Discurso no Senado Federal

ANALISE DO PACOTE DE MEDIDAS ECONOMICAS BAIXADO PELO GOVERNO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DO PACOTE DE MEDIDAS ECONOMICAS BAIXADO PELO GOVERNO.
Aparteantes
Casildo Maldaner, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/1997 - Página 25571
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, AJUSTE FISCAL, GOVERNO FEDERAL, PRETENSÃO, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, CORTE, BOLSA DE ESTUDO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, RECESSÃO, ECONOMIA, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, DESEMPREGO, COMPROMETIMENTO, POLITICA SOCIAL, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não fiz um aparte ao discurso da Senadora Emilia Fernandes porque trataria do mesmo assunto. De certa forma, o pronunciamento da nobre Senadora esgotou todas as recomendações que poderíamos fazer em relação ao “pacote”, mas eu não a aparteei porque estava atenta ao seu pronunciamento, e buscarei não repeti-la na minha intervenção.

Tenho por hábito não apartear um Colega quando percebo um raciocínio sendo exposto com tanta ênfase, com tanta energia, como é do perfil da Senadora Emilia Fernandes.

Gostaria, também, de poder falar a respeito do “pacote”. A nação brasileira não está “à-toa na vida vendo a banda passar”. Pareceria imprópria essa frase, mas nessa música, nosso querido Chico Buarque de Holanda pôde, num sentimento do povo, colocar o prazer, o amor e a alegria, quando passa uma banda. Fiz questão de usar esse termo porque o achei adequado para o momento que estamos vivendo. Quando a banda de Chico Buarque passava, as pessoas chamavam umas as outras e diziam que não estavam fazendo nada e, então, convidavam a todos para ver a banda passando.

Só que esse “pacotão” é um banda; uma banda que está passando e os que não estão à-toa na vida estão-se colocando contrários a este "pacotão, que, entre outras medidas, aumenta tributos.

Temos visto publicada na imprensa a ênfase dada a esse fator que realmente incomoda. O aumento de tributos e de combustíveis há de gerar outros aumentos. Na medida em que se aumenta o combustível, aumenta-se o custo do transporte, que, conseqüentemente, ocasionará o aumento do preço dos gêneros de primeira necessidade. Essa é a situação que estamos hoje enfatizando.

Temos defendido, enfaticamente, a tese de que não haja mais aumento de impostos, como o de Renda. Esse ponto de vista tem defensores, tanto de um lado, quanto de outro. Uma análise concreta, profunda, real deste “pacote” não está sendo feita porque há um contraditório. Uns dizem que o "pacote", como um todo, nada tem a oferecer; outros, no entanto, afirmam que o "pacote" é ótimo e há apenas algumas coisas a serem destacadas.” E quais são essas coisas a serem destacadas por nós da Oposição?

Queríamos, em primeiro lugar, que tivesse havido um debate e não pacotes e mais pacotes; queríamos que fossem feitas as reformas fiscal, tributária, agrária, administrativa, previdenciária, tudo com muita transparência. Todavia, temos de conviver com os “pacotões”, que é o que estamos fazendo.

Sr. Presidente, no entanto, não podemos aceitar as contradições colocadas. Ao mesmo tempo em que defendemos o destaque de alguns artigos desse “pacotão”, acabamos de votar matérias de interesse do Governo que ferem consideravelmente interesses dos que não querem o aumento dos tributos.

Ora, o que é a urgência na venda do patrimônio público? E as privatizações? De um lado, há os que não querem o aumento do Imposto de Renda; de outro lado, os que querem apressar as privatizações. E somos contra isso. Deveríamos impedi-las porque os recursos injetados pelo BNDES para as privatizações, neste momento, deveriam estar voltados para o desenvolvimento. Sequer sabermos a quem estão servindo esses recursos das privatizações, porque não estão servindo ao social, como desejado pelo Presidente da República.

Estamos convivendo com o desemprego. E o que traz esse “pacotão”? Mais desemprego, demissões em massa e, mais uma vez, paga o servidor público.

Nos Estados Unidos, só em Miami, encontrei 150 mil brasileiros que alegam falta de oportunidade em quadros técnicos. São pessoas formadas nas nossas universidades; uns fazendo mestrado, doutorado nos Estados Unidos e dizendo que não podem voltar porque não há oportunidades no Brasil.

Nosso País precisa avançar na área de Ciência e Tecnologia. Como dizer que temos excesso de quadros quando observamos, em vários segmentos do Poder Público, ausência de servidores de mão-de-obra qualificada.

