Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VULNERABILIDADE DE NOSSA ECONOMIA, DIANTE DOS ATAQUES ESPECULATIVOS INTERNACIONAIS. CONSEQUENCIAS DO PACOTE FISCAL NA REDUÇÃO DO RITMO DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA E NO AUMENTO DO DESEMPREGO. PARTICIPAÇÃO DO LEGISLATIVO NO EQUACIONAMENTO E NO APRESSAMENTO DAS VOTAÇÕES DAS REFORMAS FUNDAMENTAIS, TAIS COMO A DA PREVIDENCIA, A ADMINISTRATIVA E FISCAL-TRIBUTARIA, DESDE QUE SE PRESERVE A ESTRUTURA HARMONICA DOS PODERES E GARANTA, FIRME E CONSTITUCIONALMENTE, A FEDERAÇÃO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A VULNERABILIDADE DE NOSSA ECONOMIA, DIANTE DOS ATAQUES ESPECULATIVOS INTERNACIONAIS. CONSEQUENCIAS DO PACOTE FISCAL NA REDUÇÃO DO RITMO DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA E NO AUMENTO DO DESEMPREGO. PARTICIPAÇÃO DO LEGISLATIVO NO EQUACIONAMENTO E NO APRESSAMENTO DAS VOTAÇÕES DAS REFORMAS FUNDAMENTAIS, TAIS COMO A DA PREVIDENCIA, A ADMINISTRATIVA E FISCAL-TRIBUTARIA, DESDE QUE SE PRESERVE A ESTRUTURA HARMONICA DOS PODERES E GARANTA, FIRME E CONSTITUCIONALMENTE, A FEDERAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/1997 - Página 24477
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, CRISE, MERCADO FINANCEIRO, BOLSA DE VALORES, AMBITO INTERNACIONAL, SUPERIORIDADE, PREJUIZO, ECONOMIA, BRASIL, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CAPITAL ESPECULATIVO.
  • ANALISE, PROVIDENCIA, GOVERNO, CONTROLE, CRISE, EFEITO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, REDUÇÃO, CRESCIMENTO, ECONOMIA, AMPLIAÇÃO, DIVIDA INTERNA, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, DEFASAGEM, REAL, RELAÇÃO, MOEDA ESTRANGEIRA, DOLAR.
  • DEFESA, COLABORAÇÃO, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, AGILIZAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias surpreendemo-nos todos com uma nova onda especulativa financeira que causou quedas enormes nas bolsas de valores de todo o mundo, colocando em cheque as moedas nacionais de vários países emergentes. Com suas rápidas repercussões, amplamente facilitadas pelos avanços tecnológicos da microeletrônica informatizada, correu o mundo em segundos, a partir de Hong Kong e, recentemente, Coréia do Sul e Japão, atingindo as bolsas de valores brasileiras, como a de São Paulo, apresentando no primeiro momento uma das maiores quedas de sua história. Tendo sido estabelecido um verdadeiro pânico entre os agentes econômicos do País, pois, afinal, o Brasil esteve na iminência de ter que desvalorizar fortemente o Real, caso suas autoridades monetárias não conseguissem ter a necessária firmeza para conter o jogo especulativo, se bem que aumentando mais ainda as dificuldades de nossa economia, em decorrência do enorme aumento nas taxas de juros, e agora, com o lançamento de um pacote de medidas fiscais de caráter recessivo, que abordarei, especificamente em próximo pronunciamento.

Como dizem alguns analistas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa crise das bolsas apenas dá uma pálida amostra do que se pode assistir daqui por diante, caso não se construa um novo dique de proteção contra esses ataques especulativos, pois o capital internacional viaja rápido de uma economia para outra, à busca de oportunidades de lucro. São U$40 trilhões por dia os chamados derivativos financeiros que virtualmente percorrem os mercados financeiros. Uma assustadora massa de dinheiro, ainda mais se comparada aos U$30 trilhões de dólares relativos à economia real do mundo, cujo produto cresce 3% anuais.

De modo que as economias dos países emergentes são hoje cada vez mais reféns dos interesses dos grandes especuladores internacionais, que tornaram as finanças mundiais em um terrível cassino.

Nessa crise, portanto, a vulnerabilidade de nossa economia mostrou-se de modo claro e insofismável. E não há mais como fazer comparações, mesmo com toda a carga de racionalidade que possa apresentar, diferenciando-a da dos demais parceiros que formam os ditos mercados emergentes. A tranqüilidade que essas comparações podem nos ter dado em momentos recém-passados, já não existe mais.

Tudo bem que estejamos ostentando uma bem-sucedida estabilização e que, principalmente, tenhamos contido drasticamente o processo inflacionário, graças às iniciativas do Governo Fernando Henrique Cardoso. Tudo bem que nossas reservas internacionais, mesmo com a sangria dos últimos dias, ainda se encontrem em um volume considerável da ordem de US$54 bilhões. Temos um sistema bancário solidificado, os capitais externos, sobretudo os diretos, vêm entrando no País de modo mais acentuado, há um programa de privatizações em avanço, entre outros indicadores positivos de que não somos mais um País desacreditado internacionalmente.

