Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIVERSOS ASPECTOS RELACIONADOS A VIOLENCIA CONTRA O SEXO FEMININO, A PROPOSITO DO 'DIA INTERNACIONAL DA NÃO- VIOLENCIA CONTRA A MULHER'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIVERSOS ASPECTOS RELACIONADOS A VIOLENCIA CONTRA O SEXO FEMININO, A PROPOSITO DO 'DIA INTERNACIONAL DA NÃO- VIOLENCIA CONTRA A MULHER'.
Aparteantes
Emília Fernandes.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1997 - Página 25882
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, OPOSIÇÃO, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, DEFESA, REESTRUTURAÇÃO, SOCIEDADE, EDUCAÇÃO, COMBATE, PROBLEMA.
  • ANALISE, ESTATISTICA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, PREJUIZO, SAUDE, SUPERIORIDADE, OCORRENCIA, AMBITO, RESIDENCIA.

           A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Senador Francelino Pereira, que me cedeu o seu lugar na lista de oradores.

           Hoje é o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher e não poderia deixar de me manifestar desta tribuna.

           “Mais que o corpo, a violência machuca a alma, destrói os sonhos e acaba com a dignidade da mulher...”

           A violência contra a mulher é uma das faces mais terríveis da nossa sociedade. “É um problema social, enraizado na sociedade brasileira por sua própria natureza patriarcal, e não uma questão privada. Modificar essa situação, longe de ser um ´caso de polícia`, depende de medidas que promovam modificações sociais profundas. Para que isso ocorra, é certo que precisam ser revistas as estruturas de poder, reordenada a educação das crianças para que as formas opressivas que assumem os papéis sociais “mulher” e “homem” não se perpetuem. A violência de gênero não se limita à violência física nem aos ilícitos penais. É preciso ensinar às mulheres que muitas vezes são vítimas sem sequer saber, pois aceitaram a violência como fato normal em suas vidas. Os homens também devem ser conscientizados de que não é possível continuar a tratar a mulher como coisa, objeto de exercício de direitos da propriedade." (Relatório da CPI que analisou as causas da violência contra a mulher, em 1993, na Câmara dos Deputados.)

           A violência contra a mulher precisa deixar de ser vista como “crime menor”. É certo que, diante de ter que escolher entre perseguir um ladrão ou um marido violento, o policial optará, com certeza, pelo ladrão, já que a violência doméstica é considerada “menos importante”.

           Essa violência está presente em todas as classes e faixas etárias, acabando-se com o mito de que a "mulher que apanha é pobre", pois a opressão não se incomoda com classe econômica. Porém, a mulher de poder aquisitivo menor demora mais a denunciar a violência e só busca auxílio depois de ser vítima por várias vezes. Isso porque as mulheres de classes mais abastadas são também mais informadas sobre seus direitos. Daí a importância das campanhas de esclarecimento e informação da opinião pública sobre a violência de gênero e violência doméstica.

           A erradicação de todas as formas de violência contra a mulher constitui uma das áreas de especial atenção da Plataforma de Ação, aprovada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU em 1995, da qual o Brasil é um dos países signatários.

           A violência de gênero apresenta um quadro estarrecedor. No Brasil, a cada 4 minutos, a polícia registra uma agressão física contra uma mulher. E ocorre, predominantemente, no espaço doméstico. Dentre as vítimas de agressão por parentes, as mulheres representam 65,8%.

           Levando em consideração que, por muitos séculos, as mulheres têm sido subordinadas aos homens, as manifestações de violência que acompanham as mulheres por toda vida sempre foram consideradas normais. Essas manifestações não escolhem lugar: ocorrem tanto nos espaços institucionais privados, como nos espaços públicos. Mas o referencial da violência contra a mulher é o âmbito doméstico, gerando problemas físicos, morais e psicológicos, gerando consequências nefastas para todos os membros da família.

