Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A CRISE DAS BOLSAS NOS PAISES ASIATICOS EMERGENTES E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O BRASIL. COMENTARIOS DO SR. ALAN GREENSPAN SOBRE A REFERIDA CRISE. NECESSIDADE DE UM MAIOR CONTROLE, POR PARTE DAS AUTORIDADES, A FAVOR DA DEFESA DO PATRIMONIO DOS PEQUENOS INVESTIDORES EM FUNDOS DE AÇÕES.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A CRISE DAS BOLSAS NOS PAISES ASIATICOS EMERGENTES E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O BRASIL. COMENTARIOS DO SR. ALAN GREENSPAN SOBRE A REFERIDA CRISE. NECESSIDADE DE UM MAIOR CONTROLE, POR PARTE DAS AUTORIDADES, A FAVOR DA DEFESA DO PATRIMONIO DOS PEQUENOS INVESTIDORES EM FUNDOS DE AÇÕES.
Aparteantes
Coutinho Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/1997 - Página 24416
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, REDUÇÃO, VALOR, COTAÇÃO, BOLSA DE VALORES, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ASIA, RESULTADO, INVESTIMENTO, CAPITAL ESPECULATIVO.
  • ANALISE, INFLUENCIA, AUMENTO, NUMERO, PERCENTAGEM, PARTICIPAÇÃO, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, MOVIMENTO FINANCEIRO, BOLSA DE VALORES, BRASIL, PROVOCAÇÃO, ESPECULAÇÃO, PREJUIZO, CORRENTISTA, FUNDO DE INVESTIMENTO, PAIS.
  • DEFESA, AUMENTO, CONTROLE, AUTORIDADE PUBLICA, COMISSÃO DE VALORES MOBILIARIOS, IMPEDIMENTO, ESPECULAÇÃO, VALORIZAÇÃO, FUNDO DE INVESTIMENTO, CORRENTISTA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FINANCIAMENTO, INICIATIVA PRIVADA, PRIVATIZAÇÃO, LEILÃO, AQUISIÇÃO, EMPRESA ESTATAL.

O SR. JOÃO ROCHA ( PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr., Presidente. Srªs. e Srs. Senadores, as bolsas de valores brasileiras, no rastro das bolsas de valores de todo o mundo, foram palco, nos dias que correm, de grandes quedas de cotações. Configurou-se um forte movimento especulativo de baixa, com grave prejuízo para os investidores. É de se lamentar, principalmente, o prejuízo do pequeno investidor dos fundos de investimento em ações. Um movimento especulativo caracterizou, também, o primeiro semestre deste ano, só que em sentido contrário: o de alta. As ações, que passaram meses, exibindo cotações exageradas, sem base sólida fundada em razões econômicas ligadas à vida das empresas, despencaram subitamente, como no rompimento de uma bolha de sabão que houvesse sido inflada excessivamente.

Um mercado acionário saudável é utilíssimo para a economia, pelo acesso ao capital que abre às empresas. É especialmente útil e construtivo que a pequena poupança seja, em parte, encaminhada aos fundos investimentos em ações, pois isso amplia a base de capitalização das empresas e estabelece um verdadeiro capitalismo popular. Considerando esses pressupostos do mercado acionário, é profundamente lamentável que uma onda especulativa altista, como a que tivemos no primeiro semestre, e, agora, seu inverso, uma onda especulativa baixista prejudiquem o pequeno investidor e solapem sua confiança no investimento em ações.

Os fundos de investimentos em ações registraram perdas pesadas na recente turbulência das bolsas brasileiras: entre 22 de outubro e 27 de outubro, o patrimônio dos fundos de ações empobreceu-se em R$2 bilhões: era um patrimônio de R$18 bilhões e reduziu-se a R$16 bilhões, em poucos dias, no furacão especulativo, na crise de medo, nas vendas apavoradas que acometeram as bolsas: as nossas e as de todo o mundo.

