Discurso no Senado Federal

REFERENCIAS AO LIVRO DO PROFESSOR SADI DAL-ROSSO, INTITULADO AS CONDIÇÕES DE EMPREGO DO MENOR TRABALHADOR, ELABORADO EM 1985. PREOCUPANTE CRESCIMENTO DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL, CONFORME DADOS DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT, IBGE E UNICEF, PRINCIPALMENTE NAS ATIVIDADES DE PROSTITUIÇÃO E TRAFICO DE DROGAS. ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO, EDIÇÃO DE 19 DE NOVEMBRO ULTIMO, SOBRE MENORES QUE ATUAM CADA VEZ MAIS COMO TRAFICANTES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LANÇAMENTO, NO DIA 20 DE NOVEMBRO DO ANO PASSADO, DA MARCHA GLOBAL CONTRA O TRABALHO INFANTIL, SUAS ESTRATEGIAS E ESFORÇOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFERENCIAS AO LIVRO DO PROFESSOR SADI DAL-ROSSO, INTITULADO AS CONDIÇÕES DE EMPREGO DO MENOR TRABALHADOR, ELABORADO EM 1985. PREOCUPANTE CRESCIMENTO DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL, CONFORME DADOS DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT, IBGE E UNICEF, PRINCIPALMENTE NAS ATIVIDADES DE PROSTITUIÇÃO E TRAFICO DE DROGAS. ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO, EDIÇÃO DE 19 DE NOVEMBRO ULTIMO, SOBRE MENORES QUE ATUAM CADA VEZ MAIS COMO TRAFICANTES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LANÇAMENTO, NO DIA 20 DE NOVEMBRO DO ANO PASSADO, DA MARCHA GLOBAL CONTRA O TRABALHO INFANTIL, SUAS ESTRATEGIAS E ESFORÇOS.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/1997 - Página 25697
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, SADI DAL-ROSSO, PROFESSOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, APREENSÃO, AUMENTO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, ATUAÇÃO, TRAFICO, DROGA, INFANCIA.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, TRABALHO, CRIANÇA, BRASIL, REDUÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO.
  • BALANÇO, ATUAÇÃO, MARCHA, OPOSIÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • CRITICA, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, POLITICA SOCIAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªas e Srs. Senadores, “as ruas de nossas cidades, as fábricas, os escritórios e os campos deixam transparecer a dura realidade que atinge os trabalhadores menores de idade em nosso País. São milhões de crianças e adolescentes que atualizam em sua própria carne a maldição bíblica do “comerás o pão com o suor do teu rosto”.

Com essas palavras, o professor Sadi Dal-Rosso, da Universidade de Brasília, inicia seu livro “As Condições de Emprego do Menor Trabalhador”, elaborado há 12 anos, em 1985, quando a questão ainda não despertava a atenção e o interesse de hoje. Foi em 1986, durante a Constituinte, que introduzimos um debate mais aprofundado em torno da questão. Pioneiro na análise do trabalho de crianças e jovens, este livro é um verdadeiro tratado sobre a exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes no mundo contemporâneo.

O trabalho infantil é um fenômeno em expansão que rouba a possibilidade de meninos e meninas sonharem e serem crianças.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, cerca de 250 milhões de crianças, com idade entre 5 e 14 anos, trabalham. Dessas crianças trabalhadoras, cerca de 153 milhões estão na Ásia, 80 milhões na África e 17,5 milhões na América Latina. Crianças estão sendo usadas em trabalho escravo e na prostituição, sendo que na Ásia pelo menos um milhão de crianças são exploradas na prostituição.

No Brasil, de norte a sul, na cidade ou no campo, existem crianças e adolescentes trabalhando em atividades perigosas, insalubres, com sérios riscos para sua saúde e seu desenvolvimento. Nas ocupações urbanas, é marcante a presença de crianças na economia formal e informal e até na chamada economia clandestina (tráfico de drogas, prostituição e mendicância).

Gostaria, aqui, de abrir um parêntese para comentar matéria publicada em O Globo de quarta-feira passada, 19 de novembro, sobre menores que atuam cada vez mais como traficantes. A política governamental não está levando em conta o número de crianças e adolescentes que estão trabalhando com drogas. Os dados apresentados dizem respeito apenas ao Estado do Rio de Janeiro.