           Embora através dos tempos se tenha afirmado sempre o contrário, as mulheres chegaram aos dias de hoje com a certeza de que a violência é a pior forma de discriminação. Ninguém gosta de empurrões, xingamentos, tapas, facadas e tiros. Ninguém gosta de ser importunado e muito menos de sofrer estupro. Ninguém gosta de ameaças e agressões que humilham e causam tantos sofrimentos à mulher.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a ocorrência da violência doméstica contra a mulher é três vezes maior do que contra o homem (32% para 10%), e 63% das agressões físicas contra mulheres acontecem em suas próprias residências.

As mulheres que mais sofrem agressões têm idade entre 18 e 29 anos (43,6%), e 30 e 49 anos (38,4%). A Delegacia Especializada no Atendimento da Mulher (DEAM) do Distrito Federal registrou, só este ano, 1997, quatro mil casos de violência doméstica, o que corresponde a um percentual de 70% do total das queixas recebidas. Em São Paulo, a Delegacia de Defesa da Mulher registrou, este ano, mais de 25 mil casos só de lesão corporal. A invisibilidade social da violência doméstica é fruto de crenças como a de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, que apenas legitimam condutas violentas.

Além da violência física, as mulheres sofrem outros tipos de violência, que não são imediatamente visíveis. Dados da Organização das Nações Unidas sobre as mulheres, relativos ao trabalho, educação, renda, propriedade e condição social, revelam que:

·      as mulheres representam 70% dos pobres do mundo;

·      dois terços dos analfabetos do mundo são mulheres;

·     as mulheres constituem, atualmente, 34% dos trabalhadores em todo o mundo. No entanto, seu salário é 40% inferior àqueles que homens recebem por um trabalho semelhante;

·     um terço das famílias, em todo o mundo, está sob a responsabilidade das mulheres. Entretanto, elas detêm apenas 5% da renda mundial e menos de 1% de suas propriedades.

Milhares de mulheres vivem o drama da violência, que só acabará quando for rompida a barreira do silêncio, do medo, da vergonha e da impunidade. O silêncio diante da violência é uma arma contra a mulher. Não podemos desconhecer que essa violência é um crime. Romper com o medo, a vergonha e exigir a punição da violência é a atitude mais digna. As vítimas de violência devem buscar ajuda e denunciar seus agressores. É o único caminho capaz de romper o ciclo da violência e pôr fim a tantos sofrimentos. Só assim cairão as tristes estatísticas da violência contra a mulher.

A violência contra a mulher é um problema de saúde. Apesar da violência de gênero ser causa significativa da mortalidade feminina, apenas ultimamente passou a ser considerada tema de saúde pública, gerando estudos e estratégias de prevenção.

Estimativas recentes do Banco Mundial sobre os prejuízos causados por doenças associadas à violência de gênero dizem que essa violência é a responsável por um em cada cinco dias de vida saudáveis perdidos pelas mulheres em idade produtiva.

Essas estimativas carecem de estudos e investigações que as fundamentem melhor e de maior sensibilização e interesse dos serviços de saúde para superar os sub-registros que prevalecem, porque os profissionais de saúde, dentre outros motivos, consideram a violência assunto da vida privada, na qual não devem imiscuir-se. (Maria Cecília de Souza Minayo, em Violência contra a Mulher já É Problema de Saúde Pública).

A violência de gênero vem sendo caracterizada como uma questão que repercute nas condições de saúde das mulheres, estando associada a maiores índices de suicídio, abuso de drogas e álcool, distúrbios gastrointestinais e sofrimento psíquico em geral. Durante a gestação, a violência doméstica também é constatada, provocando diversos danos à saúde da mulher e da criança.

Vários estudos mostram que cerca de 25% das mortes de mulheres em idade fértil estão associadas à violência, sendo que mais de 60% delas são cometidas pelos seus companheiros.

Estudos classificam a violência contra a mulher em maus tratos físicos, sexuais e psicológicos.