Não podemos concordar com isso. E o “pacotão” suspende R$220 milhões em benefícios, em programas assistenciais, voltados para quem? Para a população carente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como podemos concordar com coisas dessa natureza? Há ou não há um contraditório entre o que se acabou de votar na Câmara em relação à reforma do Governo e as medidas que nós estamos analisando que fazem parte do pacote? Será que estamos vivendo uma grande farsa? Será que estamos pensando que conseguiremos enganar o povo, apesar do esforço do Presidente Fernando Henrique Cardoso para ter uma economia estável? E para isso, sabemos, é preciso injetar na economia R$13 bilhões. Será que há má vontade da Oposição para com o esforço que o Presidente da República tem feito? A Oposição não está entendendo? A Oposição não está acompanhando? É isto que diz o Presidente da República, mas nós sabemos que a classe média e a população mais pobre é que vão pagar a fatura desse “pacotão” que aí está. Ao mesmo tempo, estamos vendo os pequenos e médios empresários fecharem as suas portas e o Governo insistir em dizer que está tudo bem para a classe média, que o pobre está comendo mais, que diminuiu consideravelmente, no País, o índice de desemprego. Tudo isto nós estamos ouvindo.

Tenho visto muita propaganda de algumas das iniciativas do Governo, uma das quais é a educação. Concordo com todos os investimentos possíveis e imagináveis feitos na educação. Que se destinasse até 50% do PIB para a educação, neste País, e eu penso que concordaria. Mas acontece que temos mais propaganda do que investimento propriamente dito na área da educação. Então, hoje, o Governo precisa cortar gastos com publicidade, porque ela não corresponde à realidade.

O Governo precisa limitar as taxas de juros. Não é possível investir, não é possível sobreviver com essas altas taxas de juros.

Como sou uma pessoa da área social, tenho uma preocupação nessa área relacionada ao "pacote" do Governo. E gostaria de tecer aqui alguns comentários sobre pontos que me chamaram a atenção, até porque tive oportunidade de fazer leituras, como contribuição ao meu conhecimento, de diferentes visões deste momento da economia brasileira.

Fiz uma leitura muito profunda e interessada do livro da jornalista Viviane Forrester, "Horror Econômico". O importante é que a partir dessas leituras e do esforço que tenho feito para compreender a situação econômica, o que significa não ter inflação e também não ter superinflação neste País, dediquei-me a um ponto que considero importante comentar.

É que está em jogo, nesse processo, a questão do trabalho. E precisamos aprofundar essa discussão, porque está havendo uma mutação brutal da civilização, que está fazendo que haja a reflexão de que a era anterior está ultrapassada. Que a sociedade brasileira está criando novos problemas e que não estamos atentos a eles. Que nós os estamos tratando como velhos problemas da sociedade brasileira, uma sociedade que se firma, que tem um vínculo, uma sociedade onde temos o trabalho como base, E até dissemos: o trabalho dignifica o homem e a mulher, é nisto que se baseia a sociedade.

Acontece que estamos convivendo com um índice de desemprego muito grande. O que deveríamos estar discutindo então é a questão do trabalho ou a questão do desemprego? O que há de novo aí para ser discutido? O desemprego, cujo verdadeiro sentido é dar a nós, neste momento, um argumento para falar dos problemas brasileiros? No fundo, entretanto, está a questão do trabalho. E estamos vendo o trabalhador ser culpado de toda essa situação. É a miséria, é a existência de pessoas sem-teto, é a perda da consideração. Está tendo um drama de identidade o trabalhador brasileiro, os seus sentimentos são anulados, ele se sente culpado por chegar em casa de mãos vazias. Ele se sente envergonhado, porque tem saído atrás de trabalho e não consegue. E o Governo vai despedir 33 mil servidores. Ele se sente angustiado porque sai, fica em filas de madrugada, e não consegue arranjar trabalho. Ele chega em casa cabisbaixo e estamos dizendo que está tudo muito bem. Ora, isto é ou não é um drama? O trabalhador está se sentindo, ele próprio, falido, porque está se dando conta de que é o grande culpado, de que não soube traçar bem o seu destino.

