Discurso no Senado Federal

RECONHECENDO A INQUESTIONAVEL SERIEDADE DO GOVERNO, UMA VEZ QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COLOCOU OS OBJETIVOS ESTRATEGICOS DA NAÇÃO ACIMA DE QUALQUER OUTRO INTERESSE, INCLUSIVE O DE NATUREZA ELEITORAL, QUANDO DA ADOÇÃO DO PACOTE FISCAL. ANALISE DO REFERIDO PACOTE, DESTACANDO OS ASPECTOS QUE TRARÃO REPERCUSSÕES NEGATIVAS A ECONOMIA.

Autor
Fernando Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • RECONHECENDO A INQUESTIONAVEL SERIEDADE DO GOVERNO, UMA VEZ QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COLOCOU OS OBJETIVOS ESTRATEGICOS DA NAÇÃO ACIMA DE QUALQUER OUTRO INTERESSE, INCLUSIVE O DE NATUREZA ELEITORAL, QUANDO DA ADOÇÃO DO PACOTE FISCAL. ANALISE DO REFERIDO PACOTE, DESTACANDO OS ASPECTOS QUE TRARÃO REPERCUSSÕES NEGATIVAS A ECONOMIA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/1997 - Página 24706
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, NATUREZA ECONOMICA, AJUSTE FISCAL, DEMONSTRAÇÃO, FALTA, INTERESSE, POSSIBILIDADE, COMPROMETIMENTO, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, ALTERAÇÃO, TRIBUTOS, SISTEMA TRIBUTARIO, APREENSÃO, CORTE, INCENTIVO FISCAL, COMPROMETIMENTO, PROCESSO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • CRITICA, RETIRADA, INCENTIVO, DEDUÇÃO, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), EMPRESA, INVESTIMENTO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, DEFESA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, GARANTIA, ESTABILIZAÇÃO, MOEDA, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. FERNANDO BEZERRA (PMDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os três dias que são transcorridos do anúncio do elenco de medidas proposto pelo Governo Federal com a finalidade de proteger o processo de estabilização da moeda e da economia brasileiras permitem a avaliação mais serena dos seus fundamentos e dos seus efeitos.

Antes de mais nada é preciso reconhecer a inquestionável seriedade do Governo, uma vez que o Presidente Fernando Henrique Cardoso colocou os objetivos estratégicos da Nação acima de qualquer outro interesse, inclusive o de natureza eleitoral, o que por si só demonstra a coragem e a ética com que o problema vem sendo tratado.

Aliás, esta lisura de comportamento estimulou que o meu Partido comunicasse, desta tribuna, através do seu Líder, o nobre Senador Jader Barbalho, ao Senhor Presidente da República e a esta Casa, a decisão de apoiar a aprovação das medidas propostas, sem contudo renunciar à análise crítica construtiva e à inalienável faculdade de sugerir alterações e modificações, com o intuito de contribuir para o seu aprimoramento.

Em momento crucial como este, não podemos esquecer o sucesso do Plano Real em seus três anos de existência, arrancando o País de um deletério processo inflacionário de décadas e conquistando, finalmente, a sonhada estabilidade da moeda, que, nos dias atuais, representa um papel fundamental na capacidade dos povos de serem donos do seu próprio destino e de participarem, de forma saudável, da economia internacional.

A premissa básica de salvaguarda do programa de estabilização parece-nos, portanto, inquestionável.

Os impactos da crise internacional trouxeram à luz muitas fragilidades da posição brasileira, demonstrando a sua vulnerabilidade externa. Como Senador da República e como Presidente da CNI procurei alertar, em diversas oportunidades, para o risco do desequilíbrio das contas externas e o aumento da dependência de financiamento do exterior.

A facilidade da mobilização do fluxo de capitais estrangeiros fez com que o País fosse olvidando e adiando a atuação sobre os fundamentos da estabilidade e da competitividade, representados pelas reformas estruturais, dentre elas - e principalmente - a reforma tributária.

