Discurso no Senado Federal

COMENTANDO AS GRAVES MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO BRASILEIRO, VISANDO A MANUTENÇÃO DE SEU PROGRAMA ECONOMICO, E AS SUAS REPERCUSSÕES. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM AS RELAÇÕES ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • COMENTANDO AS GRAVES MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO BRASILEIRO, VISANDO A MANUTENÇÃO DE SEU PROGRAMA ECONOMICO, E AS SUAS REPERCUSSÕES. PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM AS RELAÇÕES ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/1997 - Página 24423
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • CRITICA, TENTATIVA, EXECUTIVO, IMPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSABILIDADE, CRISE, RESULTADO, REDUÇÃO, FUNDO DE INVESTIMENTO, VALOR, MERCADO DE CAPITAIS, BOLSA DE VALORES, MUNDO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos estamos, ainda, examinando e amadurecendo as graves medidas na área econômica que o Governo do Presidente Fernando Henrique vem de anunciar com a finalidade de conter e evitar a desestabilização da nossa economia a partir de investidas do exterior. Confesso que ainda não tenho elementos para fazer uma análise sobre a qualidade, as repercussões, a importância dessas medidas. Pretendo fazê-la depois de ler sobre elas. Nos noticiários da televisão, as informações trazidas pelos Ministros ou por seus Secretários Executivos não nos permitem fazer um exame mais profundo do seu teor para avaliarmos, realmente, a importância das providências adotadas, suas repercussões e desdobramentos.

Mas não é sobre esse assunto que vou falar, ainda que o que vá discorrer tenha alguma relação com a crise que estamos vivendo, particularmente nas relações entre o Legislativo e o Executivo.

Alguns me indagam sobre a impopularidade das medidas. Não é isso o que me preocupa, Sr. Presidente. O que todos queremos, creio, é convencer-nos da sua necessidade, da sua importância e, sobretudo, da coerência que elas tenham entre si. Sejam ou não impopulares, elas devem ser adotadas, porque o interesse nacional assim o exige. E o Congresso, evidentemente, ao examiná-las, terá de lhes dar o necessário e indispensável apoio, até porque todos temos assistido, ao longo dos meses, por meio do noticiário na imprensa, a um debate - que, muitas vezes, não é nada produtivo - sobre as relações entre o Executivo e o Legislativo, entre o Congresso e o Presidente da República.

Sempre pensei - e disse isso nas vezes que tive oportunidade de conversar com o Presidente Fernando Henrique Cardoso - que a um homem da qualidade e do nível intelectual do atual Presidente da República estava reservada uma função muito importante no amadurecimento político das nossas instituições: dar um caráter civilizado às relações entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional.

Não creio que tenhamos progredido muito nessa matéria, porque, de um lado, há o mau costume do Poder Executivo atribuir todas as mazelas, todas as dificuldades, todos os problemas que há no Brasil ao Congresso Nacional. São apontadas, então, a sua inoperância, a sua falta de vontade política de votar, de deliberar, de equacionar os graves problemas nacionais. De outro lado, temos um Congresso que funciona por espasmos, pois há aqui correntes antagônicas que pensam que seu único papel é dizer amém a tudo que o Poder Executivo faz e, assim, sem examinar detidamente uma matéria, mas sendo ela da lavra do Presidente da República, de antemão, a julgam desnecessária ou inconveniente e logo desejam rejeitá-la. Desse modo, o Congresso perde a oportunidade de exercitar sua própria função, que é metabolizar essas matérias, examiná-las e digeri-las, melhorando o que puder ser melhorado, aproveitando o que já é considerado de bom nível, de bom padrão, e rejeitando o que lhe parecer contrário ao interesse público ou, pelo menos, naquela determinada circunstância que estamos vivendo.

Por isso, nesta crise, vejo mais uma vez, a tentativa, o desejo de se atribuir ao Congresso uma grande parcela de responsabilidade pelo que estamos vivendo.

