Discurso no Senado Federal

CONGRATULANDO-SE COM A INICIATIVA DO PRESIDENTE DO SENADO NA CONVOCAÇÃO DA CASA NESTE FINAL DE SEMANA. DEFESA DO CONTROVERTIDO PROJETO DE LEI DO SENADO 125, DE 1996, QUE AUTORIZA A PRATICA DA MORTE SEM DOR NOS CASOS QUE ESPECIFICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS, DE SUA AUTORIA, APELANDO PARA QUE O PRESIDENTE DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA DESIGNE RELATOR PARA A MATERIA.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. SAUDE.:
  • CONGRATULANDO-SE COM A INICIATIVA DO PRESIDENTE DO SENADO NA CONVOCAÇÃO DA CASA NESTE FINAL DE SEMANA. DEFESA DO CONTROVERTIDO PROJETO DE LEI DO SENADO 125, DE 1996, QUE AUTORIZA A PRATICA DA MORTE SEM DOR NOS CASOS QUE ESPECIFICA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS, DE SUA AUTORIA, APELANDO PARA QUE O PRESIDENTE DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA DESIGNE RELATOR PARA A MATERIA.
Aparteantes
Bello Parga, Francelino Pereira, Jefferson Peres, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/1997 - Página 25633
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. SAUDE.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, INICIATIVA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, PRESIDENTE, SENADO, CONVOCAÇÃO, SENADOR, SESSÃO, CONGRESSO NACIONAL, FIM DE SEMANA.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, DESIGNAÇÃO, RELATOR, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ESTABELECIMENTO, LEGALIDADE, INTERRUPÇÃO, VIDA HUMANA, DOENTE, VITIMA, DOENÇA INCURAVEL.

           O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero congratular-me com a iniciativa da Mesa do Senado, do Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, por ter-nos convocado para trabalhar neste final de semana. Para mim tem sido um sacrifício ficar vários finais de semana em Brasília, sem poder viajar ao meu Estado, e, muitas vezes, sem ter para onde ir. Sinto-me muito honrado pela oportunidade de participar dos trabalhos no sábado e domingo.

           Quero fazer um apelo ao nosso Presidente no sentido de que, nos próximos finais de semana, convoque sessões extraordinárias para intensificarmos os nossos trabalhos. Creio que, até o final do ano, não custará nada. O País necessita, com urgência, da aceleração das discussões para que possamos concluir em parte a reforma administrativa.

           O Sr. Bello Parga (PFL-MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concedo o aparte ao nobre Senador Bello Parga.

           O Sr. Bello Parga (PFL-MA) - É uma intervenção rápida, Senador Gilvam Borges. Apenas quero dizer que concordo com a sugestão de V. Exª de aproveitarmos para intensificar os nossos trabalhos, apoiando a iniciativa do Presidente Antonio Carlos Magalhães de convocar sessões nos finais de semana, até porque evitaria a convocação extraordinária da parte do Presidente da República, porque teríamos já examinado todas as matérias de caráter urgente e não haveria necessidade de onerar os cofres públicos com os custos de uma convocação extraordinária..

           O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Agradeço o aparte de V. Exª.

           Ontem, tivemos o exemplo do plenário cheio, composto pelos Deputados e Senadores, quando tivemos a oportunidade de receber dois Ministros da área econômica para esclarecer as medidas econômicas do pacote recentemente lançado.

           Trago à tribuna ainda um assunto que tem me preocupado desde a Câmara dos Deputados. Sexta-feira visitei um colega lá do Estado que está com câncer na garganta, em fase terminal. Volto, assim, à tribuna para abordar um velho tema, de uma certa forma polêmico, a eutanásia. Entristece-me quando procuro e não encontro na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania um colega para relatar um projeto de minha autoria sobre o assunto.