    “No início da década de 90, dos menores que cometiam infração apenas 7,63% estavam envolvidos com tóxicos. A maioria dos infratores - 77% - cometia crimes contra o patrimônio (roubo, furto, latrocínio e dano).

    No ano passado, o índice de jovens em atividade no tráfico de drogas chegou a 42,25%. O quadro se agravou. No primeiro trimestre deste ano, o envolvimento com drogas estava à frente na estatística, com um percentual médio de 48,98%.

    No ano passado, 3.318 menores infratores passaram pelo juizado. A expectativa para este ano é pior (...) chegará à casa dos quatro mil. Ao analisar os números, outro dado cruel aparece: 83,26% dos menores infratores estão nessa faixa etária de 15 a 17 anos (...) O nível de escolaridade também está baixando a cada ano. Em março, por exemplo, dos 387 infratores atendidos, apenas 14 completaram o Primeiro Grau. Chegar ao Segundo Grau também é uma vitória para poucos: do total de infratores de março, apenas 21 estavam nessa etapa (...) Outro dado preocupante é o analfabetismo. Em 1992, dos menores atendidos, 28,59% eram analfabetos. No primeiro trimestre deste ano, o índice já estava em 34,11%.”

           Abri esse parêntese para falar a respeito da mutação existente na sociedade brasileira e em suas relações de trabalho. Essas crianças que cometiam os chamados pequenos furtos, para comer e não apenas por serem viciadas, por serem pobres, tornaram-se cada vez mais carentes de recursos, na medida em que existe um crescimento do custo de vida para essa população e fizeram do tráfico, tendo em vista a sua sofisticação no País, um espaço de emprego. Essa mão-de-obra está sendo absorvida sem que estejamos atentos.

Destaco o fato de que os menores infratores estão na faixa etária de 15 a 17 anos, falta-lhes oportunidade para reintegração, o que os leva a buscar e encontrar apoio na marginalidade.

A proposta mais avançada de adequação é a criminalização, ou seja, baixa-se a faixa etária para criminalizá-los, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente já não os comporta. Não temos uma saída eficaz para evitar que esses meninos cheguem a tal grau de delinqüência, a esse envolvimento, que é um dos mais cruéis que se pode conhecer. A reintegração é muito mais difícil na medida em que se tornam viciados gradativamente, apesar de trabalharem. É uma questão para a qual não damos prioridade. É necessário o combate eficaz ao narcotráfico e uma política preventiva para que não transformemos esse grupo marginalizado da sociedade em uma fábrica de marginais.

O que estamos vendo no Brasil, de norte a sul, na cidade ou no campo, são crianças e adolescentes em atividades que considero extremamente perigosas.

O resultado de um levantamento realizado pelo IBGE e pelo Unicef, divulgado na semana passada pelos jornais O Globo e O Jornal do Brasil, revela que o uso da mão-de-obra infantil continua sendo uma questão preocupante.

Nada menos de 4,6 milhões de crianças e adolescentes brasileiros se dividem entre a escola e o trabalho. Os avanços na educação detectados pelo IBGE não se repetem quando o assunto é trabalho infantil. É também um País em que 3,2% dos brasileiros entre cinco e nove anos estão no mercado de trabalho. A situação mais dramática é a do Maranhão, com um índice de 6,9% contra apenas 0,5% no Rio e em São Paulo.

O quadro é grave na faixa de dez a 14 anos: 4,1% só trabalham. O percentual dos que estudam e trabalham sobe para 13%. Entre os 15 e 17 anos a situação é bem mais crítica. Nada menos do que 19,6% deles só estudam e 22,9% estudam e trabalham.

E muitos desses jovens são submetidos à jornada de trabalho estafante: cerca de 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalhavam (ou trabalham) 40 horas ou mais durante a semana em 1995. Desse total, 2 milhões não estudam e ainda existe mais de um milhão de crianças e adolescentes em todo o País procurando trabalho.

As principais causas do trabalho infantil são: concentração de renda, baixos salários, altos índices de desemprego, miséria e ausência de políticas públicas para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho, embora não ratificada pelo Brasil, proíbem o trabalho de menores de 14 anos.