A intensidade e a profundidade do abalo que estamos vivendo mostram que soou a hora de repensarmos o Brasil e o seu arcabouço de sustentação econômico-financeira, pois as medidas propostas somente se justificam desde que transitórias e que, em conseqüência, sejam acompanhadas de um programa de mudanças que garantam a base sólida e definitiva para o processo de estabilização.

Quero dizer com isto que as medidas anunciadas não estão voltadas para atacar as reais causas da falta de competitividade da economia brasileira e que se não tiverem nítido caráter de transitoriedade, dentro de curto espaço de tempo poderão resultar em profundas conseqüências negativas para a construção do novo ciclo de desenvolvimento virtuoso e sustentável em que o Brasil adentrava.

É importante não subestimar, por exemplo, a magnitude dos efeitos da elevação da taxa básica de juros em quase 100% numa conjuntura de estabilidade. Ao ser fixada em 3,05% ao mês, com a inflação para todo este ano estimada em 5%, verifica-se a sua insustentabilidade por muito tempo, dadas as suas enormes repercussões sobre os encargos de dívida interna e sobre o nível da atividade econômica.

Para fazermos, apenas por exercício, um cálculo de quanto significará por mês o pagamento do juro da dívida interna, se considerarmos a taxa da rolagem dessa dívida em 1,8% e que a dívida interna hoje está em torno de 200 bilhões - na verdade, 211 bilhões - verificaremos que, em apenas seis meses, todo o esforço do Governo, no sentido do ajuste fiscal, estará totalmente destruído.

Creio indiscutível a aritmética de que, na hipótese da persistência dessa taxa além de determinado e preciso momento, os resultados esperados através da contenção de gastos e do aumento da receita pública serão anulados e, o que é pior, poderá ser restaurado o processo de autofagia e autodestruição social e econômica que vivemos até a adoção do Plano Real e ainda muito vivo em nossa memória, com todas as suas seqüelas.

Por outro lado, preocupa-nos igualmente o recurso às medidas de ajuste fiscal, através do aumento de impostos e de tarifas sobre insumos estratégicos. O parâmetro adotado para a fixação do limite ideal foi a cobertura do déficit, sem levar em consideração o seu impacto negativo sobre as condições de competitividade do produto brasileiro.

Todos sabemos que o mais grave componente do Custo Brasil é o sistema tributário, que impõe uma carga de impostos concentrados e mal distribuídos, com sobretaxação do setor produtivo e inaceitável oneração das exportações e dos investimentos.

Temos, ainda, os malfadados tributos cumulativos, que não são encontrados em países com os quais competimos, seja no mercado interno, seja no mercado externo. O PIS, a Cofins e a CPMF incidem em cascata no processo produtivo e apenas uma vez nos produtos importados - repito, apenas uma vez - com terrível desvantagem para o produto nacional, que, agora, é arrastado a uma nova situação de desigualdade de competição, pois os preços serão inflados mais ainda pela majoração dos tributos.

Espera o Governo que o ajuste pretendido gere cerca de R$20 bilhões de contribuição para redução do déficit previsto. Pergunto: na dolorosa combinação de aumento dos juros, de tarifas e dos impostos, foi levada em conta a nítida possibilidade de redução do nível de atividade, fazendo com que aquela estimativa não seja alcançada? Pergunto ainda se foi levado em conta também o fato de que a persistência da taxa de juros, além daquele momento preciso, não irá engolir toda a receita gerada com o sacrifício do próprio ajuste.

Com toda a certeza, tais possibilidades foram consideradas, mas repousam em linhas muito frágeis de operacionalidade, vez que não afasta, como ontem mesmo vimos, o espectro da especulação financeira internacional.

Srªs e Srs. Senadores, nesta superficial análise que me permito fazer, não posso deixar de ressaltar um outro ponto, este referente ao corte de gastos nas áreas de pessoal, orçamento e investimento das estatais.

