Discurso no Senado Federal

CONCORDANDO QUE AS MEDIDAS TOMADAS PELO GOVERNO PARA A ESTABILIDADE ECONOMICA FORAM NECESSARIAS, APESAR DE ENERGETICAS. DEFENDENDO O DIREITO DO CONGRESSO DE ANALISAR E DEBATER CADA MEDIDA. DESTACANDO QUE A ELEVAÇÃO DAS TAXAS DE JUROS FOI UMA PROTEÇÃO EFICIENTE A NOSSA MOEDA.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONCORDANDO QUE AS MEDIDAS TOMADAS PELO GOVERNO PARA A ESTABILIDADE ECONOMICA FORAM NECESSARIAS, APESAR DE ENERGETICAS. DEFENDENDO O DIREITO DO CONGRESSO DE ANALISAR E DEBATER CADA MEDIDA. DESTACANDO QUE A ELEVAÇÃO DAS TAXAS DE JUROS FOI UMA PROTEÇÃO EFICIENTE A NOSSA MOEDA.
Aparteantes
Elcio Alvares.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1997 - Página 24860
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, NATUREZA ECONOMICA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL, GARANTIA, MANUTENÇÃO, PLANO, REAL, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • DEFESA, EXERCICIO, CONGRESSO NACIONAL, ANALISE, EXAME, DEBATE, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, NATUREZA ECONOMICA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AJUSTE FISCAL, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, PAIS.
  • ANALISE, EFEITO, ECONOMIA NACIONAL, AUMENTO, TAXAS, JUROS, MANUTENÇÃO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, IMPEDIMENTO, ALTERAÇÃO, CAMBIO, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, PAIS.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o discurso do Senador Coutinho Jorge, inaugural dos trabalhos desta tarde, e, agora, o do Senador Osmar Dias me fizeram modificar minha idéia de não falar na tarde de hoje, pois pretendia declinar da inscrição que havia feito. Participo, como V.Exªs, de muitas das preocupações que foram aqui manifestadas e acredito que, como toda a sociedade brasileira deseja discutir essa questão mais profundamente, seja nosso papel como Senadores abrir, sob todos os ângulos, essa discussão diante da sociedade.

A meu ver, a discussão que se trava em torno das medidas anunciadas pelo Governo Federal, comporta uma apreciação aqui em dois planos. Acredito que o Governo brasileiro precisava ter, diante da ameaça de uma crise ainda mais profunda que aquela com que se defrontou recentemente, uma reação consistente, forte, profunda, inquestionável, voltada para fora; uma atitude que pudesse ser vista e entendida como uma clara posição afirmativa, de determinação do País em prosseguir no seu itinerário, para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, tenham se transformado em algumas das variáveis que passaram a vestir esse problema. Sob esse aspecto, isto é, a reação para fora, acredito que a postura do Governo brasileiro tenha sido irretocável. Um conjunto de medidas árduas, duras, amargas e difíceis, depois de todas elas discutidas, foi anunciado à sociedade e anunciado para fora do Brasil.

Concordo com o que disse V. Exª, Senador Coutinho Jorge: é possível, é até necessário que se discuta, é inevitável que se divirja de algumas dessas medidas que integram esse conjunto. Mesmo incorporando medidas que poderiam não ter sido incluídas ou deixando de incorporar medidas que alguns acham que deveriam ter sido incluídas, é indiscutível que esse conjunto precisa ser mostrado à economia mundial como algo estruturado, pronto e que será realizado.

Quanto a isso, o País inteiro, embora cada um reclamando da parte que lhe toca neste sacrifício, reconhece que alguma coisa precisava ser feita com aquela dimensão e com aquela profundidade. Se era exatamente isso, é o que nos cabe discutir daqui para frente, mas, depois de vencida a etapa, de mostrar que o País tem capacidade de tomar as decisões e de implementar essas medidas por mais amargas que sejam.