As agressões físicas apresentam-se através de golpes de diversas intensidades: com as mãos, com instrumentos ou armas; queimaduras; tentativas de enforcamento, de sufocação e outros.

A violência sexual, que busca o domínio do corpo e da vontade das pessoas, manifesta-se pelo abuso, violentação, assédio e estupro. O abuso sexual infantil também é definido como violência doméstica, já que é cometido, na sua maioria, por parentes próximos à criança, e tem maior incidência sobre as meninas.

A violência psicológica manifesta-se através de ofensas, humilhações, chantagens, ameaças do tipo econômico e emocional e pelo controle do que as mulheres dizem ou do que fazem.

As conseqüências da violência de gênero para a saúde das mulheres, no âmbito da saúde física, são: doenças sexualmente transmissíveis; lesões de maior ou menor gravidade; inflamações pélvicas; gravidez indesejada; aborto espontâneo; dores pélvicas crônicas; dores de cabeça persistentes; problemas ginecológicos; abuso de álcool e drogas, asma; síndrome de irritação intestinal; traumas e lesões incapacitantes; e comportamentos prejudiciais à saúde, como o sexo sem proteção.

Para a saúde mental, as conseqüências são freqüentemente imprevisíveis e sutis, mas muitas delas podem ser detectadas sob as formas de estresse pós-traumático, depressões, ansiedades, disfunções sexuais, distúrbios alimentares, desordens de personalidade e expressões de caráter obsessivo compulsivo.

Diversos estudos estabelecem que o principal mal-estar que afeta a saúde das mulheres é a depressão.

Estatísticas apontam para as conseqüências que trazem para a saúde mental das mulheres haver sofrido ou sofrer alguma forma de violência. Essa situação se evidencia através de vários sintomas: estresse pós-traumático; depressão; ansiedade; disfunções sexuais, desordens alimentares, etc.

As mulheres fazem uso intenso dos serviços de saúde. Apesar disso, a violência nas relações de gênero não é contabilizada nos diagnósticos realizados, não aparecendo como tal nos registros médicos.

A violência estende-se aos filhos. A prática da violência doméstica é fruto de uma ideologia milenar e patriarcal, firmada na superioridade do homem e de seu convencimento de que a mulher e os filhos são propriedade sua, devendo-lhe obediência e cumprimento das ordens impostas.

Estima-se que ocorrem no Brasil cerca de cinco mil estupros por ano, sendo que mais da metade desses crimes são cometidos pelos parceiros dentro das casas das vítimas. Está aí, também, a origem dos casos de incesto e abuso sexual de crianças e adolescentes no Brasil, praticados pelo próprio pai.

Pesquisas publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo e pelos Cadernos do Centro de Estudos e Ação Social - CEAS demonstram que: mais de 70% dos crimes denunciados de violência contra mulheres ocorriam dentro de casa.

           É preciso ensinar às mulheres, crianças e idosos que a violência não pode ser um fato normal em suas vidas. A intimidação é uma das mais fortes e prevalece no seio familiar.

Projeto de lei de minha autoria, se aprovado, certamente será um passo importante para a superação das relações patriarcais de dominação.

Antes de concluir, eu gostaria de citar aqui alguns mitos e fatos, verdades e mentiras sobre a violência doméstica.

Milhares de mulheres vivem o drama da violência física, psicológica ou sexual. Isso só vai acabar quando for rompida a barreira do medo, vergonha e da crença na impunidade.

Existem os mitos, falsas crenças que a maioria das pessoas têm em relação ao tema e afirmações que somente ajudam a perpetuar o problema e não a solucioná-lo.

Mentira 1: "Mulher nasceu para sofrer".

Verdade 1: Mulher nasceu para ser feliz, amada e respeitada, como todos os seres humanos.

Mentira 2: "O homem manda, a mulher obedece".

