor de terra, um abalo sísmico nas Bolsas do Sudeste Asiático, que isso tudo não repercutiria aqui. Na verdade, logo em seguida, esses abalos e tremores tiveram a sua repercussão como se fossem um bumerangue, lançado pelos Estados Unidos, de volta às Bolsas de Nova Iorque, de Frankfurt, de Londres etc. Assim, se estamos no mundo, estamos sujeitos aos percalços deste. Não estamos no mundo da lua, e, portanto, o Presidente do Banco Central não tinha o direito de se declarar perplexo com o que estava acontecendo.

Alan Greenspan, Presidente do Banco Central dos Estados Unidos, por duas vezes consecutivas, afirmou e, num discurso, reafirmou pela terceira vez, que as Bolsas estavam perigosa e artificialmente elevadas. E declarou, na primeira queda da Bolsa, que considerava aquele acontecimento positivo, porque era preciso furar o grande movimento especulativo que se reuniu somente em torno das Bolsas, fora das dívidas e dos empréstimos desse dinheiro, US$3,5 trilhões. Sabia o Sr. Alan Greenspan muito bem, como sabe, por exemplo, o Prof. Galbraith, que escreveu um livro sobre a crise de 29, que o capitalismo vai criando fenômenos fictícios, imaginários, irreais, que fazem parte da realidade capitalista.

Referindo-se, certa vez, à dívida pública, Marx disse, citando Sismondi: “Esta é um valor imaginário, valor que não se valoriza. Na Bolsa, a especulação vai fazendo com que o preço das ações se distancie cada vez mais da rentabilidade dos negócios reais”. Portanto, do valor das ações, enquanto reflexo, retrato do valor patrimonial das empresas e da sua lucratividade. O preço das ações se descola do mundo real e se descola justamente porque o dinheiro potencial, ao invés de se transformar em mais investimentos, contratar mais mão-de-obra, comprar mais equipamentos, comprar mais matérias-primas, não tendo rentabilidade no mundo real, se refugia nas Bolsas e aí esse dinheiro, chamado idle money, dinheiro preguiçoso, não reinvestível, se transforma num capital especulativo fictício.

Em 1929, estávamos ainda no princípio desta criação fantástica que hoje se chama dinheiro volátil. Naquela ocasião, os investidores na Bolsa compravam, digamos, US$1.000 em ações da Ford, uma empresa sólida, e iam aos bancos e caucionavam os US$1.000, recebendo US$800 de empréstimo. Voltavam à Bolsa, compravam US$800 de ações e os bancos caucionavam esses US$800 em ações, garantidas, seguras, valorizadas diariamente na Bolsa, e então emprestavam US$640. O especulador ia lá, comprava US$640 em ações, voltava ao banco, e assim havia um multiplicador - US$1.000, reais, se transformavam em milhares de dólares, caucionados apenas, baseados apenas, todo esse crédito inflado em ações e na sua valorização. No dia em que a Bolsa veio abaixo, obviamente os bancos ficaram com o mico preto, ficaram com as ações, cujo valor havia voltado ao real, à realidade. A partir daí, é óbvio, ninguém foi lá trocar as ações desvalorizadas por dólar bom. E, assim, cinco mil bancos quebraram nos Estados Unidos, apenas nos Estados Unidos, entre 1930 e 1935.

Sr. Presidente, agora estamos numa situação em que essa criação de dinheiro fictício reflete, uma vez bem analisada, uma crise de sobreacumulação em escala mundial, crise essa que os japoneses já estão vendo há muito tempo. A corrente cosa uno, da qual Makoto Ito é um dos representantes mais ativos, afirma que o Japão há muito tempo se encontra diante de uma crise de sobreacumulação, excesso de capital, crescimento excessivo, que faz com que se torne impossível irrigar com o excedente, retirar do trabalho humano esse capital assombrosamente, assustadoramente acumulado. Portanto, esse dinheiro só pode ser valorizado, só pode encontrar seus juros, só pode encontrar a sua valorização nele mesmo, na entrada de mais dinheiro, que faz com que esse movimento fantástico, descolado da realidade, vá inflando, vá crescendo para, um dia, inexoravelmente, explodir.

Portanto, Alan Greenspan já desconfiava disso e por isso recebeu, ele sim, não a Oposição brasileira, batendo palmas, o fato de que as Bolsas haviam começado a entrar em colapso lá, na longínqua Tailândia, Hong Kong, e não em Nova Iorque.