Com relação a isso, não resisto à tentação de fazer um comentário. Lembro-me muito bem de como foi censurado no País o ex-Presidente José Sarney porque, na vigência do Plano Cruzado, entendem alguns dos analistas do seu governo, S. Exª quis poupar a população brasileira dos sacrifícios que precisaria ter feito. O que se dizia com relação ao Presidente Fernando Henrique era que, se surgisse uma crise na economia brasileira, provavelmente Sua Excelência não teria a coragem necessária para tomar aquelas medidas de que se acusa o Presidente Sarney haver temido.

Sua Excelência agora demonstrou que essas insinuações não procediam e quem duvidava de sua capacidade de tomar decisões estava equivocado. É curioso que as pessoas defendem que se tome um conjunto de medidas amargas e depois se critica quem as tomou exatamente porque elas são amargas. Elas são, e é impossível deixar de ser.

Pessoalmente, discordo de um conjunto de pontos que integra o pacote de 51 medidas, mas, pessoalmente também, defendo que neste momento só há uma coisa a fazer: garantir ao Presidente Fernando Henrique Cardoso o respaldo político de opinião pública de que Sua Excelência necessita para concluir o recado que precisa dar para fora do Brasil.

Essa posição me leva a divergir de quantos preferem agora abrir um questionamento em torno desta ou daquela medida. E essa posição me leva a justificar a defesa que faço do conjunto, embora concorde de que é saudável para o País, o que vem sendo feito por iniciativa de alguns Senadores, entre os quais destaco a importantíssima contribuição à abertura do debate feita pelo Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães. Portanto, sem divergir de nenhuma das medidas como necessária como um conjunto completo e acabado para ser tomado agora e como um grande recado para fora do Brasil, em torno do qual não apenas nós que participamos do processo de decisão, mas a sociedade inteira precisa unir-se, também concordo em que não há nada perfeito embaixo do sol e, uma vez tomadas as decisões, temos o direito legítimo de nos debruçar sobre cada uma delas e oferecer ao Governo de nosso País a contribuição necessária para melhorar o que tenha sido feito.

Resta o outro lado da questão. Entendo que o Governo precisará, passado este momento, dar o seu grande recado para dentro do País. Imagino que todos aqui devem se preocupar - como eu me preocupo - com as novidades que, no bojo desse processo de globalização, começam a aparecer. Por exemplo, fomos obrigados, no âmago desse recado dado para fora do Brasil, a fazer uma alteração, praticamente de 100%, no nível das taxas de juros praticadas no País. A taxa de juros alta é uma doença crônica na economia brasileira; é um mal que vem da fase de hiperinflação, e que o período de estabilidade ainda não conseguiu curar.

Em toda parte do mundo, sabemos que a taxa de juros é um instrumento de política econômica, sobretudo a interna, utilizado para sinalizar a necessidade de redução nas pressões de demanda para desaquecer o mercado ou para aquecê-lo, quando isto seja necessário. Pela primeira vez, estamos tendo, entretanto, uma elevação na taxa de juros que não tem nada a ver com as características, com a temperatura do mercado interno. A elevação da taxa de juros foi uma medida de proteção a nossa moeda para encarecer a aquisição de real pelos especuladores externos que precisavam recorrer ao sistema bancário para mobilizar o real e, com ele, comprar dólar, forçando uma mudança mais dramática e mais acentuada na taxa de câmbio.

Esse é um aspecto que me preocupa, especialmente porque a interseção desse fenômeno com os problemas internos da economia brasileira se dará em um momento - que espero não esteja distante - em que reconhecemos todos que a elevação da taxa de juros terá cumprido seu papel e que ela precisa ser derrubada. Pois, nesta hora, haverá o seccionamento entre a função que teve essa elevação da taxa de juros como um recado para fora e a redução da taxa de juros que pode assumir um recado para dentro, isto é, que pode sinalizar internamente. No momento em que se começar a reduzir a taxa de juros, tomara que essa seja uma notícia de euforia econômica que justifique a intensificação da demanda e o aquecimento do mercado.

O fato de convivermos agora com a mobilidade da taxa de juros em função de fenômenos alheios à realidade da economia nacional, mas premida a taxa de juros por estímulos que decorrem de manobras realizadas no universo financeiro internacional, cria um ambiente especial de preocupação a ser considerado, principalmente se reconhecemos - e o próprio Governo tem proclamado esse reconhecimento - que a taxa de juros ao nível em que se encontra não pode permanecer.

