Discurso no Senado Federal

CRITICANDO A IMPLEMENTAÇÃO DO PACOTE FISCAL DO GOVERNO, QUE SERA, MAIS UMA VEZ, CUSTEADO PELA CLASSE MEDIA. EXPRESSANDO SUA CONVICÇÃO DE QUE O SENADO DEVERIA CONVOCAR OS MINISTROS DA AREA ECONOMICA PARA EXPLICAREM O REFERIDO PLANO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CRITICANDO A IMPLEMENTAÇÃO DO PACOTE FISCAL DO GOVERNO, QUE SERA, MAIS UMA VEZ, CUSTEADO PELA CLASSE MEDIA. EXPRESSANDO SUA CONVICÇÃO DE QUE O SENADO DEVERIA CONVOCAR OS MINISTROS DA AREA ECONOMICA PARA EXPLICAREM O REFERIDO PLANO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/1997 - Página 24439
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, PROVIDENCIA, GOVERNO, CONTENÇÃO, CRISE, ECONOMIA, ONUS, CLASSE MEDIA, PRIVILEGIO, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS.
  • CRITICA, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, GOVERNO.
  • OPOSIÇÃO, MEDIDAS LEGAIS, AREA, ECONOMIA, GOVERNO, AUMENTO, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, REDUÇÃO, INCENTIVO FISCAL, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FALTA, ATENÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, PREVISÃO, DESEMPREGO, RECESSÃO.
  • DEFESA, ACORDO, SIMULTANEIDADE, COMPARECIMENTO, PLENARIO, SENADO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), MINISTERIO DA FAZENDA (MF), DEBATE, PROVIDENCIA, CONTROLE, CRISE, ECONOMIA.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, na medida do possível, procurarei dar continuidade ao pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy, também analisando alguns pontos do pacote.

Primeiro, quero registrar que não vamos aceitar o Governo continuar batendo na mesma tecla - acho, inclusive, que o Governo deveria ter um pouco mais de criatividade quando se refere à Oposição - do tipo; quem fizer críticas ao pacote é porque quer destruir o Plano Real, quer a volta da inflação, ou quem é contra o Brasil, e coisas desse gênero.

Quero reafirmar aqui o que já havia dito em aparte ao Senador Jefferson Péres: apesar de o Ministro Kandir, na sua entrevista coletiva de hoje, ter dito que o Governo não pode adotar a política do avestruz, o fato é que durante dois anos pelo menos, quando vários analistas econômicos, dos mais diversos matizes ideológicos, tanto de direita quanto de esquerda, tanto de oposição quanto membros de Partidos da base governista, faziam alertas à equipe econômica do Governo de que não poderiam continuar achando que o Brasil estaria imune a qualquer crise que surgisse no mercado financeiro internacional. Quando se citava o caso do México, o caso de países do sudeste asiático, o Governo Federal dizia: o Brasil não é o México ou o Brasil não é a Tailândia. E sempre que surgiam crises dessa natureza procuravam dizer que eram as aves de mau agouro, que eram aqueles que queriam que o Brasil se afundasse, que voltasse a inflação etc..

Aconteceu o que aconteceu, e agora o Governo vem com mais um pacote, mas um pacote que, no nosso entendimento, reforça a seguinte visão: sempre dissemos que, na verdade, esse é um Governo que fez uma opção preferencial pelos ricos. Temos o exemplo concreto desse pacote, onde quem pagará a conta é a classe média. Se fizermos o somatório do pacote com o aumento da taxa de juros, que é uma medida que tem elementos recessivos e que, portanto, incide diretamente sobre a geração de empregos - não é à-toa que algumas grandes empresas de São Paulo já estão anunciando, a partir do aumento da taxa de juros, férias coletivas, e férias coletivas é a ante-sala da demissão -, o somatório desses dois elementos mostra a opção preferencial pelos ricos que o Governo faz.