Diante dessa realidade, foi lançada no Brasil, no dia 20 de novembro do ano passado, a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil. Nesse dia, tivemos a oportunidade de instalar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa da Criança e do Adolescente, com representantes governamentais, de centrais sindicais e da sociedade civil, que, reunidos ali, num esforço mundial de mobilização para proteger e promover os direitos de todas as crianças, primordialmente o direito de receber educação gratuita e de qualidade e de viver livre de exploração econômica, bem como da realização de qualquer trabalho que possa ser danoso ao seu desenvolvimento físico, espiritual, mental, moral ou social.

Iniciada em agosto deste ano, com mobilizações em países dos cinco Continentes, a Marcha Global chegará a Genebra, na Suíça, em 05 de junho de 1998, quando representantes de governos, trabalhadores e empresários estarão reunidos na Assembléia Geral da OIT, onde também elaborarão uma nova Convenção Internacional sobre o trabalho infantil.

A Marcha Global contra o Trabalho Infantil surgiu a partir de um encontro de vinte e sete entidades da sociedade civil das Américas, Europa, Ásia e África, em Haia, na Holanda, nos dias 22 e 23 de fevereiro de 1997, e objetiva conceber e estruturar um movimento global de sensibilização e mobilização da sociedade para o tema "trabalho infantil".

O principal objetivo da Marcha Global é impedir a convivência natural da criança com o trabalho danoso ao seu desenvolvimento físico, espiritual, mental, moral e social criança.

Objetiva ainda reunir conhecimentos sobre o trabalho infantil e suas causas, enfatizando o trabalho infantil feminino, as formas menos visíveis de trabalho, como o trabalho doméstico, familiar e agrícola; pressionar os países a ratificar as convenções existentes acerca do trabalho infantil e direitos da criança, bem como fortalecer e implementar as leis nacionais sobre o trabalho infantil e educação obrigatória; incrementar a alocação de recursos nacionais e internacionais para a educação elementar e desenvolver estratégias para colocar trabalhadores infantil em escolas.

Neste momento, abro novamente espaço para acrescentar que lamentamos os cortes do Orçamento da União para a área social. Sabemos que a lei que aprovamos dá condição de maiores implementos para que sejam feitas campanhas e discursos. Observando o Orçamento, constatamos que os cortes, os ajustes necessários para o processo de estabilização desse mercado econômico estão exatamente no custo social. Desses recursos está sendo tirada a garantia para acalmar o mercado.

É preciso uma estratégia de sensibilização dos governos, assim como compromissos políticos. Principalmente quando estamos tratando do Mercosul, é fundamental que essas situações sejam colocadas e que a marcha não sirva, pura e simplesmente, para chamar a atenção do País.

Essa estratégia é extremamente importante porque tem propostas unificadas, a nível mundial, para enfrentar o problema do trabalho, tendo duas dimensões básicas de ações concretas:

1) sensibilização da sociedade - empresário, sociedade civil e governantes - e da categoria empresarial sobre a questão, consolidando uma nova visão de criança e do adolescente como sujeitos de direitos, que devem ser respeitados como pessoas em desenvolvimento;

2) o enfrentamento com vontade política, por parte do Poder Público. Nesse setor, estamos encontrando grande resistência, porque o Brasil, além de outros dentro da América Latina e fora dela, não tem cumprido totalmente com os acordos, apesar de ter espírito de solidariedade. Mas esse sentimento não se expressa concretamente na medida em há acordos assinados que não são cumpridos ou são protelados.

No momento da discussão do trabalho infantil, não temos a coragem política de colocar que só estamos participando dos acordos e discutindo o tema, pois em nosso País não temos dado a devida atenção ao trabalhador adulto. Por isso, aceitamos naturalmente o debate e a discussão em relação ao trabalho infantil, o que nos envergonha de uma certa forma porque precisamos fortalecer a família, seja ela constituída de pai ou mãe, quer com algum parente. Essas crianças precisam estar trabalhando e não têm como conciliar trabalho e estudo, por isso há aqueles que nunca chegarão a ser alfabetizados.

O documento da Marcha “Princípios Norteadores e Metas” destaca que “a questão do trabalho infantil está na agenda política da sociedade brasileira. Se considerarmos que a década de 80, apesar de legalmente proibido, esta situação era tolerada, hoje temos uma mudança de postura e de estratégias que buscam a eliminação do trabalho infantil.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/1997 - Página 25697