Discurso no Senado Federal

VICIOS DE ORIGEM QUE PADECE O SISTEMA PRESIDENCIALISTA BRASILEIRO, DENTRE ELES, DESTACA O INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS, CRIADO PELA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1988, MAS APLICAVEL APROPRIADAMENTE APENAS SOB A EGIDE DO SISTEMA PARLAMENTARISTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARLAMENTARISMO. SUBSTITUIÇÃO DO PODER LEGISLATIVO PELO PODER EXECUTIVO NESSA INFLAÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • VICIOS DE ORIGEM QUE PADECE O SISTEMA PRESIDENCIALISTA BRASILEIRO, DENTRE ELES, DESTACA O INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS, CRIADO PELA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1988, MAS APLICAVEL APROPRIADAMENTE APENAS SOB A EGIDE DO SISTEMA PARLAMENTARISTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARLAMENTARISMO. SUBSTITUIÇÃO DO PODER LEGISLATIVO PELO PODER EXECUTIVO NESSA INFLAÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.
Aparteantes
Geraldo Melo, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/1997 - Página 26366
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • ANALISE, INCOMPATIBILIDADE, EXISTENCIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SIMULTANEIDADE, VIGENCIA, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO.
  • ANALISE, CONDICIONAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO.
  • CRITICA, PROCESSO, GRADUAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, TRANSFERENCIA, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, RESULTADO, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, BRASIL, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO, REFORÇO, JUDICIARIO, LEGISLATIVO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eminente Senador Geraldo Melo, que não ocupa a Presidência apenas por uma circunstância eventual, mas porque é o Presidente em exercício do Senado Federal, Srªs e Srs. Senadores, dividirei o meu pronunciamento em duas partes. Iria falar hoje sobre o problema da saúde no Brasil, mas não posso me recusar a abordar um outro tema, uma vez que, ao longo do discurso da Senadora Benedita da Silva, joguei-lhe uma frase dizendo que o culpado desses problemas que agora enfrentamos era o sistema presidencialista de Governo. E direi o porquê.

Quando, em um país, há uma só figura que ocupa a Chefia do Governo e a Chefia do Estado - qual seja, o sistema presidencialista de Governo -, lamentavelmente, vê-se uma pessoa só ter sobre os seus ombros a responsabilidade de decidir por milhões de pessoas sem que esse mesmo número seja ouvido.

O sistema presidencialista brasileiro, sobretudo o nosso, e por isso disse brasileiro, padece de muitos vícios de origem. Um deles é que está enraizado na figura daqueles que comandam o País: as medidas podem, devem e são tomadas sem prévia audiência, sem que o Parlamento seja ouvido. Por isso, a Senadora Benedita da Silva, num desabafo, não entende como é possível que alguns tomem decisões como a que estamos vendo, sobretudo os Parlamentares, ora de acordo, ora seguindo a trilha governista, ora de cócoras, porque não se levantam para dizer pelo menos aquilo que pensam. Estranha S. Exª que isso aconteça num momento de gravidade para a Nação. Este foi o cenário que a nossa eminente Senadora Benedita da Silva descreveu.

E mais: no sistema parlamentarista de governo, aquele que disputa a Chefia, ou seja, o primeiro-ministro, é obrigado a levar ao Parlamento o seu programa de governo. Portanto, previamente, ele é o conhecido, todos ficam sabendo do que se trata, quais as inovações, quais os poderes, quais os objetivos, quais as soluções que serão apontadas. O plano é posto à aprovação ou não do Parlamento. Recusado, evidentemente, não terá o apoio e não irá à Chefia.

Se eventualmente o programa é feito - e aí vêm as chamadas medidas provisórias, às quais quero tecer comentários -, o que acontece, o que ocorre, o que se vê é que, previamente, a Nação, sobretudo por meio de seus representantes, tem a idéia do que vem pela frente.

Houve agora a emissão de um chamado “pacote”, por meio de medidas provisórias, que colheu todo o povo brasileiro de surpresa - tenho eu a impressão -, inclusive, o próprio Presidente da República. Por isso não lhe atiro pedras, mas não posso deixar de fazer restrições a quem compôs esse “pacote” - não quero ser grosseiro para chamá-lo “pacotaço” - de medidas, no qual se incluiu coisas que, por certo, estavam no armário, somente com o intuito de aproveitar a oportunidade. E fomos todos colhidos de surpresa.

