Discurso no Senado Federal

ALERTA QUANTO A MINUTA DE DECRETO DO MINISTERIO DA FAZENDA, QUE CRIA UM NOVO REGIME ADUANEIRO, SOB FISCALIZAÇÃO VIRTUAL, ATRAVES DE RELATORIOS ENCAMINHADOS PELOS PROPRIOS IMPORTADORES, SUBSTITUINDO OS ATUAIS ENTREPOSTOS ADUANEIROS. SALIENTANDO QUE A SITUAÇÃO PRETENDIDA POR ESSE MINISTERIO, ALEM DE ENSEJAR A SONEGAÇÃO, IRA EXTINGUIR A ESTRUTURA HOJE EXISTENTE, QUE OPERA UMA CONCESSÃO PUBLICA, PRESTANDO EXEMPLAR SERVIÇO DE ASSISTENCIA TECNICA E LOGISTICA, PRINCIPALMENTE AOS PEQUENOS EXPORTADORES.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • ALERTA QUANTO A MINUTA DE DECRETO DO MINISTERIO DA FAZENDA, QUE CRIA UM NOVO REGIME ADUANEIRO, SOB FISCALIZAÇÃO VIRTUAL, ATRAVES DE RELATORIOS ENCAMINHADOS PELOS PROPRIOS IMPORTADORES, SUBSTITUINDO OS ATUAIS ENTREPOSTOS ADUANEIROS. SALIENTANDO QUE A SITUAÇÃO PRETENDIDA POR ESSE MINISTERIO, ALEM DE ENSEJAR A SONEGAÇÃO, IRA EXTINGUIR A ESTRUTURA HOJE EXISTENTE, QUE OPERA UMA CONCESSÃO PUBLICA, PRESTANDO EXEMPLAR SERVIÇO DE ASSISTENCIA TECNICA E LOGISTICA, PRINCIPALMENTE AOS PEQUENOS EXPORTADORES.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/1997 - Página 25193
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, PRETENSÃO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), EDIÇÃO, MINUTA, DECRETO NORMATIVO, CRIAÇÃO, REGIME ADUANEIRO, UTILIZAÇÃO, INFORMATICA, OBJETIVO, ENCAMINHAMENTO, RELATORIO, AUTORIA, EXCLUSIVIDADE, IMPORTADOR, SUBSTITUIÇÃO, FUNÇÃO, ENTREPOSTO ADUANEIRO, RESULTADO, POSSIBILIDADE, INCENTIVO, SONEGAÇÃO FISCAL, EXTINÇÃO, ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, ATUALIDADE, FUNDAMENTAÇÃO, CONCESSÃO DE USO, BENEFICIO, EXPORTADOR.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado do Espírito Santo vem construindo o seu desenvolvimento passo a passo, sempre com ingentes dificuldades por ser um Estado pequeno e estar cercado de gigantes.

Por isso mesmo necessitamos estar sempre alertas porque, de quando em vez, surgem propostas cerebrinas, que se não mortas no nascedouro, podem provocar estragos irreparáveis.

Reporto-me hoje a uma minuta de decreto que estaria prestes a ser editado, concebido por técnicos do Ministério da Fazenda e que institui uma nova modalidade de regime aduaneiro de industrialização sobre o controle aduaneiro, classificado como especial.

A grande novidade desse regime especial, gerado nos gabinetes refrigerados de Brasília, está muito longe do Brasil real e que se pretende venha a substituir o já existente entreposto aduaneiro industrial. Refiro-me à criação da chamada fiscalização virtual. Ou seja, fiscalização pelas máquinas de processamento eletrônicos de dados, com a emissão de relatórios para servirem de base para análise de dados à programação de fiscalizações futuras, quando se puder e se se puder.

Todos sabemos - e não se precisa ser perito para tanto -, que as grandes fraudes aduaneiras consistem na apresentação de documentos em perfeita consonância com as leis hierarquicamente inferiores, porém divergentes do conteúdo físico, distintas da realidade fática.

