Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO DR. MARIO MOACYR PORTO, EX-DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAIBA.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO DR. MARIO MOACYR PORTO, EX-DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAIBA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/1997 - Página 26191
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIO MOACYR PORTO, DESEMBARGADOR, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DA PARAIBA (PB).

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faleceu em João Pessoa, há poucos dias, um dos luminares da ciência jurídica deste País, Mário Moacir Porto. Promotor de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, transferiu-se posteriormente para a Paraíba, onde prosseguiu as suas atividades no Ministério Público como Promotor de Piancó, sendo depois removido para a Comarca de Sousa, em 1935.

Em 1938, iniciou sua carreira de magistrado como Juiz de Direito de Cajazeiras, sendo o primeiro titular concursado daquela Comarca, onde demorou pouco tempo, removido que foi, a pedido, para Patos e, mais adiante, para Bananeiras.

Foi promovido para a 3ª Vara de Campina Grande e, posteriormente, para a 1ª Vara da Capital; depois, foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça em 2 de outubro de 1958. Esteve na Presidência do Tribunal no período de 1958 a 1962, quando se aposentou, após ser reeleito Presidente daquela Corte de Justiça.

Fez, assim, uma carreira rápida e brilhante na magistratura. Para se ter uma idéia dos seus reconhecidos pendores literários, transcrevo alguns trechos do discurso que pronunciou ao ser empossado na Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba:

     "Alfredo de Vigny dizia que nada mais belo na existência de um homem que a concretização, na idade madura, de um sonho da mocidade. Quiseram os fados, através da generosa deliberação dos meus pares, que esse prêmio me viesse antes que se extinguisse a minha fainosa carreira de magistrado.

     Para mim, para todo aquele que se dedicou de corpo e alma à judicatura e que serviu à toga com o desvelo e o amor de quem cultua uma religião, a investidura na Presidência do Tribunal de Justiça é algo que não se confunde com a simples posse de um munus público. Não é cargo que se tome nas mãos, mas coroa que se cinge à cabeça; não é honraria que incense à vaidade, mas galardão que consagra uma vida; não é prêmio que compense canceiras, mas ideal que floriu na hora undécima das nossas aspirações."

E mais adiante:

     "E nenhuma atividade proporciona ao homem tão amplas possibilidades de realizar-se do que a magistratura, e nenhuma época ofereceu ao magistrado tão sedutoras oportunidades de servir do que a atual. O juiz é um algodão entre dois vidros. Mas a sua sobre-humana missão não se cifra em conjurar ou amortecer os choques de interesses conflitantes. Quando o mundo estala pelas costuras, como acontece com o mundo dos nossos dias, o poder de orientar, intervir e dirigir da magistratura, longe de extravasar dos modelos de sua disciplina, é uma inevitável imposição do interesse público.

     Nas épocas de crise, para o magistrado como para todo homem, a virtude está nos extremos. O meio termo, quando urge uma definição de princípios sobre ser uma deserção, é uma incoerência. Quem se quedar perplexo entre as correntes bipolares da civilização contemporânea, arrisca-se a morrer de fome e de sede, como sucedeu com o vacilante Buridan.

     Não falta quem apregoe que o Direito é um epifenômeno, que não tem meios de subsistência em um mundo dominado por uma técnica materialista e iconoclasta, e que nós, magistrados, constituímos troço remanescente de uma ordem superada. Mas esqueceram as Cassandras desse melancólico vaticínio que o Direito é necessário metrônomo do andamento social e indispensável disciplina das relações humanas. Não morre quando se desfiguram ou estiolam os valores que lhe fornecem o lastro de sua função diretiva, pois a regra jurídica, para ser válida, não se fossiliza no sebastianismo das fórmulas caducas, mas, ao contrário, se transfigura e se revigora no contato das forças renovadoras da vida social".