Não sei se pelas nossas idades já avançadas, há temeridade, realmente já há uma certa preocupação. Há pouco comentei com o Senador Josaphat Marinho sobre a possibilidade de S. Exª, como o grande jurista que é, aceitar estudar essa matéria, tão importante. Nós procuramos um homem bom, com uma visão humanista, com uma visão realista. E o Senador Josaphat Marinho alertou-me sobre o impedimento que há na Constituição: um dos seus parágrafos diz que temos que zelar pela vida.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Senador Lúcio Alcântara, concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Senador Gilvam Borges, quero aqui prestar um esclarecimento - V. Exª já é conhecedor da minha posição -, para que a Casa e o Plenário também se informem sobre ela. Tocou-me relatar o projeto apresentado por V. Exª, mas, antes de entrar no mérito, resolvi analisar a premissa da constitucionalidade. Menos por conhecimento meu - não tenho profundidade nessa matéria -, e mais por opiniões que colhi, inclusive do ilustre jurista Dr. Sérgio Ferraz - de cuja amizade tenho o privilégio de gozar, assim como o Senador Bernardo Cabral -, de quem recebi um longo arrazoado em que ele argúi, de pronto, a inconstitucionalidade do projeto, uma vez que a nossa Constituição, num dos seus artigos, coloca a defesa da vida como um valor supremo, eu iria opinar pela inconstitucionalidade. Portanto, eu iria opinar sem analisar o mérito, questão controversa, polêmica. Recolhi muito material dos Estados Unidos, inclusive uma longa carta que o cardeal de Chicago, prestes a morrer, fez à Suprema Corte americana, pedindo que ela se pronunciasse contrariamente à eutanásia, e também outros materiais, resultantes de experiências holandesas. Eu tinha assumido o compromisso com V. Exª de que, se entendesse que o projeto, a meu juízo, não poderia prosperar, abriria mão da relatoria para que outro colega pudesse examinar o seu teor, e V. Exª não se sentisse, de alguma maneira, prejudicado pela minha opinião, ainda que ela fosse submetida à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, posteriormente, ao Plenário. Assim foi que abri mão da relatoria, devolvendo o projeto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para que fosse designado novo relator, mas absolutamente convencido da sua inconstitucionalidade. Sem examinar, volto a dizer, o mérito, seja nos seus aspectos legais, seja nos aspectos de ordem ética e moral, que estão também envolvidos no exame do problema. Muito obrigado.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Agradeço o aparte de V. Exª. Realmente, sou-lhe grato pela atenção e por devolver o projeto, para que possa buscar um outro colega para interpretá-lo.

Agora, eu gostaria de chamar a atenção do Plenário justamente para a questão da vida. A Constituição garante a vida? E vida é o quê? É uma situação em que nós estamos com plena capacidade de trabalho, somos capazes de fazer acontecer, de transformar. Esse é o referencial. A vida é isso, principalmente para nós, seres racionais, neste reino animal.

A partir do momento em que a pessoa perde 99% da sua capacidade, que fica sem perspectiva de recuperação, num leito, com Aids, com um câncer irreversível, com dor profunda, desmoralizada por estar sem condição de manter a sua higiene pessoal, Srs. Senadores, não vejo onde está a inconstitucionalidade.

Se alguém interpretar e der um parecer sobre o que é vida, o que a Constituição quer dizer com defesa da vida, e se falar em plena capacidade, em prazer de viver, de fazer, de sentir, concordarei plenamente que estará falando de vida. Mas no momento que ela se está exaurindo, está indo, é outra situação, e acho que precisamos refletir sobre isso. Quando milhares de seres humanos estão em fase terminal, agonizantes no leito, e fazem apelo, devido ao livre arbítrio que o homem tem, para morrer, e são impossibilitados, pelo Estado, de morrer, por causa de um conjunto de valores, considero isso uma certa hipocrisia.

Quantas pessoas não ouvi dizer que eram contrárias à eutanásia, mas que, na cabeceira do leito de um parente, de um amigo, penalizadas com a situação do amigo, do companheiro, do familiar, não disseram que seria melhor que se encerrasse aquela dor, já que a vida daquele cidadão, daquela pessoa, não existia mais? E não existe! O que existe é dor, degradação, um ser apodrecendo no leito, e a sociedade mantém-se impassível devido a todo um conjunto de valores existente na cultura.