Gerar uma redução de 2,5% do PIB no déficit público não é uma tarefa trivial. Exige medidas duras. O Executivo apresentou uma proposta que tem, na minha avaliação, mais acertos do que erros, mas que não está isenta de equívocos e nem pode deixar de ser aperfeiçoada.

Alguns aspectos chamam a atenção. O primeiro é o de que a maioria absoluta das medidas propostas eram e são dependentes apenas e apenas do Poder Executivo, e somente agora, ao trombetear do Apocalipse, foram lembradas ou relembradas. O segundo é o de que algumas delas não são mais de que meras reedições de intenções já apresentadas no passado.

Preocupa-me também o corte de 50% nos incentivos fiscais para o desenvolvimento regional, comprometendo, cada vez mais, o processo de redução das disparidades entre as distintas regiões brasileiras. Aliás, estudos da própria Secretaria de Receita Federal mostram que a renúncia fiscal vem beneficiando ao longo dos anos as regiões mais desenvolvidas, em detrimento das regiões mais pobres, fazendo com que o próprio Governo contribua de forma direta para o agravamento do indesejável quadro de desequilíbrio interregional.

Permito-me também, agora como membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, julgar como não acertada a retirada do incentivo de dedução do IPI às empresas que investem em Ciência e Tecnologia para o aprimoramento de processos e produtos. Esse incentivo garantiu que o dispêndio em C&T pulasse de 3,3% para 6,0% do PIB no curto período de 1992 para 1995, com o incremento superior a 50% da participação do setor privado.

Não antevejo maiores possibilidades para que a empresa brasileira enfrente a concorrência da empresa estrangeira, mais capitalizada e mais avançada tecnologicamente, se dela retirarmos, de forma inopinada, essa importante fonte de financiamento. Como ficarão os projetos em andamento e os seqüenciais?

Ao lado da manutenção da integridade dos incentivos para as regiões menos desenvolvidas, creio ser esta também uma outra proposta carente de aperfeiçoamento e de revisão.

O Brasil não é mais uma ilha de prosperidade isolada no mundo. Vivemos em uma economia globalizada, e, a partir de agora, todos os acontecimentos de envergadura na economia mundial terão maior ou menor repercussão nas nossas vidas. O que se passa na Ásia não é importante só para Washington, Tóquio ou Berlim, mas também para Brasília.

Temos de ter a consciência de que um novo mundo econômico está engendrado e nós, querendo ou não, dele temos que forçosamente participar.

O conjunto de medidas proposto pelo Governo Federal nasceu exatamente dessa interdependência financeira internacional e está voltado para garantir a estabilização da economia. No entanto, tão urgente quanto essas medidas é o cumprimento da agenda das reformas constitucionais, pois somente através delas é que estaremos afastando a possibilidade de refluxo de crises e a ameaça constante de instalação de quadros recessivos.

O Congresso, o Executivo, os agentes produtivos, os trabalhadores, enfim, a sociedade como um todo, têm pela frente um enorme desafio: garantir a estabilização e criar condições para a redução do ônus do severo ajustamento que enfrentaremos.

Creio que a hora é por demais útil para buscarmos tirar proveito dessa crise. O Congresso, que sempre soube interpretar os momentos difíceis da nossa história, é soberano para propor alternativas que atenuem os impostos sobre a competitividade de produção nacional e sobre certos segmentos sociais.

O instante é de unidade em torno do fortalecimento das nossas defesas e de chamamento para a decisão, quanto à criação de mecanismos que consigam dar perenidade ao processo de transformação por que passa o Brasil e que certamente nos conduzirá a um novo ciclo de desenvolvimento.

A percepção do longo prazo não pode ser obscurecida pelos ajustes conjunturais que temos que fazer.

É nosso dever transformar essa crise na oportunidade de fortalecermos, através das reformas constitucionais, os fundamentos de estabilidade e do potencial de crescimento da nossa economia.

É esse o compromisso que a sociedade está a cobrar de todos nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/1997 - Página 24706