Sr. Presidente, quase que sei de memória o art. 62 que trata das medidas provisórias. Os colegas Constituintes - a Senadora Bendita o foi - sabem que o chamado instituto da chamada medida provisória só foi aprovado porque, na Comissão de Sistematização, teve-se como certa a aprovação do sistema parlamentarista de governo. Portanto, ali se diz “em caso de relevância e urgência”, exatamente porque no sistema parlamentarista o programa de governo é conhecido por antecipação. Se, no meio do caminho, surge um caso de relevância e urgência, adota-se a medida provisória, que tem eficácia desde logo; num segundo momento, ela é submetida ao Plenário do Parlamento.

No plenário da Assembléia Nacional Constituinte foi derrubada a proposta de sistema parlamentarista de governo. Havia alguns Constituintes pressurosos a se dobrarem, a serem gentis, sem se preocuparem com as conseqüências que o País sofreria - como este momento que estamos atravessando agora -, que derrubaram o sistema parlamentarista, deixando, porém, o instituto da medida provisória.

Invoco o testemunho do eminente Senador José Fogaça. Ambos dissemos àqueles Parlamentares que estavam patrocinando a medida presidencialista que eles iam cometer uma impropriedade constitucional, porque a Constituição ficaria caolha: um olho seria presidencialista e o outro traria resquícios de parlamentarismo.

De logo, avisamos sobre o problema da medida provisória, instituto que, na mão de quem é um Presidente da República - portanto, que não submete o programa de Governo antecipadamente, nem presta contas ao Parlamento por antecipação -, é o risco terrível que o Legislativo corre, porque passa a ser substituído pelo Poder Executivo na sua função primórdia, principal, precípua que é a de legislar.

E agora tomo, como dizem os chamados jornalistas, homens de imprensa, o gancho da manifestação da Senadora Benedita da Silva. V. Exª sabe que a minha posição em defesa da estabilidade foi declarada desta tribuna, mas os funcionários perderam a sua estabilidade, que foi o capital empregado ao longo de tantos anos. A idéia que se tem é que qualquer comerciante medíocre, com 20 anos de trabalho, prospera, cresce e, se não se torna um grande empresário, pelo menos é um cidadão que tem as suas posses. E o funcionário público, esse cidadão que, ao longo de tanto tempo, empregou esse capital sabendo que, ao final, teria uma aposentadoria condigna ou a sua face pelo menos respeitada, colhida no meio dos seus familiares? Ele se vê, hoje, sob uma espada de Dâmocles, e se não for realmente um cidadão que produz, mas na acepção subjetiva de quem o julga, e não na objetiva de quem trabalha, pode ir para o olho da rua, para usar uma expressão popular.

Senadora Benedita da Silva, esses elementos repousam no sistema presidencialista de Governo. E quando ouço alguém dizer que, em nosso País, enquanto tivermos Partidos fracos, não podemos ter o sistema parlamentarista, vejo a grande falácia que se põe nessa hora. Não haverá Partidos fortes enquanto houver o sistema presidencialista de Governo, porque tudo que é presidente - de presidente de sindicato a presidentes de instituições -, todos, qualquer que seja o local, aglutinam em torno da sua figura, e é a partir daí que as coisas tomam caminho, qualquer que seja o órgão, torno a repetir. E o presidente passa a ser a figura que interessa, e um Presidente da República, seja quem for, e falo em tese. Que haja um partido forte é o ideal. Ou a troca de favores ou a troca de gentilezas ou, por intermédio de afagos, e também, às vezes, pelo lado da corrupção, atraem-se votos. Por que um Partido forte? Por que um Partido cuja programação deveria ser respeitada? Por que não se impõe, desde logo, a fidelidade partidária? Quantos se elegem por uma sigla e, ao meio, às vezes nem ao meio, ao terço da caminhada, se bandeiam com as trânsfugas para um outro, sem que tenham uma razão principal?

A troca de Partidos, em si, nem sempre representa uma desobediência, uma desonestidade. Tantas vezes o programa que ele punha na sua cabeça que iria defender e não está sendo seguido, e ele se afasta do Partido. E aí a correção está mais do que registrada, justificada.

Mas outros, Sr. Presidente, quantas vezes! Geralmente, quem dispõe de condições financeiras. E a cada passo estamos vendo que o poderio econômico interfere nas eleições, sobretudo em nosso País, sejam elas em nível Municipal, Estadual ou Federal. Esses chamados alugadores de siglas, que vão em busca das siglas de aluguel, tantas vezes, ora na via de um mandato de Deputado Federal, para se acobertar, através da imunidade parlamentar, e, aí, mais uma vez, o ato danoso do sistema presidencialista, porque ele se elege a um prazo certo, compra o mandato, pois sabe que o mandato de Deputado Federal é de quatro anos.