Eu gostaria de fazer alguns comentários sobre as medidas. Primeiro, existe muita matéria "requentada" no pacote. Algumas das decisões já faziam parte de um minipacote baixado em outubro de 1996 e formado por algumas medidas provisórias e por alguns decretos. Por exemplo, naquele pacote havia uma medida provisória, a Medida Provisória nº 1.524, a qual não sei que destino tomou, se foi reeditada ou não, que visava extinguir aproximadamente 100 mil cargos da União, sendo que 73 estavam ocupados na ocasião e seriam extintos apenas na vacância. Naquele pacote também houve o Decreto nº 2.030, que proibia horas extras no serviço público federal, com exceção de hospitais públicos. E agora está proibindo hora extra de cargo comissionado. No pacote de 1996 o Decreto nº 2.031 alterava a regulamentação dos contratos de serviço de higiene e vigilância, prevendo estabelecimento de teto. Agora fala-se também em revisão de alguns contratos. E, sobre revisão de contratos, eu queria fazer um parêntese para mostrar que há diferença entre problemas do Estado brasileiro - e esses, sim, estão relacionados a reformas: algumas constitucionais, algumas da legislação infraconstitucional - e problemas de ineficiência do Governo que o próprio Governo assume aqui.

Ora, o Governo diz: "revisão dos contratos de prestação de serviços visando à redução de 20%". Isso significa que esses contratos de prestação de serviços - contratos feitos por este Governo - foram, na melhor das hipóteses, superdimensionados ou supervalorizados.

Será que o Governo está reconhecendo que houve superfaturamento em alguns contratos? Que em alguns serviços terceirizados houve favorecimento de algumas empresas?

Se o Governo propõe uma revisão dos contratos visando a uma redução de até 20%, esse é um problema de ineficiência deste Governo. Não é um problema de ineficiência do Estado.

Um outro exemplo que mostra fraqueza do Governo - não do Estado - e que já foi registrado pelo Senador Suplicy é o de retirar da folha de pagamento os inativos não-recadastrados. Isso tem que ser objeto de um pacote de propaganda? Se havia inativos não-recadastrados, bastava a sua retirada imediata. No entanto, há três meses foi feito o recadastramento e não se resolveu o problema.

“Fortalecimento da perícia médica para concessão dos benefícios do auxílio-doença.”

Nesse caso, fiquei com vergonha. Numa entrevista coletiva, quando os olhos do mundo estavam voltados para o Brasil, pois os investidores internacionais estavam preocupados com as medidas que seriam tomadas pelo Governo, deu-se destaque para o fato de que havia concessão de benefícios do auxílio-doença não acompanhados da devida perícia médica e de que a correção disso viabilizaria uma economia de R$250 milhões. Ora, esse é um problema de ineficiência do Governo. Para isso, não é preciso mudar a Constituição, mudar a legislação. Isso poderia ter sido evitado.

Mas, fechando o parêntese que fiz para mostrar que algumas questões dizem respeito à ineficiência do Governo e não do Estado brasileiro, quero levantar alguns pontos relativos ao pacote que, a meu ver, jogam principalmente sobre a classe média, os assalariados, a conta a ser paga.

Primeiro: o aumento do Imposto de Renda de pessoa física.

Ora, há duas alíquotas de Imposto de Renda de pessoa física no Brasil. É preciso registrar que, quando da discussão do projeto de Imposto de Renda de pessoa física, nós do PT propúnhamos uma maior progressividade, com a instituição da alíquota de 35%, que foi extinta. Se há duas alíquotas e vai haver aumento do Imposto de Renda, o mais lógico é que este aumento não seja linear. Tem de estabelecer-se um aumento diferenciado. No entanto, o aumento é linear para as pessoas físicas: 10%. O assalariado que ganha R$1.200,00 por mês vai pagar o mesmo que qualquer outra pessoa física. Em outras palavras, o aumento no imposto de renda da pessoa física vai ser equivalente para aquele que ganha milhões e para o assalariado. É lógico que, em termos absolutos, 10% de R$1.200,00 são diferentes de 10% de R$100 mil.

Mas, se estamos falando em aumento, se estamos falando em distribuir de forma justa a conta a ser paga, é mais correto estabelecer o aumento diferenciado.

Há também o ponto levantado pelo Senador Eduardo Suplicy. O Presidente Fernando Henrique Cardoso perdeu uma ótima oportunidade de desengavetar um projeto de sua autoria quando Senador: o projeto do Imposto sobre Grandes Fortunas. Nesse ponto nem se toca! É bem provável que o projeto esteja no rol daqueles que o Presidente Fernando Henrique Cardoso mandou esquecer - assim como fez com outras de suas obras.