E afinal:

     "Com o tempo, com a experiência que adquiri no diuturno contato com as lutas e querelas entre os homens, vim a capacitar-me de que a norma não exaure o Direito e que, muitas vezes, há uma inconciliável contradição entre a correta aplicação da Lei e a real distribuição da Justiça; entre o que é certo em face da lógica formal e o que é verdadeiro à luz dos reclamos da eqüidade. Mas a cisão entre o fato e o texto não cava um abismo entre o magistrado e a Justiça, e quanto mais cresce, no mundo contemporâneo, a impiedade e a iniqüidade entre os homens, mais avulta, na consciência do intérprete, a magnitude e a excelência, só o Direito , que não é um regulamento dos justos, mas uma disciplina de pecadores".

Vê-se, assim, Sr. Presidente, que Mário Moacir Porto era um jurista de pensamento avançado e progressista, que tudo fazia no sentido de adequar os julgamentos dos magistrados aos fatos que compõem o dia a dia da nossa vida econômica, política, social e cultural.

Integrou a Academia Paraibana de Letras e da Academia de Letras do Rio Grande do Norte, como prêmio a sua reconhecida vocação literária. Publicou vários artigos e livros, destacando-se, entre eles, a Ação de Responsabilidade Civil.

Exerceu ainda o cargo de Reitor da Universidade Federal da Paraíba e foi professor de Direito da Faculdade de Direito da Paraíba.

Residiu muito tempo no Rio Grande do Norte, onde desempenhou atividades empresariais, particularmente voltadas para a exploração de minérios. Voltou à Paraíba, seu berço natal, numa espécie de chamamento telúrico nos anos finais de sua vida. Era casado com a Srª Giselda Salustino Porto, filha do Desembargador Tomaz Salustino Gomes de Melo e de Tereza Bezerra de Araújo Melo.

Defensor intransigente do desenvolvimento regional, Mário Moacir Porto não se conformava com o abandono a que era relegado o Nordeste, acentuando, enfaticamente:

     "O Nordeste é uma região rica e detém posições como a de segundo maior produtor nacional de petróleo, primeiro produtor de sal marinho e tungstênio.

     A região, além disso, tem superávit em sua balança comercial. Esse dinheiro é carreado para o Sul, para desenvolver o desenvolvido, enquanto, aqui, nós ficamos sem nada. E nós não temos nada a ver com a dívida externa do Brasil, que foi contraída para a Ferrovia do Aço, para a Itaipu, usinas atômicas e a ponto Rio-Niterói. Aqui não foi construído nada. Estamos pagando a dívida alheia".

Os que conviveram mais de perto com Mário Moacir Porto descobriram nele outros aspectos de sua personalidade multifacetária, como foi o caso do jornalista Josélio Gondim, com quem sempre conversava. Josélio viu a outra face: a verve, o jeito e as histórias do Desembargador.

Por exemplo:

"Aos 80 anos, eu me considero um homem realizado. Até porque nunca quis algo além dos meus limites. Nunca quis, assim, ser Presidente da República.",

"A velhice é um naufrágio e não adianta saber nadar. Neste mar encapelado não há bóia que sirva",

"Bebo vinho, moderadamente. Não digo isso como virtude, mas como um equívoco; nunca tomei um porre, nunca fiquei bêbado. O sujeito que não bebe, não fuma, nem joga é, geralmente, um sujeito duvidoso",

"Eu só me arrependo do que não fiz. Meu tempo era uma droga. Havia muito preconceito e muita discriminação, sobretudo contra a mulher",

"A melhor maneira de viver a velhice é mantendo a cabeça ocupada. Mas não pensando naquilo, como diria Chico Anísio",

"Não sou ateu, sou atoa".

Eis, por inteiro, um homem com H maiúsculo, Mário Moacir Porto, o humanista, o promotor, o advogado, o magistrado, o desembargador, o jurista, o literato, cuja dimensão, sem dúvida, poderia tê-lo conduzido, se merecimento valesse, ao Supremo Tribunal Federal ou, pelo menos, ao Superior Tribunal de Justiça e à Academia Brasileira de Letras.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao proferir estas palavras em homenagem póstuma a Mário Moacir Porto, quero, desta tribuna, enviar meus sentidos pêsames à Paraíba, por intermédio de eu Governador, José Maranhão, ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado e a toda a família de Moacir Porto.

Era o que eu tinha a dizer, Srª. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/1997 - Página 26191