Os primeiros tremores nas bolsas brasileiras foram sentidas há poucos meses, quando da crise que envolveu os chamados tigres asiáticos, países da orla do Pacífico que vinham de muitos anos de crescimento econômico acelerado. Tudo indica que, em países como Tailândia, Indonésia, Malásia e Cingapura, a economia próspera havia ingressado, no anos mais recentes, numa faixa de crescimento pouco saudável, com especulações imobiliárias e fraqueza dos créditos bancários. Esses países, desde meados deste ano e nos meses recentes, tiveram que desvalorizar suas moedas e enfrentar forte quebradeira de bancos e empresas. Isso causou um nervosismo inicial em outros países, já que os movimentos de capitais estão, hoje, muito interligados de país a país.

O prejuízo financeiro dos tigres asiáticos lembrou aos investidores em bolsa que outros mercados, como as bolsas de valores de todo o mundo, que estavam passando por fase de excessivo e continuado otimismo, também poderiam falhar. Com relação à Bolsa de Nova Iorque, já havia alertado o presidente do banco central americano, Sr. Alan Greenspan, contra os perigos de sua "exuberância irracional".

O nervosismo dos últimos meses, finalmente, eclodiu em onda de pavor, agredindo inicialmente a Bolsa de Hong Kong, apesar da pujança da economia desse território. A Bolsa de Hong Kong caiu 10,41%, uma enormidade, em um só dia: dia 23 de outubro. O medo contaminou as bolsas ao redor do mundo, que começaram a cair uma após outra, como pedras de dominó. No período de 23 a 27 de outubro, registraram-se as seguintes quedas: Hong Kong, 9,79%; Tóquio, 3,65; Frankfurt, 7,18%; Londres, 5,98%; Nova Iorque, 10,87%; São Paulo, 24,235!

Sim, as bolsas brasileiras foram as que apresentaram as maiores quedas: 25%! A consciência de que as cotações estavam altas, fruto da especulação do primeiro semestre, e o efeito "cópia", que correu o planeta, de bolsa em bolsa, foram as causas básicas. Mas também contou com a sombra lançada sobre nossa economia pelo déficit fiscal, que ainda não superamos.

A Bolsa de Nova Iorque sofreu grande baque: 11% num só dia. Para uma bolsa tão poderosa e estável, que raramente chega a variar 1% por dia, é uma queda terrível. No entanto, a economia americana passa por uma fase excepcionalmente boa, e os investidores lá puderam ser convencidos de que não cabia uma correção para baixo tão drástica nas cotações. Nova Iorque se estabilizou, iniciando um movimento de tranqüilização nas bolsas de todo o mundo.

O Sr. Alan Greenspan foi uma voz que apelou convincentemente, no sentido de restabelecer a calma na Bolsa americana. Em pronunciamento perante o Senado americano, em 27 de outubro, além de afirmar a saúde da economia de seu país, teceu alguns importantes comentários sobre a crise das bolsas e das moedas dos países emergentes, principalmente os da Ásia, mas também com implicação sobre o Brasil.

Sobre a economia americana, aquela autoridade afirmou que, com cotações mais baixas, realistas, haverá um ritmo mais lento, porém mais confiável. Quanto à especulação dos investidores nos mercados emergentes, como Ásia e América Latina, Greenspan observou que, nos últimos anos, aumentou a eficiência dos fluxos de capital, mas aumentou também a capacidade do sistema financeiro internacional de transmitir, velozmente, problemas de uma parte do mundo para outra. Disse ele ainda: "é o boom do mercado acionário mundial dos anos 90. (...) mais dinheiro entrou nessas economias do que poderia ser empregado rentavelmente, com baixo risco; especialmente problemático é o contágio da fraqueza de uma economia, que se espalha para outras à medida que os investidores pressentem nelas - com ou sem razão - vulnerabilidade semelhante". A seguir Greenspan citou, como economias atingidas por esse efeito de contaminação, Hong Kong e a América Latina, que sofreram quedas nas bolsas e ataques especulativos contra suas moedas. No caso da América Latina, acrescentou ele, contribuíram também fraquezas internas - e podemos, aí, pensar no déficit público do Brasil.