Verdade 2: Mulher não quer mandar nem ser mandada. Quer pensar junto, decidir junto e ser feliz junto com seu companheiro, como todos os seres humanos.

Mentira 3: “Mulher gosta de apanhar”.

Verdade 3: Mulher gosta de ser tratada com afeição, amizade e companheirismo, como todos os seres humanos.

Mentira 4: “As crianças desconhecem o clima de violência em que vive o casal“.

Verdade 4: As crianças não só têm conhecimento como convivem com a violência, sendo elas próprias vítimas das agressões.

Mentira 5: “A violência doméstica atinge apenas pessoas das classes sociais mais baixas”.

Verdade 5: A violência de gênero atinge todas as classes sociais.

Mentira 6: “O álcool é a causa da violência doméstica”.

Verdade 6: Por si só, o álcool é responsável por vários tipos de violência doméstica, entre elas a violência de gênero. Mas não podemos atribuir somente ao álcool a causa da violência doméstica.

Mentira 7: “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”.

Verdade 7: A invisibilidade social para a violência doméstica é fruto de crenças como estas, que apenas legitimam as condutas violentas.

Mentira 8: “A mulher que apanha é a mulher pobre”.

Verdade 8: A violência contra a mulher está presente em todas as classes e faixas etárias, pois a violência não se incomoda com classe econômica. A violência é sofisticada.

No momento, estamos assistindo, das mais altas cortes até mesmo às favelas, mulheres comparecendo às delegacias para registrarem suas queixas.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PDT-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo um aparte a V. Exª, Senadora Emilia Fernandes.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PDT-RS) - Nobre Senadora Benedita da Silva, desnecessário seria fazermos um aparte. Cheguei a este plenário e V. Exª. já estava manifestando-se em relação à questão do gênero, salientando as dificuldades, as discriminações que a mulher ainda sofre, os avanços, os espaços que estamos conquistando, as verdades e mentiras que todos os dias são mostradas e, muitas vezes, até alimentadas dentro das nossas casas, nos nossos locais de trabalho, nas escolas, enfim. Então, não caberia neste momento acrescentar nada ao que disse V. Exª. Quero apenas cumprimentá-la pelo seu pronunciamento e dizer do meu reconhecimento ao seu trabalho, à sua luta, ao seu espaço conquistado, dentro desse mundo profundamente injusto contra a mulher, contra a mulher negra, contra a mulher pobre, enfim. Não vou entrar em detalhes, porque V. Exª. já está fazendo considerações muito corretas, com dados e evidências que demonstram as dificuldades do problema. Sem dúvida, a sua presença nesta Casa significa a luta incessante de todas as mulheres que, muitas vezes, vivendo de forma anônima, conseguem, com determinação, mudar a sua história. Essa nossa luta é importante na direção de sensibilizar mais as pessoas, as famílias, a educação, os nossos governantes. Não é nenhum favor que fazem às mulheres, mas é a conquista de dividir responsabilidades e somar esforços que deve ser reconhecida. Então, meus cumprimentos e a certeza de que, junto conosco, muitos homens certamente também estão nessa caminhada. Esse é o nosso sentimento de esperança e de expectativa de que as coisas mudem. Muito obrigada.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT/RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª., Senadora Emilia Fernandes. Sei que V. Exª. também é uma das nossas grandes lideranças em defesa do direito das mulheres.

Hoje é o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, e estamos envolvidas nessa campanha contra a violência existente no mundo feminino. É importante estar nesta tribuna neste momento, quando discutimos o Código Civil, que deu um tratamento de muita sensibilidade à questão da família. Devemos considerar, nesse novo Código, o quanto historicamente a mulher tem sido violentada na estrutura doméstica, no seu trabalho e fora do lar.

Esse tema deveria ser abordado não apenas por nós, mulheres; é preciso que os nossos Pares, com o seu conhecimento e sensibilidade, se unam a nós nessa grande campanha.

Peço que o meu discurso conste na íntegra, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1997 - Página 25882