É este o projeto social que temos? É assim que queremos ver os trabalhadores brasileiros? Essas reformas servem para que esses trabalhadores se sintam dignos, para que não se sintam responsáveis? Não. Verdadeiramente, o projeto econômico do Governo não corresponde à expectativa social brasileira.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senadora Benedita da Silva, estamos tendo a oportunidade, hoje, de ouvir, em seqüência, dois brilhantes pronunciamentos, o primeiro proferido pela Senadora Emilia Fernandes e o outro, por V. Exª. Ambos abordam o pacote do Governo, de forma diferente, mas se completam. Aproveito essa parte do pronunciamento de V. Exª para ressaltar a visão meramente tecnicista da equipe econômica do Governo. Os economistas tratam as estatísticas, fazem os cálculos esquecendo-se de que, por trás dos números, das estatísticas, estão pessoas, estão seres humanos que terão as suas vidas profundamente modificadas pelas alterações de índices, pelos cortes. Falam: “não, vamos cortar tantos por cento das obras assistenciais, vamos rever as LOAS, são duzentos milhões”. Duzentos milhões aqui, trezentos milhões ali e sempre com o raciocínio da média: “na média, vai-se arrecadar tanto; na média, vai-se aumentar tanto”. Isso me lembra a historinha de um economista - peço desculpas ao Senador Eduardo Suplicy, nosso Colega de Bancada, que é economista, mas que não se enquadra na história, porque S. Exª é um economista com visão social - que vai caçar e só tem duas balas na espingarda. Dá de cara com um leão; dá o primeiro tiro, que passa à esquerda do leão; dá o segundo, que passa à direita. Ele diz: “bom, na média matei o leão, e aí morreu satisfeito”! Infelizmente, essa é a visão que tem a nossa tão louvada equipe econômica. Muito obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, meu Líder, Senador José Eduardo Dutra, e quero dizer que V. Exª contribui para que eu também possa olhar a equipe econômica do Governo com a mesma desconfiança. Parece-me que estão atirando e, na média, colocando números que estamos vendo que não têm absolutamente nada a ver com o que está acontecendo.

As pesquisas dizem que o índice de emprego aumentou, quando, na verdade, está diminuindo, até mesmo por ação do Governo. Acontece que, Senador José Eduardo Dutra, V. Ex.ª, na sua - quero até considerar - parábola, sintetiza o que está ocorrendo.

Na média, realmente, há um aumento do índice de emprego, mas, na realidade, o desemprego está em primeiro lugar. O desempregado não é hoje mais um marginalizado, mas uma implosão, porque se trata de uma situação natural. Antes, não era assim: o desemprego era algo esporádico, achava-se um trabalho aqui, outro ali.

Hoje, ao contrário, o desemprego têm efeitos cruéis, sociais e econômicos, porque o trabalho desapareceu, essa é a realidade! Então, como vamos julgar essas vítimas do desaparecimento do trabalho com o mesmo critério de quando ele existia?

Houve uma mutação cruel na civilização. Se houve uma mudança, temos que mudar os nossos métodos. Não é a Oposição que deve, ideologicamente, abrir mão dessa questão do trabalho, dessa questão da classe e não pode também temer ser chamada de “dinossaura” ou “neoboba”, como queiram. Não tememos porque o que está em jogo é a questão do trabalho.

São os desempregados os primeiros a se considerarem incompatíveis com uma sociedade da qual são o produto mais natural, mas são levados a se considerar indignos dela. Não podemos deixar isso acontecer, porque é degradante. Não podemos deixar que eles se sintam fracassados, incapazes. Isso resulta numa marginalização impiedosa e passiva, porque eles se criticam por levar uma vida miserável. Isso tem efeitos, porque não há nada que enfraqueça e paralise mais que a vergonha; essa vergonha, por exemplo, que os servidores públicos estão sentindo por estar com os seus salários congelados; essa vergonha que estão sentindo os desempregados; essa vergonha que estão sentindo os assalariados deste País. Não há nada que enfraqueça mais um ser humano, repito.

Dessa forma, o que acontece? Parece que se faz leis sem encontrar oposição, porque há uma argumentação cotidiana de convencimento de que está tudo bem; e aí transgride-se a lei em vigor sem temor de protesto. É isso o que estamos vendo na televisão brasileira. "Não precisam protestar, o Real está dando certo!” Querem usar essas expressões eleitoralmente nesse momento. “Conseguiremos passar por essa crise, temos todas as condições de manter a economia estável neste País". Com isso, impedem qualquer resistência, impedem qualquer enfrentamento, afastam as pessoas de exigir uma tomada de posição política em relação ao que está acontecendo.

Diz muito bem a escritora Viviane Forrester: “A vergonha deveria ter cotação na Bolsa. Ela é um elemento importante do lucro em valor sólido”.