Greenspan concluiu que a saída positiva da crise deve-se dar com os agentes privados absorvendo os prejuízos, e os governos cuidando da saúde dos fundamentos macroeconômicos e estruturais, para que possa voltar a haver crescimento econômico.

Das palavras da respeitada autoridade americana, depreende-se a certeza de que, nas Bolsas de Valores de todo o mundo, os preços eram fictícios, estavam inflados pela especulação. As Bolsas brasileiras também estavam supervalorizadas e prejudicaram pequenos investidores, atraídos por preços enganosos. Ora, as valorizações dos fundos de ações não devem ser de natureza exclusivamente especulativa, mas acompanhar o crescimento real das empresas cujas ações são negociadas em Bolsas. A atratividade dos fundos não se deve basear na gula especulativa dos lucros fáceis, mas na evolução do valor real e concreto das empresas, por meio de índices tais como seus ativos líquidos, suas receitas anuais brutas, o lucro líquido e o percentual do lucro sobre o capital.

O Índice Bovespa, em julho de 1996, estava cotado 40% acima do seu valor em julho de 1995, conquanto em ambiente de baixa inflação. Pode-se argumentar que 1995 foi um ano de cotações baixas nas Bolsas brasileiras, e que era normal uma forte recuperação. Mas o movimento de recuperação, de alta das cotações, continuou em marcha acelerada. Em julho de 1997, o Índice Bovespa estava 80% acima do valor nominal de julho de 1996, uma alta fortíssima, que encerrava certamente muita dose de especulação. Receio que, nesses meses de altas exageradas, muitos pequenos investidores tenham sido atraídos para fundos de ações, fundos que também estavam participando imprudentemente desse festival especulativo.

Um indicador interessante desses movimentos especulativos é o percentual de participação de capitais do exterior na movimentação das bolsas brasileiras. Em dezembro de 1993 e 1994, essa participação estava em torno de 18%. Em dezembro de 1995, tinha subido para 29%. Um ano depois, dezembro de 1996, a participação era altíssima: 38%! Recentemente, em julho deste ano, esse percentual havia caído para 26%. Isso parece indicar dois movimentos simultâneos: o investidor de fora (especulador estrangeiro), frente às cotações infladas, retirou-se parcialmente, auferindo prudentemente, altos lucros. E o investidor nacional correu imprudentemente e juntou-se à festa especulativa irresponsável. Receio, Sr. Presidente, que grande parte desse afluxo de dinheiro que entrou nas bolsas em uma situação de alto risco tenha sido dinheiro posto, pelos pequenos poupadores, em fundos de ações.

Sr. Presidente, essa é uma situação que não devemos tolerar, que não podemos deixar que volte a se repetir em nosso País! É preciso que haja um controle maior, por parte das autoridades, a favor da defesa do patrimônio dos pequenos investidores. A Comissão de Valores Imobiliários - CVM deve exigir dos fundos de ações que eles sejam mais transparentes, publicando, mensalmente, por meio de boletim da CVM, as razões que ocasionaram quedas ou altas nas carteiras de ações. Devem ser publicados, também mensalmente, relatórios sobre a rentabilidade de empresas cujas ações são negociadas em bolsa, com a retrospectiva dos últimos doze meses. A autoridade pública, através da CVM, deve impor controles que assegurem uma administração técnica dos fundos de ações, baseada em realidades econômicas, e não especulativas, como está evidente que tem sido nos últimos tempos.

E hoje vemos que nossa preocupação também é preocupação do Presidente da CVM, quando declarou aos veículos de comunicação que o Governo, que a CVM deve buscar, rapidamente, novos instrumentos para orientar o sistema acionário e os fundos de pensão em nosso País. O Presidente do Banco Central, Dr. Gustavo Franco, em entrevista ontem, no jornal O Globo, demonstrou a mesma preocupação, ou seja, a de que os bancos de investimentos ligados a bancos comerciais tenham controle mais rígido na aquisição de ações. Ele utilizam, talvez, como chegou a citar, 650 vezes o patrimônio líqüido dessas instituições de crédito, desses bancos de investimento.