Se assim é, no recado para dentro que o Governo terá de dar, será preciso tranqüilizar os agentes econômicos em relação a um esquema consistente de restabelecimento de um nível - com o qual já estávamos convivendo antes - de juros extremamente alto mas que não se pareça com esse nível elevadíssimo a que seremos submetidos agora.

Por outro lado, no bojo das preocupações que devem estar compondo o recado que o Governo precisará dar para dentro do País, está a necessidade de tranqüilizar a sociedade brasileira em relação ao aspecto que V. Exª, Senador Osmar Dias, com tanta competência destacou: a nossa vulnerabilidade em face de variações meramente especulativas em uma bolsa situada em algum recanto dos confins do mundo.

Hong Kong, que eu saiba, foi uma concessão da geografia política de algum tempo atrás. E permito-me repetir algo que disse ao Senador Josaphat Marinho semana passada: Hong Kong era uma espécie de - com a permissão da palavra - "cabaré" do capitalismo internacional. Hong Kong era um lugar deixado para que a licenciosidade da economia internacional se praticasse. Muitas vezes o dinheiro mais mal ganho e mais mal explicado do mundo, antes de purificar-se o suficiente para justificar a abertura de uma conta numerada na Suíça, tinha que passar por um estágio em Hong Kong, por alguns escaninhos das relações financeiras em Hong Kong.

De repente, um movimento inesperado em uma bolsa como essa pode comprometer o trabalho de um, dois ou três anos que tenhamos feito na economia brasileira. Tomamos um conjunto de medidas enérgicas como essas e se, depois de Hong Kong, tivermos uma elevação de temperatura na Coréia, se de repente transbordar novamente - Deus permita que não - para um país como o México ou chegar a Buenos Aires ou alguma coisa semelhante, o que vamos fazer?

Portanto, o recado que é preciso dar internamente terá que ser no sentido que nos tranqüilize com relação a isso. E aqui, quando quero me voltar para o núcleo em torno do qual desejo encerrar este discurso, não posso deixar de registrar que não concordo com algumas coisas que foram ditas pelos outros dois colegas Senadores, ou seja, que entendemos muito bem esta realidade. A realidade com a qual estamos convivendo é tão nova que podemos dizer, sem medo de errar, que não há ninguém que entenda de globalização nem aqui nem fora daqui.

Para usar uma expressão que se tornou corriqueira e que tem a ver com os chamados fundamentos econômicos, há postulados que simplesmente não resistem a nenhum tipo de análise. Nós, por exemplo, estamos insistindo em falar no nosso déficit fiscal como a causa, o grande vilão de todas as tormentas. E o país mais imune, mais sólido, mais tranqüilo, mais indiferente a todas essas procelas é um deficitário crônico como os Estados Unidos da América, crônico nas suas relações com o comércio internacional e crônico no seu déficit fiscal, que vem, há dezenas de anos, servindo de discurso para todos os candidados a presidente dos Estados Unidos.

Na realidade, não sou defensor de déficit fiscal; muito pelo contrário. Do pouco que possa ter aprendido na minha vida, incorporei a convicção de que o déficit fiscal é uma doença que precisa ser extirpada. Concordo, colaboro e desejo que assim seja feito, mas não posso deixar de registrar a estranheza, a maneira como se torna difícil de alguém explicar um fenômeno cuja lógica nos leva a concluir que o déficit fiscal é uma praga com a qual não podemos conviver. E, ao mesmo tempo, vemos que um país que é um deficitário contumaz é o que mais nos ensina e recomenda a vencermos o nosso próprio déficit.