Pois bem, parece-me que esse é apenas um sintoma epidérmico do que está acontecendo no mundo, devido a um fato ao qual tenho me referido inutilmente, mas que continuo pacientemente a referir-me a ele. É o fato seguinte: há bastante tempo, desde a tentativa frustrada do primeiro plano de estabilização, denominado Cruzado I, entramos nessa camisa-de-força que obriga o Brasil ao equilíbrio orçamentário. Tenho aqui em mãos, retirada do Boletim do Fundo Monetário Internacional, uma série em que se pode verificar que o Governo Federal dos Estados Unidos vem apresentando déficits no seu orçamento. Nós temos que equilibrar o nosso: não pagar funcionários, não admitir reajustes, não repassar dinheiro para as áreas da saúde e da educação...

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha) - Senador Lauro Campos, desculpe-me pela interrupção. Eu apenas gostaria de prorrogar a Hora do Expediente, para que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Muito obrigado.

Sr. Presidente, os dados de que disponho mostram o seguinte: nos Estados Unidos, em 1970, houve um déficit de US$11,4 bilhões. A partir de 1970, em todos os anos - de 1970 até 1997 -, houve déficit naquele país.

Eles querem que haja um superávit em nosso orçamento, que não gastemos, que percamos a guerra contra o desemprego e o analfabetismo, que deixemos os nossos hospitais serem sucateados, para que o Governo tenha superávit orçamentário. Mas eles têm déficit permanente.

Se eu tivesse em mãos uma lista um pouco maior, eu diria que, desde 1930, apenas em três anos, houve um ligeiro superávit no orçamento do Governo Federal dos Estados Unidos. Nos demais anos, houve déficit.

Uma vez que essa tendência ao equilíbrio é imposta pelos Estados Unidos, haverá, pela primeira vez na história do capitalismo, um mundo com equilíbrio orçamentário. Anteriormente, não vivemos essa experiência. Não sabemos qual é o custo disso e não sabemos se o capitalismo irá resistir a isso.

Estou alertando para essa questão, mas não deveria fazê-lo. Eu deveria deixar que eles se arrebentassem. Sou socialista. Mas o custo social, em termos de desemprego, em termos de desumanidade, em termos de falta de saúde e educação, etc, é tão grande que realmente eu preferia que o capitalismo caísse e fosse superado por uma forma superior de sociedade, com menos desumanidade, com menos resultados contra a sobrevivência do homem.

Observem o déficit orçamentário crescente do Governo Federal dos Estados Unidos ao longo dos anos: em 1970, US$11,4 bilhões; em 1980, US$76,2 bilhões; em 1983, US$202,5 bilhões; em 1984, US$178 bilhões; no ano seguinte, US$212,1 bilhões; em 1986, US$212,6 bilhões; em 1990, US$218 bilhões. Eles, que nos impõem o equilíbrio orçamentário! Em 1993 foram US$254 bilhões de déficit federal.

No tempo de Reagan e de Bush, que disseram, da boca para fora, que iriam equilibrar o orçamento, aí que o déficit disparou: US$254 bilhões em 1993 e US$201 bilhões em 1994. Eis onde começa o problema: os Estados Unidos, cujo Governo chegou a comprar US$300 bilhões a mais do que arrecadou, ou seja, tendo um déficit de US$300 bilhões, de repente começa a gastar menos, comprando menos armas, enquanto o Chile e a Argentina têm que importar armas, e o Brasil tem que importar os serviços da Raytheon. Falei isso quando passou por aqui o projeto Sivam, todo ele vendido pela Raytheon, uma das grandes fornecedoras de armas para o Governo americano. Agora, o Governo americano começa a reduzir suas despesas, e nós temos que comprar qualquer coisa no seu lugar, importar aquilo que ele deixou de comprar, para, assim, manter o desemprego nos Estados Unidos em apenas 4%. Neste ano, o déficit do Governo dos Estados Unidos vai ser de apenas US$27 bilhões. É por isso que a Argentina tem que ter déficit comercial, importar uma parte daquilo que o Governo americano deixou de comprar para reduzir o seu déficit orçamentário, e a União Européia e o Brasil têm que ter déficit na balança comercial para comprar dos Estados Unidos aquilo que o Governo norte-americano deixou de comprar e, apesar disso, não aumentou o desemprego naquele País. Exportaram o desemprego para nós, exportaram a dívida pública que se transformou em dívida externa da América Latina e do resto do mundo. De modo que é evidente que, diante desta acomodação da economia norte-americana, o mundo teria que passar por isto, necessariamente.

Infelizmente, tenho o tempo terminado, e fico por aqui, pensando que, pelo menos, uma parte principal, embora rapidamente analisada, possa indicar que só fica perplexo aquele que não quer olhar e encarar a dura realidade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1997 - Página 24016