É uma irresponsabilidade, porque estão usando dinheiro do poupador mal orientado, mal informado e, muitas vezes, usando recursos de depósitos à vista. O Governo começa a pensar na defesa e na proteção de um mercado acionário saudável.

O Sr. Coutinho Jorge (PSDB-PA) - V.Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Ouço V.Exª com prazer.

O Sr. Coutinho Jorge (PSDB-PA) - Senador João Rocha, V.Exª, de forma bem clara, expõe um problema gravíssimo que ocorre na nossa economia globalizada: o conflito entre a economia real, a economia que produz bens e serviços, e o lado financeiro, especulativo dessa economia. Eles nada têm em comum.

Portanto, no mundo da globalização, nós temos de tomar decisões, porque os modelos téoricos econômicos sempre mostraram que o lado financeiro corresponde ao lado real. No mundo global, isso não é verdade. No mundo isolado, era possível essa convivência. Mas, hoje, com a globalização, um mercado como o de Hong Kong pode gerar um impacto negativo em países como o Brasil.

Então, esses movimentos especulativos, que nada têm a ver com a produção de renda, geração de bens e serviços, têm que ser controlados, policiados. Isso que está acontecendo é um alerta para que os países do mundo tomem medidas duras e rigorosas, sob pena de haver conflitos seríssimos em vários países do mundo. V. Exª está de parabéns porque trouxe à luz essa contradição implícita do modelo econômico global.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Senador Coutinho Jorge, agradeço-lhe o aparte, que será integrado ao meu pronunciamento.

Vejo que a minha preocupação, a preocupação de V. Exª é, também, a preocupação do Governo. O Ministro Malan, em entrevista hoje, às 9 horas e 30 minutos, declarou que economia nenhuma do mundo tem condição de se sustentar - e é uma economia estável pagando juros de 42% ao ano numa inflação de 7 ou 8%. S. Exª afirmou que fizeram o mesmo as economias do Primeiro Mundo. Só há uma sustentação duradoura, permanente, quando ela é baseada na poupança interna.

Para provar essa tese, podemos citar o modelo do Japão.

No Japão, hoje, poupança enfrenta qualquer crise, pois ela gira em torno de US$10 trilhões. E é baseada em poupança interna do pequeno poupador, com rentabilidade e remuneração de, praticamente, zero. Essa é a verdadeira poupança, a poupança que serve para alavancar a economia de qualquer país e capacitá-la a enfrentar qualquer crise - como essa que o Japão enfrentou e dela já saiu. Percebemos que as bolsas japoneses hoje começam a ter um comportamento normal, como têm as dos Estados Unidos.

Nobre Senador Coutinho Jorge, nós temos em cadernetas de poupança simplesmente U$80 bilhões. Isso não chega a 10% do nosso PIB, enquanto no Japão os U$10 trilhões chegam a quase 90% do PIB. O dinheiro da nossa poupança não serve para fomentar, para alavancar o desenvolvimento e garantir a estabilidade da economia interna. No Japão, apesar das crise por que atravessa o País - de desemprego, por exemplo - há uma base sustentável.

Gostei hoje quando o Governo falou que tem que começar a se preocupar a partir de agora com a sustentação mais sólida, que é a da poupança interna. E como vamos fazer poupança interna? Incentivando não o capital especulativo, de 40% a 50% ao ano, mas incentivando a nossa poupança.

Temos R$110 bilhões hoje aqui no País só em fundos de investimento e em bolsa de valores. O cidadão vem para cá com aquele anseio, aquela sede alimentada pelo sistema financeiro nacional e que sacrifica a economia do País. Como pode crescer uma economia, nobres Senadores, que remunera capital, com inflação de 7%, repito, a 42% ao ano? Não há possibilidade em economia nenhuma no mundo, não há receita nenhuma que tenha condições de ser gerada para manter um custo tão alto ao valor nominal sobre o capital.

