Discurso no Senado Federal

DESVIRTUAMENTO DOS PROPOSITOS CONSTITUCIONAIS ADVINDOS COM O EXCESSIVO USO DO INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS, FERINDO, INCLUSIVE, AS ATRIBUIÇÕES PRECIPUAS DO PODER LEGISLATIVO, NA SUA TAREFA DA FORMULAÇÃO DE LEIS. MANIFESTANDO-SE CONTRARIAMENTE AS DEMISSÕES DE FUNCIONARIOS PUBLICOS, ANUNCIADAS PELO GOVERNO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO RECENTE PACOTE FISCAL. RESULTADO PIFIO DAS PRIVATIZAÇÕES. AUMENTO DO DESEMPREGO NO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO. DESEMPREGO.:
  • DESVIRTUAMENTO DOS PROPOSITOS CONSTITUCIONAIS ADVINDOS COM O EXCESSIVO USO DO INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS, FERINDO, INCLUSIVE, AS ATRIBUIÇÕES PRECIPUAS DO PODER LEGISLATIVO, NA SUA TAREFA DA FORMULAÇÃO DE LEIS. MANIFESTANDO-SE CONTRARIAMENTE AS DEMISSÕES DE FUNCIONARIOS PUBLICOS, ANUNCIADAS PELO GOVERNO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO RECENTE PACOTE FISCAL. RESULTADO PIFIO DAS PRIVATIZAÇÕES. AUMENTO DO DESEMPREGO NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/1997 - Página 26363
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO. DESEMPREGO.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, CRITERIOS, EXECUTIVO, ABUSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), COMPROMETIMENTO, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PAIS.
  • CRITICA, PRETENSÃO, GOVERNO, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, IMPUTAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, RESPONSABILIDADE, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • COMENTARIO, AMEAÇA, PERSEGUIÇÃO, GOVERNANTE, FUNCIONARIO PUBLICO, EPOCA, ELEIÇÕES, RESULTADO, PERDA, ESTABILIDADE, SERVIDOR PUBLICO CIVIL.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, PRIVATIZAÇÃO, REDUÇÃO, DEFICIT, FINANÇAS PUBLICAS.
  • ANALISE, AUMENTO, DESEMPREGO, PAIS, CRITICA, GOVERNO, QUESTIONAMENTO, INDICE, DIVULGAÇÃO, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), FALTA, EMPREGO, BRASIL.

           A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estive analisando a Medida Provisória nº 1.599 e cheguei à conclusão de que precisamos dar um basta nessa questão desse instrumento, porque ele atropela os nossos trabalhos, pois nunca dispomos de tempo suficiente para realizarmos as nossas discussões. As medidas provisórias têm fugido de seus propósitos.

           A Constituição Federal determina a possibilidade de adoção de medidas provisórias em caso de “relevância” e “urgência”. O primeiro termo, “relevância”, segundo o Dicionário Aurélio, pode ser conceituado como “de importância, de interesse, de conveniência necessária”; o segundo termo, “urgência”, como “necessidade de ser feito com rapidez indispensável, imprescindível, não permitir demora”.

           Juridicamente, nenhum ato ou norma legal definiu, até esta data, o significado desses conceitos no âmbito do Direito Constitucional, gerando uma lacuna e a possibilidade de interpretações subjetivas - tanto na edição quanto na deliberação de medidas provisórias -, cuja conveniência é atribuída por quem de direito as possa editar.

           A grande maioria dos juristas brasileiros estudiosos da questão é unânime em considerar que as medidas provisórias têm caráter limitado no tempo e só constituirão norma jurídica pela ação legislativa do Congresso Nacional, rejeitando-as, aceitando-as, modificando-as, para, então, atingirem status legal e constitucional.

           Quanto à reedição, é refutada unanimemente, pois, como afirma o professor Brasilino Pereira dos Santos in “As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil”, “com seus efeitos materiais limitados no tempo, a medida provisória não pode aspirar a modificar ad definitivum uma situação jurídica pré-configurada.”

           O entendimento de nossos juristas, de maneira geral, é de que a medida provisória poderá aspirar à proposição de norma legal quando a mesma for inexistente, seja por uma lacuna jurídico-legal, seja pela ausência de jurisprudência. No entanto, não pode pretender - por sua inerente precariedade - alterar legislação vigente ou norma legal preexistente.