O que está colocado é altamente ideológico. Daí o interesse do poder em recorrer-lhe, em impô-la. E diz muito bem a escritora Viviane Forrester:

E o direito de viver dos trabalhadores? E o nosso direito de viver? É preciso merecer viver para ter esse direito? A resposta é: uma minoria privilegiada já detém o ofício desse direito; direito à vida, a passar pelo dever de trabalhar e de ser empregado.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Estou analisando e acompanhando atentamente o pronunciamento que V. Exª faz da tribuna esta manhã. V. Exª faz uma análise profunda das últimas medidas do Governo e conclui dizendo que o Governo procura usar o plano para, inclusive, em bases eleitorais, dizer que é intocável, que nada o atinge. Na verdade, Senadora, a nós outros, essa impressão também tem sido vendida, eu até diria; tem sido percebida. Inclusive, nas últimas semanas, quando começou a queda das Bolsas nos países asiáticos, li um dia, nos jornais, que, segundo o Ministro da Fazenda, os reflexos da Ásia não atingiriam o nosso País. Cerca de 48 horas depois, o próprio Presidente também dizia à imprensa que estamos cercados por uma muralha, que o Real está cercado por uma muralha. Em função de declarações do Ministro da Fazenda e do próprio Presidente da República, acredito que muita gente, movida por essa confiança, tenha apostado algumas economias na Bolsa; e qual não foi a surpresa quando caiu ainda mais, horas depois, motivo pelo qual veio esse pacote de 51 medidas. Mas o que quero dizer com isso, Senadora Benedita da Silva, é que não somos tão intocáveis, que o Brasil não é tão confiável, que estamos vivendo momentos em que, inclusive, os donos do Real, da economia brasileira não são tão infalíveis e precisamos ter um pouco de modéstia, precisamos ter uma conversa mais franca com os brasileiros e tentar vencer paulatinamente todos esses obstáculos. Esse pensamento de que somos impermeáveis e de que aqui não há problema configurou-se agora que não é verdade. Temos um pacote do qual se originou até uma convocação extraordinária para este fim de semana. Ficaremos todos confinados no Senado, na Câmara, numa demonstração de que estamos de atalaia, de que a coisa não vai bem, essa é que é a verdade. Pelo menos é a imagem que se está vendendo agora ao mundo. Então, parece-me que temos que ter cuidado com o que se diz, principalmente a área econômica, para não ocorrer esse grande fracasso.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ.) - Agradeço o aparte de V. Exª, que também incluirei no meu pronunciamento.

      V. Exª captou realmente o espírito daqueles que tiveram a coragem de acreditar no País, como bem pediu o Presidente. Os nossos Ministros estavam dizendo que podiam investir, e assim o fizeram. Mas a realidade é outra.

      Estou vendo a luz piscando, numa advertência da Mesa, mas digo que, regimentalmente, após a Ordem do Dia, o orador dispõe de um tempo maior para fazer o seu pronunciamento. Eu gostaria de lembrar que ainda não esgotou o meu tempo.

           A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) - A Mesa, diante do alerta de V. Exª, esclarece que, regimentalmente, podem ser utilizados até 50 minutos. Apenas queremos dizer que, daqui a pouco, serão 12 horas e que ainda há três ou quatro oradores inscritos. Se cada um falar por 50 minutos, a que horas terminará a sessão? E, neste final de semana, haverá trabalhos intensos.

      Era essa a consideração que eu gostaria de fazer. Mas a oradora tem assegurado o seu direito de fazer uso da palavra no tempo regimental.

      A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Srª Presidente, vou tentar concluir o meu pronunciamento, para colaborar com os meus Pares, como sempre tenho feito. Tenho falado no tempo regimental. Como deixei para fazer o meu pronunciamento neste momento, porque o mesmo era prolongado, eu gostaria de poder fazê-lo até o final, com todo o respeito aos demais Pares. Por isso, fiz a inscrição antecipadamente.

      Concluo, dizendo que não penso que seja lógico e normal cobrar do trabalhador aquilo que está faltando. Pergunto: é legal exigir do trabalhador ou do desempregado o que se tem exigido, na medida em que não existem empregos?

      Estamos assistindo à teimosia em se perpetuar um fiasco, um modelo apodrecido da sociedade brasileira. Esses modelos não se adequam à realidade atual à essa mutação que está existindo na civilização mundial.