Quero registrar que, vendo a entrevista do Ministro Malan e do Ministro Kandir, percebi que realmente o Brasil começa a se direcionar para o mundo real, na sua realidade de presente e de futuro, e começa a criar as bases fundamentais para um desenvolvimento calcado em taxas de juros compatíveis com o regime de estabilidade e com o regime sem inflação que todos defendemos.

O Sr. Júlio Campos (PFL-MT) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador João Rocha?

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Pois não, nobre Senador Júlio Campos.

O Sr. Júlio Campos (PFL-MT) - Nobre Senador, é uma honra imensa, como Vice-Líder em exercício do PFL, ouvir as palavras certas do nobre correligionário Senador João Rocha, que ocupa a tribuna do Senado Federal na tarde de hoje para fazer uma análise sucinta e primorosa da situação econômica do País, principalmente do momento que vive hoje a Nação brasileira.

Realmente, pelo que representa o País, nossa poupança interna é muito baixa. Mas pergunto: como nós brasileiros faremos uma poupança forte, se não há uma redistribuição de renda no Brasil? O nosso é um País que tem, concentrado nas mãos de poucos, bilhões de reais, enquanto o povão ainda recebe um salário muito baixo para que possa fazer poupança.

A grande maioria do povo brasileiro não tem como poupar. Lamentavelmente, dependemos de poupadores internacionais, que hoje preferem sugar nossa economia a investir no País. Tanto é verdade que, a qualquer movimentação, alguns bilhões de dólares saem do Brasil em questão de horas, talvez em questão de minutos, pelas bolsas de valores.

Aproveito o ensejo do seu grande pronunciamento, da sua advertência e da análise que V. Exª faz sobre a situação econômica do País, para dizer que não podemos permitir que a Bolsa de Valores do Brasil seja inflada, neste instante, aquém da realidade. Veja a matéria que o jornal Folha de S. Paulo fez sobre a privatização da CPFL: Governo Usa BNDES Para Garantir Leilão.

Isso não deveria ocorrer. Neste momento de crise, o leilão deveria ser real e não um leilão inflado, inflacionado, mentiroso, como foi o da Companhia Paulista de Força e Luz. Muitos estão vangloriando-se de que, naquele dia 25, a Companhia de Força e Luz Paulista foi arrematada por um grupo privado, VBC Energia, por cerca de três milhões e poucos reais. Só que, desses três milhões e poucos reais, uma grande parte foi dinheiro público, foi dinheiro do BNDES. Isso é muito grave.

V. Exª, como Presidente da Comissão de Fiscalização Financeira do Senado, poderia convocar o Presidente do BNDES para ouvir dele a explicação. Se o BNDES for o financiador da compra das estatais em todos os leilões que forem feitos a partir de agora, será dinheiro público a financiar a iniciativa privada para comprar empresas estatais por um preço aquém da realidade, apenas para demonstrar que a Bolsa de Valores do Brasil vai bem, que o leilão foi muito bem. Isso é um assunto sério. Veja o que diz:

“Para liquidar seus compromissos nas compras da CPFL e da CEEE, o consórcio vai precisar de US$2 bilhões, e já teria recebido ofertas de US$6 bilhões - do total US$1 bilhão seria do BNDES.”