           Falarei desse assunto mais adiante, porque estou me debruçando muito sobre esse estudo, já que me preocupei com a minha participação na comissão especial que examinava essa matéria, principalmente no que diz respeito às perdas na área social com o corte no orçamento e medidas que feriram profundamente decisões jurídicas e legais tomadas anteriormente, e as modificações irregulares, do ponto de vista constitucional, dos propósitos e dos objetivos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. Com o meu voto contrário, ela desrespeita totalmente aquilo que, constitucional e regimentalmente, aqui votamos e criamos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, tem-me angustiado demais o fato de que dar um apoiamento ao Governo não significa abrir mão - e aí não é questão só o princípio - criamos e fizemos essas leis. Como é que, num primeiro momento, todos assinamos uma lei, fizemos esta lei a melhor, ela não possui defeito algum, muitas das vezes, a oposição sequer pode acrescentar algo, para não ferir os princípios da lei, porque sempre a oposição é que está equivocada. E há uma afirmação da maioria da base de sustentação do Governo que a lei está adequada aos interesses da Nação. Portanto, não se pode mexer nessas leis. Mas o que estamos percebendo é que as medidas provisórias atropelam essas leis que criamos, que assinamos. E aí não se trata mais de situação ou de oposição. Mas quando há o interesse do Governo, mandando medidas provisórias, ainda que inconstitucionais, votamos como cegos, surdos e mudos, porque ignorantes não somos. É impossível!

Assistimos não só nesta Comissão, como neste plenário, a uma iniciativa elementar de um projeto de lei que queria apenas dar uma transparência aos recursos do Governo ou aos investimentos que o Governo tem na folha de pagamento de seus servidores - dizer à Nação, para que ela fique sabendo quais foram os gastos reais. Votamos aqui contrariamente, a maioria votou contrariamente. Não podíamos sequer olhar uns para os outros, porque sentíamos que a maioria tinha absoluta certeza de que a iniciativa era simples, útil, necessária. Porém, o fato de ter que dar sustentação às iniciativas do Poder Executivo impediu os Srs. Senadores de votarem favoráveis a essa ação.

Estamos perdendo a identidade e a cidadania, como responsáveis pelas leis. Representando também o povo, está o Presidente da República. Como oposição, nós o respeitamos, pois é o nosso Presidente. Mas nós também recebemos o voto do povo, não somente para defender os interesses de um ou outro segmento, mas o que está escrito na lei, que feita por nós e a qual não podemos atropelar. É impossível.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse pacote fere também a Constituição Federal, principalmente no que diz respeito aos servidores públicos. Isso é histórico. E não estou me referindo apenas aos servidores públicos não concursados, mas aos servidores públicos concursados. Passamos anos e anos dizendo que o melhor caminho para acesso ao serviço público seria o concurso público. Muitos se esforçaram, prestaram concursos, passaram, trabalharam, acreditaram, mas não foram correspondidos. 

Vamos falar daqueles que não ingressaram através de concurso público mas que, por uma indicação e até porque este País passou anos a fio sem ter concursos públicos, estão cumprindo com os seus deveres. Ora, se há uma boa administração, sabemos se o servidor tem prestado um serviço relevante ou não, se ele é faltoso ou não, se ele é competente ou não. Por que o Governo coloca à disposição esses 33 mil servidores no momento em que ele tem que acumular para estabilizar o mercado, a fim de bancar o Real?

Poderíamos até dizer que 10% dos 33 mil servidores não estivessem comparecendo à repartição pública, mas não posso acreditar que um número tão relevante com esse tenha sido sustentado até então, numa situação de ineficiência por um Governo democrático.

Ora, então a responsabilidade foi do Governo, que já deveria ter levantado esses números, e a Nação brasileira já deveria ter conhecimento desses 33 mil servidores inúteis na máquina administrativa.

Discordamos, Sr. Presidente! Os servidores não podem ser os vilões dessa história. Sabemos e podemos até dizer que o Governo atual não tem responsabilidade sobre o que vinha acontecendo na máquina administrativa anteriormente, mas passou a ter desde que tomou posse.

Não posso aceitar as argumentações de que esses servidores serão mais eficientes, serão mais pontuais, que terão mais investimentos com relação ao seu conhecimento, que terão mais vantagens. E tiram sua estabilidade, Sr. Presidente.

O Governo diz que está nesse processo e que quer um Relator para essa matéria que não seja candidato no ano que vem. Para proteger quem? O candidato? Para quem não sofrer desgaste? O servidor que será demitido? Ou o resultado eleitoral?

Estou assistindo a dois pesos e duas medidas. O Governo disse que “se trata de uma decisão corajosa e necessária, portanto, não nos incomodamos com 98”. Mas também diz que quer um Relator que não seja candidato em 98 para as suas medidas “chamadas antipáticas, porém necessárias”. Se elas fossem só antipáticas, tudo bem, não prejudicariam ninguém. Ninguém é obrigado a gostar de uma medida ou não. Mas elas são prejudiciais.