      A ausência do trabalho causa preocupação. Não vejo um futuro maior para essas crianças que hoje estão no mercado de trabalho, quando deveriam estar na escola. Não vejo oportunidades para elas, na medida em que o tema trabalho não está sendo debatido com a mesma prioridade com que se tem debatido as privatizações e as reformas que o Governo pretende implementar.

      Não podemos, de forma alguma, considerar como únicos inimigos os trabalhadores, os partidos políticos, as instituições, os segmentos sociais que se contrapõem a uma política social injusta. Eles são, ou nós somos, o grande inimigo. Não podemos pedir que a sociedade seja a mesma. Não podemos aceitar que a aeromoça, quando o avião está caindo, diga: "fiquem todos calmos, puxem para si máscara, coloquem-na e depois faça o procedimento na pessoa que está ao seu lado”.

      Parece que estamos vivendo um momento cômico e sinistro. Há milhões de desempregados. A cada dia, a cada semana, a cada mês eles se oferecem, se humilham, andando de ônibus, de trem, a pé ou parando quando já não lhes resta força para caminhar.

      Chamo a atenção do meu Partido, o Partido dos Trabalhadores, do PSB, do PDT, do PPS, do PV, do PCdoB e de todos os que não desejam inculcar no público a imagem do seu fracasso para uma meditação: o ser humano está sendo considerado supérfluo, está-se tornando apenas clientela eleitoral. Todos os Partidos de centro, de esquerda e de direita devem eleger como prioridade o emprego, o trabalho. Estamos assistindo ao desemprego, não temos trabalho. Mas não podemos aceitar que o trabalhador sinta-se responsável por isso. Não podemos aceitar que ele seja usado eleitoralmente ou que não acredite nas eleições, votando nulo, votando em branco. Eles estão cansados das promessas, da exploração, da exclusão, da eliminação. Esta é a política que está proposta: lucro e riqueza.

      Lembro-me de um outro texto, agora não mais dessa escritora, mas bíblico: "Os pobres sempre estarão entre vós". Mas há os que interpretam esse versículo de outra maneira. O sentido desse trecho é exatamente chamar a atenção dos ricos para o fato de que os pobres devem ser protegidos pelos ricos. Eles falam: "Ai dos pobres se não houvesse os ricos! Como é que eles poderiam viver”? Mas, eu digo: ai dos ricos, se não houvesse os pobres! Aí aparece aquela história: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Proletariado, capitalismo, classes, tudo são argumentos arcaicos em desuso.

“O Muro de Berlim caiu. Acorda”! É o que estão a dizer a todo o momento aqueles que implantaram a política econômica no Brasil. Mas a liberdade, o mercado livre, não. Nesse assunto se pode tocar. Sobre este assunto se deve falar, porque ele é extremamente importante.

Como podemos abandonar o vocábulo, instrumento do pensamento, só porque houve quem o usasse autoritariamente? Por isso, chamo a atenção da Oposição no sentido de que não podemos abrir mão, de modo algum, de vocábulos que são instrumento do pensamento, só porque o usaram autoritariamente,.em algum momento, e dizer que acabou o socialismo, as nossas ideologias e dizer que o Muro de Berlim caiu e aceitamos que o chamado mercado livre aí esteja para escravizar, cada vez mais, o pobre e miserável trabalhador. Nenhuma luta ou lógica que se confronte com o mercado deve existir.

Que tal refletirmos acerca do rico e do mendigo? Existiu um homem pobre, um mendigo, que tinha suas feridas lambidas pelos cachorros. Certo dia, ele morre. Passado um tempo, esse homem pobre encontra-se com um homem rico, que nunca havido olhado para ele. Em meio a um grande sofrimento, a um calor intenso, o homem rico pede ao pobre para molhar o dedo com sua saliva e que o tocasse, porque ali ele ardia sob o calor daquelas chamas. Disseram-lhe que isso seria impossível. E ele disse: Como é impossível? Porque a esse homem, o pobre, nada foi dado; e a ti, tudo foi dado. O que tiveste que receber como herança e fortuna, recebeu. Portanto, agora não há mais condições de que os que estão aqui passem para o seu lado e os que estão do seu lado passem para cá.

Esta é uma parábola? Não, trata-se de um feito bíblico do diálogo de Lázaro com um homem rico.

Espero que isso não aconteça na sociedade brasileira e que tenhamos tempo ainda de poder tirar do mais rico aquilo que ele tem para dividir com o pobre sem que isso fique apenas no campo da ideologia, mas que seja uma sociedade fraterna, justa e solidária.

Peço minhas escusas à Srª Presidente e concluo o meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/1997 - Página 25571