Com a implantação, este ano, do Sistema de Comércio Exterior na importação, o SISCOMEX, dada a ineficiência do sistema, está sendo selecionada para uma fiscalização completa (documentos e mercadorias) apenas uma pequena parcela das importações. Isso significa dar ensejo à sonegação, porque com freqüência ocorre que se declara um produto cuja alíquota do imposto de importação é mais baixa e nos conteúdos encontram-se outros produtos de valor declarado mais baixo, ou de alíquota mais elevada, ou as duas coisas juntas.

Agora pretende-se eliminar o mínimo de fiscalização. A fiscalização será então inexistente, ou melhor, "virtual", porque as empresas vão poder receber suas mercadorias nos portos, nos aeroportos e nos pontos de fronteira, levá-las diretamente para seu processo produtivo, ou vendê-las no estado em que forem importadas e vão, elas mesmas, apresentar relatórios à fiscalização.

Ora, quem se interessa um pouco pelo assunto e tem um mínimo de relacionamento e entendimento do setor sabe que toneladas e toneladas de mercadorias contrabandeadas são pagas a quilo e liberadas em portos e aeroportos deste País. Tal procedimento é velho como a Sé de Braga, ensejando raríssimos episódios de flagrante criminal que os jornais noticiam com estrépito.

Com o controle "virtual", tais mercadorias poderão até baixar de preço pois nem mais essa alíquota, a quilo, necessitará ser paga.

A concorrência predatória, criminosa e generalizada em determinados setores como o dos eletrônicos, têxteis, brinquedos, só para citar alguns, se tornará tão mais avassaladora que as já poucas empresas nacionais tenderão a desaparecer.

Ademais, Sr. Presidente, com tal proposta de decreto, cria-se uma nova modalidade de entreposto aduaneiro de uso privativo, mas que também se presta ao uso público, porque as empresas beneficiadas vão poder vender a terceiros mercadorias no mesmo estado em que forem importadas.

A criação de um novo regime aduaneiro, Sr. Presidente, é coisa é muito séria; é matéria que só pode ser objeto de lei, pois cria direitos e obrigações, portanto, tem que passar pelo Congresso Nacional.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador José Ignácio Ferreira?

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Tem V. Exª um aparte.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - V. Exª levanta um aspecto interessante do que se chama a possível criação de um novo regime aduaneiro. Realmente, é inimaginável que isso seja feito por um ato do Executivo. Exigiria uma lei ou uma medida provisória a ser apreciada por este Congresso. Não sei se V. Exª já o fez, mas creio que valeria a pena, permita-me a sugestão, conversar com o Sr. Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal, que é um homem de competência e seriedade reconhecidas. Talvez S. Sª nem tenha sido alertado ainda para esse ponto que V. Exª, com muita propriedade, levanta.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Muito obrigado a V. Exª, eminente Senador Jefferson Péres. Subscrevo as deferências de V. Exª feitas ao eminente Secretário da Receita Federal, Dr. Everardo Maciel, que é, sem dúvida, uma das melhores figuras deste Governo. Um homem da maior integridade, um profissional competente e que, em outras oportunidades já tivemos o ensejo de receber de S. Sª soluções para problemas criados. Espero que S. Sª tenha, após este pronunciamento, entendido. Após este discurso vamos, inclusive, procurá-lo, atendendo a sugestão de V.Exª; naturalmente, o faremos. Mas, V.Exª reforça muito a nossa convicção de que devemos procurar S.Sª. Muito obrigado a V.Exª.

Sr. Presidente, a minha surpresa, até com certa indignação, é ainda maior, quando verifico que as autoridades que estimularam e estimulam a implantação das Estações Aduaneiras Interiores, as chamadas EADI, não podem ignorar os impactos desestabilizadores que se produzirão sobre essas empresas, em face dessa fiscalização "virtual".

De uma forma ou de outra, as EADI funcionam desde a década de 70, mais no Estado de São Paulo, e um Terminal Retroportuário Alfandegado no Rio de Janeiro.

Depois da abertura econômica, nos anos 90, a pletora de importações entupiu os portos e aeroportos mais movimentados do País. Foi quando as autoridades verificaram a necessidade de ampliar a rede de recintos alfandegados, na zona secundária alfandegária, com o objetivo de desafogar os portos, os aeroportos e os pontos de fronteira.