Há um ponto que, da forma como está colocado pelo Governo, reforça o preconceito que existe. Refiro-me aos chamados “incentivos”. A renúncia fiscal no Brasil é da ordem de 17 bilhões por ano. Algumas são justas, para diminuir desigualdades; outras nem tanto.

No que se refere à modificação da renúncia fiscal, diz: “redução linear de todos os incentivos setoriais e regionais” - e cita especificamente Finor, Finam etc - “em 50% e revisão com redução dos incentivos da informática”. 

No entanto, o impacto disso é de R$550 milhões. Ou seja, numa renúncia fiscal da ordem de R$17 bilhões, o Governo se preocupa com R$550 milhões, exatamente cortando de forma linear aqueles incentivos a algumas regiões, para reforçar um preconceito que é senso comum, ou seja, o de que a Região Nordeste recebe muitos incentivos e que isso atrapalha o Brasil. E os dados oficiais demonstram que a renúncia fiscal no Brasil não está concentrada na sua maior parte na Região Nordeste, não. O Secretário Everardo Maciel já teve oportunidade de, na Comissão do Senado, apresentar dados e mostrar que a maior parte das renúncias fiscais estão na Região Sudeste, no chamado “país desenvolvido”, no chamado “Sul Maravilha”. Não na Região Nordeste!

Mais uma vez diz que anuncia corte linear sem fazer uma análise para verificar que renúncia fiscal deverá continuar sendo feita e que outras não deverão continuar. Cita aqui, especificamente, os Fundos do Nordeste - o Finam, por exemplo - para possivelmente reforçar a visão preconceituosa que o setor da equipe econômica tem de uma das regiões do Brasil.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, avalio que o pacote funcione mais como aceno para investidores internacionais. A própria equipe econômica sabe que o pacote, mesmo implantando arrocho em diversos setores, não resolve o problema da excessiva fragilidade da economia brasileira perante os humores do capital internacional. Na verdade, sabemos que isso é decorrência exatamente da dependência absoluta que a economia brasileira hoje tem do capital internacional e da estabilidade assentada única e exclusivamente sobre a chamada âncora cambial.

Há alguns cortes que devem estar relacionados apenas a ajustes orçamentários, cortes de emendas. Confesso que quero ver como o Governo resolverá o problema com a sua base, no Congresso Nacional, que, como sabemos, estabeleceu a barganha, as condições para votar a reforma administrativa desde que sejam preservadas as emendas individuais ao Orçamento. Sabemos que o é-dando-que-se-recebe está funcionando. Vamos ver como o Governo vai equalizar o discurso de corte de despesas com a reforma administrativa, que está para ser votada agora e o é-dando-que-se-recebe que já está acontecendo lá. Mas esse é um capítulo posterior.

Esquecendo-se da discussão da reforma da economia, da discussão de dependência do Brasil perante o capital externo, mesmo optando-se por esse ajuste fiscal, queremos demonstrar que seria possível fazer cortes de despesas ou conseguir aumento de receita estabelecendo um tratamento socialmente mais justo.

Apontamos algumas das alternativas, mas parece que mais uma vez o Governo optou por jogar a conta apenas em cima da classe média, que é quem vai estar pagando a conta diretamente, a partir desse pacote, e em cima dos setores que serão punidos com as demissões decorrentes do aumento da taxa de juros e da introdução desses elementos recessivos na economia.

Embora não possamos fazer uma previsão de que o Brasil entrará em uma recessão, sem dúvida, a soma desses dois pacotes - o aumento da taxa de juros e o pacote de hoje - introduz elementos recessivos na economia. Não é à toa que a própria equipe econômica, hoje, na entrevista coletiva, embora não quisesse assumir compromissos com números, na pessoa do Secretário do Ministério do Planejamento, chegou a dizer que estava trabalhando com a hipótese de um aumento do PIB em torno de 2% no ano que vem, quando o cálculo preliminar era da ordem de 4%. Então, temos uma redução das expectativas em 50% - e isso, sem dúvida alguma, acarretará efeitos na economia, no emprego e acarretará efeitos mais perversos ainda, principalmente em relação àqueles setores que já são os excluídos da economia.

Portanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, esta seria uma análise preliminar que poderíamos fazer, sem - volto a dizer - pretender esgotar o assunto. Para concluir, devo dizer que, a meu juízo, o Senado deve convocar os Srs. Ministros Antonio Kandir e Pedro Malan a virem a esta Casa e explicarem as medidas. Sei que o ideal seria até um acordo para a vinda dos dois Ministros ao plenário do Senado, já que um requerimento dessa natureza tem que ser incluído na Ordem do Dia para, depois ser votado. Então, quando se conseguisse trazer os dois, já haveria passado o interesse todo na sua vinda.

Não há aqui, infelizmente, nenhum Líder da base governista, porém considero ideal que, mediante um acordo, se viabilizasse a transposição dos prazos regimentais e a vinda dos dois ministros ao Plenário do Senado para debater conosco essas medidas.

Infelizmente, o Congresso Nacional não vai fazer nada em relação a isso. Uma boa parte das modificações foi feita por medidas provisórias. Já sabemos qual o tratamento dado às MPs pelo Congresso Nacional: serão editadas, reeditadas, já estarão vigorando, e o Congresso Nacional, possivelmente, apreciá-las-á no ano de 2002. Outras modificações foram feitas via decreto; outras, via ação do Executivo. O fato é que, do ponto de vista prático, o Congresso Nacional não vai ter muito o que fazer. Nesse sentido, o mínimo que pode exigir é a vinda dos dois ministros ao Plenário do Senado, para que possamos debater este assunto com S. Exªs.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy, com muito prazer.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador José Eduardo Dutra, apóio a decisão de V. Exª. Lembro que já está programada para terça-feira da semana próxima a vinda do Presidente do Banco Central à CAE para discutir a elevação das taxas de juros e os problemas havidos nas Bolsas brasileiras, bem como na de outros países. A referida Comissão já o havia convidado, diante do requerimento do Senador Pedro Simon por nós também assinado. Nesta semana, talvez amanhã, o Ministro Pedro Malan e o Presidente do Banco, Central Gustavo Franco, irão comparecer à Câmara dos Deputados, na Comissão de Fiscalização. Sugeriu S. Exª vir à CAE, se não me engano, no dia 18, terça-feira, da próxima semana. Mas V. Exª bem aponta que, agora, a questão vai muito além da política de aumento da taxa de juros e suas repercussões sobre a Bolsa. Estou de pleno acordo com a sugestão de V. Exª de que seja requerida a convocação dos Ministros Pedro Malan e Antônio Kandir. Tenho a certeza de que a sua sugestão será objeto da assinatura de muitos outros Srs. Senadores. Também faço um apelo às Lideranças da base governamental para que, neste caso, haja um entendimento a fim de que seja marcada, o quanto antes, a presença dos Ministros no Plenário do Senado para debaterem o conjunto das medidas hoje anunciadas.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Essa questão não é e interesse da Oposição ou de um ou outro Senador; é de interesse do Senado Federal. Creio que seria conveniente a vinda dos Srs. Ministros por meio de acordo, porque deveria ocorrer ainda nesta semana. Nesse caso, poderíamos agendar com o Ministro, e S. Exª logo compareceria. Se for por intermédio de requerimento, S. Exª poderia comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos, na melhor das hipóteses, na semana que vem. Um requerimento solicitando a vinda de S. Exª ao plenário teria que entrar na Ordem do Dia, e demoraria um mês. Já disse que, infelizmente, o Congresso não terá muito o que fazer em relação à implementação do pacote, mas a vinda dos dois Ministros daria um certo prestígio à Casa Legislativa por parte do Executivo.

Bom seria que esse encontro acontecesse no plenário, pois daria oportunidade a todos os Senadores, independente de membro ou não da Comissão de Assuntos Econômicos debater, porque, sem dúvida alguma, esse assunto envolve demissões, questões sociais, Imposto de Renda, diversos setores da economia brasileira em xeque neste momento.

Espero que esse apelo seja ouvido pela Liderança do Governo nesta Casa e pelos Ministros. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/1997 - Página 24439