O BNDES está inflacionando o leilão, com falsificações. Neste instante, a própria Comissão de Valores Mobiliários deveria investigar essa mentira que está ocorrendo nos leilões das empresas estatais brasileiras, que está passando do povo para a iniciativa privada, isto é, para o bolso de pouca gente, de um consórcio de milionários deste País. Esse é o caso do consórcio composto pela VBC - Camargo Corrêa, Bradesco e Votorantim -, que, com subsídio, dinheiro do Governo, está adquirindo empresas estatais e, daqui a um dia, então, vamos financiar. Também vou querer entrar no leilão agora e pedir dinheiro ao BNDES para comprar estatais neste País. Não é justo o que está fazendo o nosso BNDES: em vez de investir no crescimento do País, na geração de empregos, hoje qualquer empresário privado, pequeno ou médio, para tirar um dinheiro do BNDES tem uma dificuldade muito grande, tem de fazer uma verdadeira maratona, é uma luta até mesmo política. E, no entanto, ficamos tristes ao ver que os grandes grupos estão sendo subsidiados para comprar estatais.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Senador Júlio Campos, agradeço o aparte de V. Exª, com o qual concordo parcialmente. Penso que o BNDES, como fui um dos primeiros aqui a citar a importância do papel que ele tem na alavancagem do desenvolvimento do nosso País, é um dos maiores bancos de fomento do mundo. Como o BNDES circula hoje recursos superiores aos do Banco Mundial, do BIRD, do BID, tem um papel de grande importância na economia de nosso País. Creio que hoje, realmente, o Governo se preocupa com sua política de desestatização, de privatizações. Tenho certeza de que pode estar havendo, inclusive, um erro de avaliação, pois a Companhia Paulista de Força e Luz não foi o primeiro exemplo que tivemos de superavaliação daquilo que estava previsto pelos consultores. A sugestão de V. Exª deve também ser levada em consideração pelo Governo porque temos outros exemplos. Todos os leilões que ocorreram até agora tiveram uma valorização superior a 50% daquilo que estava previsto pelos técnicos, pelos responsáveis do BNDES pela venda do patrimônio da União.