Sr. Presidente, estamos ouvindo sempre que não houve liberação de verbas para votar com o Governo. Este é um dos assuntos que nunca abordo, porque é tão inadmissível que não entro nesse caminho. Mas há uma questão que quero colocar, e ouso dizer daqui: não há vontade política em dar ao povo brasileiro e aos servidores públicos aquilo a que têm direito. E isso cabe a nós. Porque o Governo Federal já está eleito. O Governo passa a não ter compromisso quando manda essas medidas. Mas nós temos. A decisão é nossa, Sr. Presidente, de decidirmos se votamos ou não com o Governo. Seja com que interesse for, até mesmo eleitoral, o que é perfeitamente natural. Se sou eleita por determinado segmento para defender seus interesses, eu o farei.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos aqui para defender os interesses da nossa Nação, tanto quanto o Presidente da República. E temos independência e autonomia; temos o dever de tomar decisões, dizer não ao Presidente e levá-lo ao convencimento de que Sua Excelência não pode, de forma alguma, atropelar o processo. Por que o Presidente tem tanta força para influenciar a decisão do Poder Legislativo, e o Poder Legislativo não tem força para flexibilizar a força do Presidente da República?

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Porque o sistema é presidencialista, Senadora; se fosse parlamentarista, isso não aconteceria.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Senador Bernardo Cabral, sou parlamentarista, e V. Exª sabe disso. Defendo o parlamentarismo, ainda que não seja a posição do meu Partido - mas um dia o convencerei de que essa é realmente a melhor forma de governar o País. Mas não é possível uma situação como essa!

Ninguém perde o mandato se votar contra algumas medidas do Governo, mas perde quando se submete constantemente a decisões que não são apenas antipáticas, mas prejudiciais. E as demissões assustam. Primeiro, porque poderemos ter uma chamada perseguição política. Sou servidora pública, tenho certeza de que o meu exemplo não é único e que, no momento eleitoral, alguns servidores serão submetidos, sim, a determinadas campanhas, dependendo de quem esteja governando, do partido que esteja governando. As decisões são tomadas e também as demissões daqueles que não querem e se recusam a ser cabos eleitorais. Isso ainda existe no nosso País! E ainda há outra questão, que é evidente: as administrações cujos governantes não pertencem à base de sustentação do governo ou do partido do governo são as últimas a serem atendidas. Isso é real e concreto, e podemos provar, estatisticamente. Podemos comprovar as dificuldades por que todos estão passando, mas, os que não são do governo estão passando por muito mais ainda.

E a questão dessas demissões? Já recebi milhares de telefonemas, de pessoas que estão assustadas; umas porque têm parentesco, outras porque não são protegidas de ninguém. Já manifestaram sua opção partidária, têm os seus movimentos, fazem mobilização.

Acabamos de ouvir aqui do Senador Nabor Júnior a pesquisa feita em relação à juventude de Brasília, que demonstrou, categoricamente, o que é uma alienação. É terrível! É uma perda de identidade tremenda!

Quando um servidor é perseguido, quando não pode expor, dizer o que é, que pertence a determinado sindicato, que não pode se sindicalizar porque é um policial, não pode se organizar na associação porque tem a chefia de uma função, não pode estar à frente, liderando um partido político, nem pode estar filiado porque tem uma outra função. São todos esses instrumentos que impedem o crescimento e o amadurecimento das pessoas.

Estou nesta tribuna trazendo esta preocupação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e as privatizações? Elas não surtiram os efeitos desejados. Fui contra as privatizações, esgotei todas as minhas argumentações; no entanto, elas foram feitas, principalmente no meu querido Estado do Rio de Janeiro. Foram privatizados a Light e o Banerj, mas, lamentavelmente, não tivemos retorno algum. Isso ocorreu não só no Estado do Rio de Janeiro, mas também em todo o País.

Pergunto: cobriram os déficits? Uma das finalidades das privatizações era cobrir os déficits. No entanto, as privatizações até o momento realizadas não atingiram esse objetivo. Agora recebemos esse “pacotão” que vai também privatizar outras empresas, mas, lamentavelmente, penso que não teremos esses recursos encaminhados para os cofres públicos.

O desemprego aí está e pode aumentar; pode chegar a 22%, segundo pesquisa feita em São Paulo. O DIEESE constata que há 16,5% de desempregados em São Paulo. O Presidente fez um pronunciamento afirmando que essa informação não é verdadeira - só não diz que é o Dieese. Sua Excelência contesta os dados, chega a dizer que foram manipulados. Ora, por que há manipulação nesses dados e não nos do Governo? Se não há manipulação, pelo menos há um contraditório. O Governo afirma que não temos inflação, que está tudo bem neste País, que o nosso salário é o melhor - congelado há quatro anos. A simples dona de casa sabe que isso não é verdadeiro, não precisa ser economista para ir ao armazém ou à feira livre e constatar a existência da inflação. Qualquer servidor desta Casa sabe que o congelamento de salário está baseado no seguinte: temos de sustentar o Real.

Então, ao concluir, Sr. Presidente, quero apenas registrar a seguinte frase do Ministro Bresser: "Foi uma vitória do Governo e até dos servidores públicos". Foi mesmo uma grande vitória do Governo, só esqueceram de perguntar aos servidores se é assim que eles se sentem. A impressão que tenho é que deram uma bruta gargalhada na cara de cidadãos servidores públicos que prestaram e continuam prestando relevantes serviços a essa Nação.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/1997 - Página 26363