O Estado do Espírito Santo foi, então, o primeiro escolhido, para a licitação de três Estações Aduaneiras, três EADI, na região econômica de Vitória, Serra e Cariacica, na Grande Vitória, porque apresenta excelentes condições de infra-estrutura portuária, rodoferroviária, e telecomunicações, além de vastas áreas planas disponíveis.

As três empresas vencedoras, entre 9 concorrentes, acreditaram no apelo governamental e fizeram vultosos investimentos em aquisições de áreas, construções, equipamentos, veículos e logística.

Agora, no momento em que tais empresas se firmam e conseguem prestar um serviço de armazenagem e de logística de primeira qualidade, vem o Governo e diz que isso não basta - a hipótese de editar-se esse decreto -, não vale ou não passa de uma experiência fugaz e inconseqüente. Porque terá chegado à conclusão de que é muito melhor deixar os importadores retirarem suas mercadorias diretamente dos portos e dos aeroportos para o recinto de seus estabelecimentos e, sem fiscalização, utilizá-los, e depois enviarem um relatório para a Receita Federal que, algum dia, determinará que lá faça uma auditoria.

Contudo, a questão não se resume nisso. Certamente algumas EADI, ao perderem seus melhores clientes e sem terem onde procurar outros, serão forçadas a fechar. Ao fecharem deixarão de atender aos pequenos exportadores, que serão os maiores sacrificados, por não mais contarem com uma assistência técnico-logística profissional e a baixo custo, hoje oferecida pelas EADI.

E para não dizer que não acionei todos os alarmes, afirmo para os responsáveis por essa intolerável proposta de decreto que as pequenas e médias empresas, que não forem contempladas pelo regime que se pretende instituir, morrerão esmagadas pela concorrência das que o obtiverem, pois a diferença dos custos será gritante.

É evidente que haverá uma quebra da equação econômica e financeira das EADI, pois os usuários não mais necessitarão passar por elas. E quem vai pagar o prejuízo? O povo, é claro.

Veja-se o que ocorreu em recente julgado do Supremo Tribunal Federal: o STF manteve a decisão de instâncias judiciárias inferiores que condenaram a União Federal a pagar a determinada empresa que explora serviço de transporte aéreo, vultosa quantia, a título de indenização, exatamente por ter o Poder Público incorrido em quebra dessa equação econômica e financeira.

A questão não é novidade nas instâncias inferiores. A opinião jurídica, dos melhores doutrinadores do País também se orienta no mesmo sentido de reconhecer intangibilidade da equação econômica e financeira inerente às concessões e permissões de serviço público e, caso quebrada por ato do Poder Público, enseja a reparação, de sorte a restabelecer a situação ao estado anterior.

A garantia de que se trata tem fonte direta na Constituição Federal, seja no princípio geral da estabilidade das relações jurídicas, seja na intocabilidade do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, seja em preceito próprio que rege a delegação do serviço público mediante permissão ou concessão.

Esse precedente da Suprema Corte do nosso País, constitui importante alerta para as autoridades no trato dessas questões. Está aberta a porta para que as empresas permissionárias ou concessionárias de serviço público em geral, inclusive aquelas que exploram recintos alfandegados, possam demandar o Estado pela eventual quebra da equação patrimonial inerente a essas relações de Direito Administrativo.

Mas não é só. Há ainda outra situação que se nos afigura, data vênia, de ilegalidade manifesta: a Secretaria da Receita Federal exige dos recintos alfandegados a cobrança do que deveria ser uma taxa, para o chamado Fundo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), criado pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975. Mas o faz, a nosso ver e data vênia, sem isonomia, porquanto cobra um valor fixo, R$17.400,00 (dezessete mil e quatrocentos reais), para os que se encontram localizados nas zonas primárias portuárias e uma porcentagem alta, de 6% na importação e de 2% na exportação, sobre o movimento bruto, daqueles localizados na zona secundária, notadamente as EADI. E todos praticam as mesmas atividades.

As questões aqui enfocadas estão a merecer profunda reflexão das autoridades fazendárias do País, a fim de que, no primeiro caso, não se venham a consumar e, no segundo, não tenham continuidade graves atentados à estabilidade das relações jurídicas e econômicas e à confiabilidade do Estado nas suas relações com os entes privados.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/1997 - Página 25193