Com muita satisfação, concedo um aparte ao Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares (PFL-ES) - Senador João Rocha, V. Exª já é considerado e respeitado nesta Casa como um Senador profundamente preocupado com a economia do País. Desde o primeiro momento em que chegamos ao Congresso Nacional, ficou clara de maneira insofismável sua preocupação com os números. Creio que V. Exª seja o Senador mais atento a toda movimentação de rubricas orçamentárias. V. Exª acompanha o orçamento com toda dedicação e é a razão pela qual todos os colegas entenderam que V. Exª seria o Presidente da Comissão de Controle. Na verdade, essa Comissão tem uma responsabilidade muito grande nesta Casa e dá a dimensão exata da sua preocupação que, afinal de contas, é a de todos nós. Senador João Rocha, em face de seu pronunciamento, feito com a maior seriedade, num momento solene para todo o Brasil, gostaria de dizer que o Governo, o Executivo tomou providências duras e graves, amargas até, mas com a consciência de que estamos vivendo um momento de crise ímpar, em virtude exatamente do que aconteceu na Bolsa de Hong Kong com reflexos em todo o País. A primeira crise do sudeste asiático não chegou a nos atingir, mas essa, sim. E agora, quando vemos o Governo adotando 50 providências, todas elas do mais alto alcance, algumas amargas, nós, do Congresso, temos que participar dessa reflexão. Queria apenas dizer ao Senador Júlio Campos, com o maior respeito, que, na questão do BNDES, desde que o Brasil entrou nessa globalização, acredito, sinceramente, que é uma preocupação do Governo com o empresário brasileiro. No momento em que estamos buscando empresários que têm tradição na vida industrial, empresarial do Brasil e estamos ajudando-os é porque há interesse desse novo capitalismo que irá formar-se no Brasil, e ninguém pode negar que a privatização, principalmente no setor de comunicações, terá uma alocação de recursos superior a R$100 milhões, e não pode o empresário brasileiro ficar enfraquecido. E se o Governo exercita por meio do BNDES uma política de fortalecimento do empresariado brasileiro, penso que é uma política saudável, evidentemente, obedecendo a regras que diria até certo ponto rígidas na alocação desses recursos em favor daqueles que sustentam realmente o nome do capital nacional. Senador João Rocha, hoje temos no plenário Senadores muito representativos das várias correntes e dos vários pensamentos que exornam esta Casa. Vamos ter uma responsabilidade muito grande. É interessante o debate de V. Exª e, logicamente, os debates daqueles que apóiam o Governo, assim como os que formam o Bloco da Oposição que se vão suceder, pois vamos ter uma contrapartida que nos vai ser cobrada. Tive oportunidade de acompanhar, após o anúncio das medidas, a mídia brasileira, que já começa a tomar uma posição, evidentemente fazendo um comentário crítico das medidas tomadas, sem deixar de esclarecer que essas são absolutamente necessárias. Quero ressaltar que, falava há pouco com o eminente Presidente Geraldo Melo, não só na visão de Líder do Governo, mas na de um Senador que se integra ao movimento de todos nós aqui, que é sempre um movimento solidário em favor do País, que agora as reformas não são apenas um discurso pro forma para compor um elenco de gravidades. E a Câmara, que está com as reformas da Previdência e Administrativa, que breve virão para nossas mãos, tem de votá-las imediatamente. O País não vai aceitar de maneira nenhuma, no momento em que o Executivo toma essas providências, que o Legislativo também não dê a velocidade necessária aos fatos, pois estamos vivendo uma crise célere, emergente e de grande alcance em relação ao País, e nós, Senadores e Deputados, representando o Congresso, temos de ocupar as nossas posições. Portanto o discurso de V. Exª reitera aquilo que falei no início: V. Exª é, evidentemente, um Senador altamente preocupado com a economia brasileira, tem prática e exercício no âmbito do Orçamento louváveis e até invejáveis, eu diria. Invejo V. Exª pelo cuidado, pela atenção e pela pertinência e pela pertinácia que sempre demonstra ao examinar isso com o espírito mais elevado no sentido de termos um País que queremos forte. Por isso, congratulo-me com V. Exª, almejando que ainda outros discursos avaliem com inteira isenção, com muita propriedade o tema, visto que não basta fazermos as reformas; o Congresso tem que fazer a crítica do momento econômico que estamos vivendo. Portanto, sinto-me feliz, não só como Senador da República, mas como Líder do Governo em ver que o seu discurso já é uma contribuição altamente valiosa para esse debate rico que faremos neste momento, que, embora de crise, é um momento em que estamos conscientes da responsabilidade do Congresso para a solução desses problemas. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador João Rocha, perdoe-me por interromper V. Exª. A Mesa tem consciência da importância e da oportunidade do seu pronunciamento neste momento; entretanto, tenho o dever de informar-lhe que já ultrapassou em quatorze minutos o tempo destinado ao seu pronunciamento.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Dividindo-o com os nobres colegas, Sr. Presidente.

Nobre Senador Elcio Alvares, agradeço o aparte de V. Exª, o qual coincide também com o pensamento, a meu ver, de todos os colegas aqui presentes, qual seja, o de que a nossa maior preocupação neste momento é levar o nosso País a encontrar o seu caminho, a sua realidade, com toda a franqueza, como a que se viu hoje na entrevista dos membros da área econômica do Governo. Talvez V. Exª não estivesse ainda presente, mas já eu estava a elogiar o comportamento do Sr. Ministro Pedro Malan, que deixou bem claro que uma economia estável que pretende continuar estável tem que contar com a base, com a âncora da poupança interna.

Sr. Presidente, o verdadeiro papel das bolsas de valores, vale lembrar, é o de fornecer capitais de risco às empresas, “alavancando” seu crescimento. As bolsas não se devem transformar em arena de jogos cruéis em que a especulação com preços fictícios devore as poupanças do pequeno investidor. Devemo-nos opor a esse desvirtuamento das bolsas. Cabe-nos protestar e alertar contra essas distorções e apontar caminhos construtivos para a sua correção. Às autoridades da área econômica cabe implementar os necessários aperfeiçoamentos de controle que garantam os interesses dos pequenos investidores em fundos de ações. Citei como exemplo a preocupação da Diretoria da CVM. A defesa desses interesses, em última análise, permitirá o desenvolvimento sadio destas instituições indispensáveis numa economia moderna: as bolsas de valores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/1997 - Página 24416