E, mesmo quando se trata de examinar gastos públicos, Sr. Presidente, considero que não estamos levando na devida conta um dado muito importante: o padrão, o modelo do Parlamentar brasileiro. Todos nós que temos alguma experiência, que conhecemos um pouco do passado não tão longínquo da vida política nacional, sabemos que está havendo uma grande transformação na forma de atuação do Parlamentar brasileiro, na forma de desempenhar o seu mandato. Por que digo isso? Quem conhece o interior deste Brasil - no meu Estado é assim e não creio que seja muito diferente nos demais -, vai a um Município qualquer, lá encontra sempre alguém que diz: "O que o senhor trouxe para cá? Aqui temos um colégio que o Senador fulano de tal trouxe; temos um hospital que o Deputado fulano de tal que trouxe; temos um orfanato que foi o Deputado sicrano que trouxe." Acontece que a modernização da administração pública brasileira não permite mais - pelo menos não na mesma intensidade - esse tipo de atuação parlamentar. A desconcentração está transferindo muitas dessas responsabilidades para os Municípios e para os Estados. Além disso, bem ou mal, há um planejamento, há programas que o Poder Executivo desenvolve, e, conseqüentemente, não podemos pensar em restaurar, revigorar esse modelo de atuação parlamentar, mesmo que isso tenha um ônus, um custo. Quem está participando desta sessão sabe disso.

Não se pode também acusar os Parlamentares que usam a pequena faixa de atuação nesse campo que ainda lhes resta: a chamada emenda individual. Muitas vezes essas emendas são pintadas como um apocalipse da administração pública, o que também não é razoável, não é justo. Considero que o Parlamentar, tendo essa faculdade, deve exercitá-la. A destinação do recurso e a sua respectiva utilização no Município ou no Estado é outro assunto. Cabe ao Poder Público, com seus instrumentos de fiscalização, acompanhar esses gastos, saber o que está acontecendo lá. Por que malsinar, por que considerar isso um anátema do Parlamentar que destina essa migalha de R$1 milhão ou R$1,5 milhão para ratear entre os Municípios que constituem sua base eleitoral? Não vejo o porquê. E ninguém pode me garantir, em sã consciência, que recursos federais administrados pelo Governo Federal, ou delegados a Estados e Municípios, possam ser seguramente e sempre mais bem aplicados do que esses que são destinados diretamente aos Municípios. Creio que esse julgamento é injusto.

Os maiores teóricos da reforma política brasileira se a pudessem fazer com lápis, compasso e papel, dentro de um gabinete, iriam implantar o voto distrital, que a mim não agrada, não tenho nenhuma simpatia pelo voto distrital puro. E o voto distrital seria a consagração desse modelo. Os Deputados distritais destinarão recursos para a ponte, para fazer drenagem do córrego, construir escola, estrada vicinal, assim por diante, porque isso é da essência do mandato do Deputado eleito pelo voto distrital.

Portanto, vejam bem, de um lado se critica o atual procedimento; de outro, esses mesmos críticos, a grande imprensa, os teóricos das reformas políticas desejáveis para o Brasil - no entendimento deles, não no meu - pregam o voto distrital, que é justamente a consolidação desse modelo que tanto se condena, que tanto merece a manifestação negativa da imprensa e de largos setores da opinião pública.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB-DF.) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB-DF) - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara. Gostaria de aproveitar o pronunciamento de V. Exª para fazer um registro que me parece importante. Há uma realidade, independentemente dos aprimoramentos que se possa fazer na atuação parlamentar e na relação do Congresso com o Executivo: uma crise internacional de dimensões ainda não totalmente conhecidas que afeta particularmente os chamados países emergentes no plano econômico. Já afetou a Coréia, provavelmente os reflexos no Japão também são grandes e começa a afetar a Rússia. É claro que o Brasil, por suas dimensões econômicas, não passa ao largo dessa crise, que é exógena, não é nossa, é internacional. Pagamos o preço de estarmos inseridos em uma economia globalizada, também independentemente de nossa vontade. Ocorre que, em um primeiro momento, o Plano Real ganhou a queda de braço contra os especuladores. O plano de estabilização econômica, provavelmente o mais bem- sucedido da era moderna, resistiu bem em um primeiro momento. Essa crise dá-nos o ensinamento de que nós já fizemos muito - o Congresso Nacional fez muito ao aprovar as cinco reformas da ordem econômica, responsáveis por uma injeção, este ano, de mais de 15 bilhões na economia produtiva. Estávamos andando a passos largos em direção à permanência da estabilidade econômica e ao novo modelo de desenvolvimento, ao novo papel do Estado na economia; criamos agências reguladoras, privatizamos o setor de telecomunicações e várias áreas do setor de energia elétrica. O País caminhava, não estávamos parados, mas fomos pegos antes do final desse processo de mudanças. E aí só há dois caminhos, e os manuais não indicam outros. O primeiro, um aperto fiscal, aqui para nós, de graves conseqüências: de um lado, juros altos, que comprimem a demanda, e, por outro lado, uma diminuição num orçamento já tremendamente enxuto e medidas duras para evitar um mal maior. Esse é o primeiro remédio. O segundo remédio é a aceleração das reformas estruturais, que possam sinalizar ao mercado internacional uma diminuição do déficit público, que está na casa de 4,5% do PIB. É momento de refletirmos, Senador Lúcio Alcântara, e me parece oportuno o pronunciamento de V. Exª, que quanto mais demorarmos nas reformas estruturais, maior será o aperto fiscal e menor a possibilidade de queda de juros. Daí por que o Congresso Nacional, que já fez muito, provavelmente será chamado, pela sua consciência, pela sua responsabilidade, a uma reflexão urgente sobre o seu papel nas reformas estruturais. Apenas para citar um exemplo, o servidor público, que, teoricamente, seria o maior prejudicado com as reformas estruturais, é quem está pagando o preço por elas não terem sido feitas. E é muito pior não fazê-las de forma planejada a ter que fazer um arrocho fiscal, como o que está sendo feito. Acredito que as medidas são duras e necessárias; agora, principalmente, sinalizam para a nossa responsabilidade no sentido de acelerar as reformas estruturais.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Senador José Roberto Arruda, ouvi com atenção o aparte de V. Exª. Vamos examinar a consistência e o teor de todas essas propostas, sem nos preocuparmos com a impopularidade. Vamos dar, se for o caso, e creio que seja, o nosso apoio para que o Governo tome as providências e as medidas necessárias.