O Sr. Elcio Alvares (PFL-ES) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Elcio Alvares (PFL-ES) - Senador Geraldo Melo, atrevi-me a aparteá-lo porque V. Exª declarou que está na fase final do seu pronunciamento, pronunciamento que todos nós estamos ouvindo com a máxima atenção. O debate em torno das medidas do Governo é altamente saudável, eu diria mesmo salutar, no momento em que o Congresso se prepara para votar, com a presteza de sempre, as medidas que estão sendo encaminhadas a nossa Casa. V. Exª aborda com muita proeficiência a necessidade das medidas adotadas, mas nem por isso deixa de fazer críticas que considero profundamente adequadas ao problema. Temos um objetivo que tem sido reiterado por todos, de dar uma contribuição ao Governo. Mas isso não exime aqueles que têm interesse, como o Governo, de fazer com que essas crises sejam colocadas aqui dentro do Brasil em compartimentos que possam ser suportáveis de participar do debate. Ouvimos recentemente uma crítica do Presidente Antonio Carlos Magalhães, que aqui se encontra presente, a um determinado momento dessas medidas. Muitos dos Srs. Senadores aqui presentes, que co-participam do objetivo final das medidas, ou seja, exatamente o de atingir a cifra de R$20 bilhões para equilibrar a questão do déficit e dar uma resposta positiva ao mercado externo, tiveram oportunidade de acompanhar de perto e observar que existe uma solidariedade da sociedade brasileira. Então, as medidas econômicas são necessárias. O Presidente tem de nós a solidariedade, mas o debate tem de ser feito na altitude que V. Exª colocou. Tenho reiterado, até em conversas pessoais com o eminente representante do Rio Grande do Norte, que considero uma figura das mais importantes, pela maneira didática com que se comporta na abordagem de problemas dessa extensão e dessa gravidade. V. Exª hoje reitera meu pensamento a respeito da sua atuação parlamentar. Como Líder do Governo, acho que suas palavras têm que ser meditadas pelas autoridades econômicas que estão tratando da questão e contribuem para que tenhamos elevado o debate que aqui, por certo, vai ocorrer no exame e na crítica das medidas tomadas pelo Governo. Na brevidade do aparte, quero cumprimentá-lo mais uma vez pela atuação serena, segura, equilibrada e profundamente técnica na abordagem de um assunto que, na sua palavra, ganha uma transparência que merece ser elogiada. Portanto, encaminho a V. Exª neste momento, na condição de Líder do Governo, os meus cumprimentos, porque V. Exª está elevando, está dando altitude ao debate que deve ser realizado. Hoje mesmo o Presidente Antonio Carlos Magalhães já está tomando as providências para que a comissão que vai examinar essas medidas tenha também a elevação necessária para dar uma resposta positiva por parte do Congresso ao momento emergencial em que o Governo nos convoca para também nos perfilarmos numa solução comum, a fim de que essa crise tenha realmente aqui no Brasil os parâmetros necessários para que não dure tanto tempo nem tampouco tenha o alcance de medidas que seriam tão profundamente lesivas ao interesse nacional. Meus cumprimentos a V. Exª. Lamento que praticamente a sua fala esteja se extinguindo neste momento, quando mais uma vez honrou e ilustrou a tribuna do Senado.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN) - Agradeço o seu aparte, que não apenas enriquece as minhas pobres palavras, mas, muito mais do que isso, enche-me da alegria de ter a honra de ser seu companheiro e colega, que, de certa maneira, me estimula, embora reconhecendo e desejando proclamar que o que V. Exª acaba de dizer a meu respeito só pode ser devido à grande generosidade com que trata a todos nós e, em particular, aos seus amigos.

Quero concluir, sabendo que há espaços no que desejava dizer que ficam para a discussão futura. Acredito que a abertura do debate pode fazer-se nesse plano.

Concluo dizendo que há questões que integram a proposta do Governo que, a meu ver, poderiam e devem ser discutidas após darmos ao Governo as condições de que necessita agora para proferir seu recado consistente e límpido para o mercado externo. Por isso, por mais que haja nesse conjunto sofrimentos que poderiam ter sido poupados, se acusamos o Presidente Fernando Henrique Cardoso de ter tomado tais medidas neste momento por essa ou aquela razão, se questionamos se isso foi bom ou ruim para a sua candidatura futura, creio que, como todos os brasileiros, mesmo fazendo os reparos que acabo de fazer, posso dizer que, se Sua Excelência não tivesse a coragem necessária para tomar medidas desse tipo, aí sim, o povo brasileiro olhá-lo-ia como alguém que não mereceria ser reconduzido à Presidência da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1997 - Página 24860