No entanto, não é preciso ser economista ou expert na área financeira para compreender que, não obstante essa condição satisfatória, sofremos nos últimos dias prejuízos quase incalculáveis. Ficando claro para uma enorme massa de cidadãos do País medianamente informados que, a qualquer momento, poderemos ser alvos diante de um ataque especulativo contra nossa moeda, a exemplo do que aconteceu com o México em 1995 e a Tailândia recentemente.

As perguntas cruciais são as seguintes: Até quando poderá o Banco Central Brasileiro ser capaz de vender US$10, 20, 30 bilhões de suas reservas para conter próximos ataques? Até quando poderá esse mesmo Banco Central usar, sem maiores explosões econômicas, sociais e políticas, "o estoque de maldades", a que se referiu o Presidente do Banco Central, economistas Gustavo Franco, aumentando terrivelmente a taxa básica de juro, como acaba de acontecer, levando-a, de um dia para outro, a passar de 22% ao ano (uma taxa já extremamente escorchante) para os astronômicos 46% ao ano, na tentativa de assegurar os interesses dos investidores internacionais? E a repercussão dessa medida, deve-se dizer, no varejo, foi estrondosa: os juros no crediário saltaram para até 11% ao mês, o equivalente a 249,84% ao ano. Em financiamentos, como o dos automóveis, o prazo caiu de 36 para 24 meses, exigindo-se, agora, um percentual de entrada de 30%, em invés dos 10% de antes. Para ficar apenas em alguns exemplos.

E, agora, diante da notória insuficiência da medida para conter a especulação, e para recuperar a confiança dos investidores internacionais, vem esse pacote, cujo resultado geral será, sem dúvida, uma forte redução do ritmo de crescimento da economia, que, este ano, só deverá aumentar 2% e não mais os 4% estimados.

O Governo acredita em que essa crise passará rápido. E assim todos nós também desejamos que seja. Obviamente, resta-nos a confiança de que, diferentemente dos países asiáticos em crise, não estamos arcando, por exemplo, com um volume monstruoso de empréstimos podres, a par de outros aspectos macroeconômicos restritivos que os acometem, nacional e regionalmente.

Contudo, não é essa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma crise a ser resolvida apenas com base nos méritos nacionais. A turbulência internacional que caracteriza a avalanche da nova mundialização do capital, calcada em uma avassaladora hegemonia financeira, está a exigir, além de um concerto de nações, no sentido de estabelecer novos controles para os fluxos de capitais, políticas nacionais urgentes, com o objetivo de fortalecer as estruturas produtivas e os mercados internos dos países que se encontram nesse jogo globalizado da economia mundial.

 O diagnóstico da economia brasileira atual não pode ser, convenhamos, um parcial e conveniente discurso de loas ao Plano Real, por seus inegáveis sucessos, em termos de estabilização monetária. Não há como esconder os rombos de nossa balança comercial, que vêm acentuadamente nos deixando em grave situação de dependência em relação aos capitais internacionais, para que consigamos financiá-los. Com o que temos de manter os juros sempre em patamar muito alto, pressionando fortemente o nosso déficit financeiro, levando as contas públicas a um impasse dramático. Para se ter uma idéia, com a subida atual dos juros, serão gastos cerca de R$2 bilhões pelo Governo, em novembro, apenas com o pagamento de juros da dívida interna! Compreendendo-se, muito claramente, diante disso, a preocupação do Governo de inserir, neste novo conjunto de medidas, algumas destinadas a frear as importações e a aumentar, concomitantemente, as exportações - devendo-se louvar esse procedimento.

E a âncora cambial? Será possível mantê-la incólume em meio a essa situação? Afinal, deve-se a ela particularmente a manutenção da inflação sob controle, por impedir que os preços internos dos produtos não-exportáveis possam aumentar, através da importação de bens estrangeiros a preços bem mais baixos.

É verdade que estamos fazendo as minidesvalorizações possíveis na faixa ou banda de variação cambial, tendo-se desvalorizado o real em torno de 10% desde o seu lançamento. Mas não são apenas os meros opositores do Governo - ainda ontem tivemos aqui essa constatação - que chamam a atenção para a grande defasagem de nossa moeda em relação ao dólar. E os especuladores de plantão, no mundo inteiro, estão de espreita para usar esse aspecto como fator desencadeador de um novo ataque à nossa moeda.

Esse é um quadro que nos mostra nitidamente o tipo de armadilha em que se encontra a nossa economia. Pois, se não queremos que volte a inflação, com a maxidesvalorização, também não podemos aceitar que continuemos a jogar para diante essa crise, ficando à mercê da dolarização selvagem e contribuindo para o esgarçamento ainda mais profundo e perverso do nosso destino social.

Vejamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão do desemprego. Mesmo que os índices oficiais o mascarem, com metodologias que aferem parcialmente, como é o caso da que é usada pelo IBGE, e mesmo sabendo que essa metodologia é aceita internacionalmente, o fato é que o nível de emprego no Brasil se torna cada vez mais precário. Em São Paulo, por exemplo, os índices mais abrangentes de medição do nível de desemprego já dão conta de que esse chegou a 16%. E ainda mais seremos afetados agora, nesta área, com a restrição financeira e creditícia, determinada pelo ajuste fiscal de emergência que o Governo acaba de lançar.

Sem dúvida, um preço muito alto a ser pago pela estabilização, por parte de todos os setores. É a economia que cairá de ritmo. Quando deveria estar crescendo em torno de, no mínimo, 6% ao ano, e desestabilizará e retirará do circuito produtivo inúmeros empresários, sobretudo os detentores de micro e pequenos negócios: é o Governo que arrecadará menos; é a sociedade, como um todo, que perderá; em particular os cidadãos de menor renda, que, a cada dia, vêem aumentar o processo de exclusão e de concentração da renda no País.

Portanto, há que se pensar urgentemente numa saída, que não pode mais esperar pelos resultados políticos do jogo da sucessão governamental nem dos relativos à renovação do Poder Legislativo.

Há que se chegar, creio eu, a um entendimento rápido sobre as necessárias reformulações que a estratégia de desenvolvimento do país está a exigir, diante desse quadro conturbado de fim de século, em que a inserção soberana do país no processo de globalização se torna uma condição essencial.

Antes de tudo, temos que considerar que a perspectiva positiva de que a estabilização econômica continue está vinculada diretamente à necessária solução da questão financeira do nosso setor público, em particular da União. E, nesse caso, não há como se postergar o tão propalado ajuste fiscal.

Veja-se que não foi suficiente a enorme transferência de renda propiciada pelo Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), que extraiu da receita dos Estados e Municípios cerca de 20%, em média, em benefício da União. Veja-se, ainda, que, se não fosse a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), a par do tremendo e perverso congelamento salarial perpetrado contra o funcionalismo público federal (agora ainda maior), e da punição imposta à classe média em termos de renda, que também aumenta a partir de agora, o rombo do Tesouro estaria muito mais aprofundado.

E, repito, isso se agrava agora muito mais, em face dos desdobramentos da crise das bolsas, pois sabemos que a compreensão dessa fraqueza, por parte dos especuladores internacionais e nacionais, os alimentará no intento de lucrar com a desvalorização da moeda brasileira, sem considerar a pressão exercida pelo déficit nas contas externas do Balanço de Pagamentos, perigosamente nas vizinhanças de níveis preocupantes, em torno de 4,5% a 5% do PIB nacional.

De minha parte, tenho claro que o Legislativo não se furtará - como não se tem furtado até agora - a ajudar no melhor equacionamento e no apressamento das votações das reformas fundamentais, como a da Previdência, a administrativa e a fiscal- tributária, desde que se preservando a estrutura harmônica dos Poderes e garantindo-se firme constitucionalmente a nossa Federação, conforme tenho muitas vezes defendido nesta Casa e em outras oportunidades.

Quero crer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, juntamente com sua equipe de Governo, diante da concretização e acentuação das enormes ameaças trazidas pela crise das Bolsas, não deixará de abrir-se a esse consenso político o quanto antes, para que se encontrem eficiente e eficazmente as fórmulas justas e rápidas de um grande projeto nacional que alcance o objetivo de oferecer o merecido progresso social e econômico ao nosso País.

Como anunciei no início deste pronunciamento, pretendo, na próxima semana, fazer uma análise de todas as medidas que compõem o pacote do Governo para fazer face à crise que aí está. Mas, desde logo, desejo acentuar que fiquei desolado ao verificar que, ao lado de medidas macroeconômicas, foram incluídas medidas de pequeno porte, que não tinham por que serem apresentadas num documento daquela importância. Refiro-me, por exemplo, Sr. Presidente, ao aumento da taxa de embarque internacional de US$18 para US$90 e também a redução do limite para compra em free shops, de US$500 para US$300. São medidas que não precisavam ser tomadas em conjunto com essas outras, porque não são tão importantes; são medidas de rotina que poderiam perfeitamente ser levadas a público, a qualquer momento, pelo Governo.

Ficam, portanto, aqui, Sr. Presidente, essas palavras que, embora duras, algumas vezes, são palavras de compreensão. O Senhor Presidente da República, sobretudo diante da necessidade imperiosa que teve de aumentar os juros para evitar a evasão dos chamados capitais especulativos, teve que tomar essas medidas de ajuste fiscal para conseguir recursos; caso contrário, não teria como fazer face ao resgate desses títulos no mercado financeiro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/1997 - Página 24477