Desejo assinalar, neste meu pronunciamento - e V. Exª, em determinado momento do seu aparte, falou em sinalizar -, que não podemos viver permanentemente num mundo de expectativas, que o desdobrar dos acontecimentos e o passar do tempo mostram que dificilmente vão se concretizar. Por exemplo, o déficit público, de que V. Exª falou, tem como principal causa os juros da dívida. Então, com esses juros altos, vamos vender nosso patrimônio, vamos realizar essas reformas, cortar a nossa carne; infelizmente, vamos nos debater diante dessas dificuldades. V. Exª tem razão: são causas exógenas, que não temos condições de controlar; não podemos manobrar com todos os dados do problema.

Acredito que devemos, Senado Federal e Câmara dos Deputados, ter a noção exata, a compreensão total da gravidade do problema, das possíveis soluções e de até onde podemos ir para buscá-las.

Do ponto de vista da relação do Congresso com o Executivo, acabamos de constatar que houve uma evolução na forma de o parlamentar desempenhar o seu mandato. O que nos restaria, então, já que não há mais cabimento na ação de levar diretamente benefícios para que aquelas comunidades possam sentir o nosso trabalho aqui no Congresso? Resta-nos o reconhecimento do apoio que o Congresso Nacional dá a essas propostas do Poder Executivo. Contudo, nenhum de nós - e não falo isoladamente, o Congresso Nacional - não capitalizou nada, coisíssima alguma de todo esse processo de modernização da economia brasileira, de mudanças, de transformação, nada, apesar do apoio dado às propostas do Poder Executivo. V. Exª, na sua manifestação, recapitulou aqui algumas das mais importantes medidas que aprovamos, dando instrumentos de políticas públicas ao Governo. Entretanto, como disse, não capitalizamos nada disso; ao contrário, ao menor sinal de dificuldade, ao menor problema que surja no horizonte, os olhos sempre se voltam para o Congresso para imputar-lhe as responsabilidades, seja pela sua passividade, seja pela sua incúria, pela sua lentidão em deliberar.

O que nos resta é pedir, em um julgamento isento, que o Congresso, que já não tem mais aquela margem de manobra que tinha no passado, para, através da ação, da diligência do parlamentar, conseguir melhoramentos materiais, justos, corretos, para os seus municípios, para as regiões que representa, que ao Congresso ao menos seja dada essa condição de parceiro na construção de um Brasil novo, de uma sociedade nova, moderna, desenvolvida, justa; enfim, que o Congresso Nacional - e aqui não falo de partidos políticos que dão sustentação ao Governo, pois, evidentemente, esses teriam que auferir mais desses resultados e também pagar por possíveis insucessos. Falo do Congresso como instituição. Que ao menos lhe seja dado esse crédito de trabalhar, oferecer instrumentos, propostas, apoio, para que o Poder Executivo concretize seus projetos e iniciativas, e possamos construir junto um futuro novo para o nosso País.

Essa é a relação que pode existir e que pode conduzir, principalmente num momento de crise como este, a uma ação produtiva, que realmente resulte em medidas eficazes e corretas na compreensão da gravidade da situação que estamos vivendo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/1997 - Página 24423