Sr. Presidente, procuro um homem bom, um relator que não esteja preocupado com o aspecto eleitoral dessa questão, porque uma grande maioria acha que pode se prejudicar eleitoralmente.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concedo o aparte ao nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - V. Exª, Senador Gilvam Borges, até antes de apresentar o projeto, distinguiu-me com consulta sobre se eu aceitaria ou não a relatoria. De imediato, recusei aquilo que V. Exª me sugeria, de forma tão honrosa. O motivo que me levou a essa rejeição nada tem a ver, Senador Gilvam Borges, com a possível repercussão eleitoral. Até porque acho que a opinião pública está dividida a respeito do problema. Assim, o efeito de um parecer favorável será eleitoralmente nulo. Ninguém vai deixar de votar num parlamentar porque ele deu parecer numa matéria como essa. Meu problema é outro, é de foro íntimo, Senador Gilvam Borges. Considero a vida, por formação religiosa e ética, um bem supremo, como disse o Senador Lúcio Alcântara, um bem sagrado; tenho dúvida se ele pode ser violado, em qualquer circunstância. Não aceito a pena de morte nem para os crimes mais hediondos, porque acho que o Estado não tem o direito de, por vingança, tirar a vida de um criminoso; o Estado também não tem o direito, por compaixão, de tirar a vida de quem sofre. Fico dividido internamente. Reconheço que é extremamente penoso prolongar uma vida artificialmente, uma vida cheia de sofrimentos, de um doente terminal que, às vezes, pede para morrer. Trata-se da vontade do próprio detentor daquele bem, que é a vida. Pergunto-me se nós outros, o Estado e a sociedade, temos o direito de negar àquele sofredor o direito de escapar do sofrimento pela morte; mas, ao mesmo tempo, a minha consciência repele que a alguém, ao Estado, à sociedade ou à família, seja dado o direito de retirar essa vida. Sou um homem, portanto, dividido. Não sei nem como votarei nessa questão. Por isso, recusei a relatoria.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Agradeço o aparte a V. Exª.

Conheço a sua independência, nobre Senador. Tenho o maior respeito pela sua posição. Há todo um aspecto cultural e religioso em relação à questão, e compreendo perfeitamente isso.

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Francelino Pereira (PFL-MG) - Nobre Senador Gilvam Borges, o projeto de V. Exª se situa entre aqueles que, como não alcançam sucesso na sua tramitação e na decisão final, devem ser sempre apresentados na instituição parlamentar que integramos. É uma forma de manter vivo o debate em torno da eutanásia. Desde a faculdade de Direito, estudamos essa matéria exaustivamente, e esses estudos sempre foram realizados com certa paixão, pelo tema e pela dúvida de se aplaudir ou não o tema. Em verdade, é muito difícil para o ser humano aprovar o projeto de V. Exª, mas tenho certeza de que, se fizermos uma pesquisa junto à sociedade brasileira, possivelmente haja um empate ou, talvez, maioria em relação à aprovação da matéria em lei. De forma que a exposição de V. Exª comove, dita um sentido para a nossa posição. Mas confesso que todos estamos divididos. Como resolver esse problema? A verdade é que, quando os portadores de doenças dessa gravidade morrem, suas famílias ficam aliviadas e dizem: "Descansou; terminou de sofrer. Que seja feliz!" Manifesto, portanto, o meu aplauso à iniciativa de V. Exª. Essa luta deve ser permanente, para que o Congresso Nacional mantenha acesa a chama da discussão da matéria. Muito obrigado.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Incorporo o aparte de V. Exª, nobre Senador Francelino Pereira, ao meu pronunciamento.

Se analisarmos pelos dois lados da visão legal, o que é vida? Ainda é vida quando o ser humano perdeu todo o seu referencial de prazer? Ainda é vida quando há sofrimento profundo? Por outro lado, há o livre arbítrio, que também é muito forte.

Recentemente, li em um jornal de Porto Alegre uma matéria interessante. Um homem, com AIDS, chamou o seu irmão. Ele já estava em fase terminal, só pele e osso; portanto, a vida já se tinha ido há muito. Ele não tinha mais prazer, não trabalhava, já não amava e não produzia absolutamente nada; a sua mente era só sofrimento. Então, ele pediu ao irmão que desse fim a sua vida, que já não era mais vida. Foi o que o irmão fez.

O caso está na Justiça. Só que foi de forma brutal, com faca e martelo. Penso que o irmão, no desespero, quis fazê-lo o mais rápido possível.

Sr. Presidente, procuro um Relator, um Senador, um homem bom. Procuro um Senador que possa fazer essa defesa, porque todos poderemos passar por situações críticas e difíceis.

Faço esse apelo ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para que S. Exª me ajude a procurar um homem bom, um relator bom, que faça parte dessa Comissão, em nome do livre arbítrio, por respeito às pessoas e em nome da vida, enquanto ela existir.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/1997 - Página 25633