E quero somente me fixar na Câmara dos Deputados. Ao ter o mandato por prazo certo, ele passa a negociá-lo no primeiro ou no segundo ano. E sabemos com quem, e através de empresas. Tivemos, aqui, a CPI das empreiteiras. É fácil dar o exemplo. Como no primeiro ano e no segundo ele acaba se ressarcindo, o investimento que faz para a compra do mandato, através do sistema presidencialista, aplaina o seu caminho.

Se estivéssemos no sistema parlamentarista de Governo, e ele fizesse a inversão de muitos milhões de dólares, e, ao cabo de oito meses, fosse o Parlamento desfeito, ele saberia, por antecipação, que precisaria ter cuidado de não investir tanto, para não perder lá adiante, uma vez que não teria o seu capital ressarcido. E observe que quando o Parlamento é desfeito, novas eleições são convocadas e o poderio econômico já não tem a influência que tem no sistema presidencialista.

Respeito os que defendem o sistema presidencialista, é claro, nem poderia ser de forma diferente. Aqueles que entendem que este é o melhor sistema, que me permitam, pelo menos, que mostre as suas mazelas, não só por defender o sistema parlamentarista, mas pelo que observo, pelo que vejo, pelo que comprovo, a todo instante, sobretudo em nosso País.

           A cada medida que vem do Governo se declara que há um rolo compressor passando, quando, às vezes, o natural seria que cada Partido que dá apoio a quem está chefiando, a ele recolhesse e dele fizesse a sua formação para aprovação, sem que a imprensa pudesse registrar que, mais uma vez, se está barganhando um voto.

           Tudo isso contribui, como contribuindo está, para este instante em que atravessamos uma crise de proporções inimagináveis. Se cada um de nós soubesse onde essa crise terminaria - só sabemos como foi o seu início -, é claro que teríamos tomado medidas prévias para corrigi-la.

           Portanto, o mal padece de um vício de origem, sobre o qual falei anteriormente. E quando se parte de uma premissa fácil, jamais, em nenhum instante, a sua conclusão será verdadeira.

           O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Eminente Presidente Benedita da Silva, que acaba de assumir a Presidência, permita que eu me sinta honrado com o aparte que dali me acena o Senador Geraldo Melo. Não fosse esse aparte, por certo a minha forma de analisar o sistema parlamentarista poderia ser enfraquecida. Colho do seu aparte a forma pela qual enriqueço o meu discurso.

           O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Agradeço a generosidade até excessiva com que V. Exª se referiu a este seu modesto Colega de Senado.

           O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Retribuo o que recebo de V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Quero dizer-lhe que pedi à nossa eminente Senadora Benedita da Silva que assumisse a Presidência, para que eu tivesse a honra de inserir a minha palavra no discurso proferido por V. Exª. Tamanha é a altitude que V. Exª normalmente dá aos seus pronunciamentos, por onde tem passado, inclusive e sobretudo na tribuna do Senado Federal, que sinto-me profundamente honrado de poder participar de um desses pronunciamentos. Na realidade, não pretendo discutir a questão das vantagens e desvantagens para o País da adoção do parlamentarismo, embora, como sabe V. Exª, eu não seja parlamentarista. Até certo ponto, vejo, na realidade de hoje do nosso País, uma certa contradição, na medida em que há, por um lado, um carinho crescente pelo parlamentarismo e, por outro lado, um desprezo crescente pelo Parlamento que assumiria o Governo, na verdade, se tivéssemos parlamentarismo no País. A observação que gostaria de fazer, Senador Bernardo Cabral, tem mais a ver com um ponto específico com o qual V. Exª abriu seu pronunciamento, que é exatamente o das medidas provisórias. No início do nosso atual mandato de Senadores, essa questão foi objeto de discussão, e sempre defendi e continuo defendendo a tese de que, se tivéssemos que mexer nesse instrumento constitucional, deveríamos fazê-lo para um futuro governo. O atual Governo instalou-se dentro de um cenário, com um conjunto de variáveis e de hipóteses sobre as quais construiu e estruturou a sua trajetória, a travessia do mandato que o povo lhe conferiu. Na realidade, isso tornaria insuspeita uma intervenção que não teria relação com nenhum fato concreto, com nenhum presidente ou governo em particular. O que a mim, como leigo, chama a atenção - e a V. Exª levo a inquietação muito mais para ouvir-lhe o comentário e suscitar a reflexão sobre ela - é o seguinte: se olharmos, por um lado, a regra constitucional que se aplica à medida provisória, veremos que ela só deve ser editada se ocorrerem determinadas hipóteses que a Constituição prevê: a urgência e a relevância. Ora, se se presume a legalidade das iniciativas, é de se aceitar que o número de medidas provisórias com que convivemos anualmente indica que ocorre uma quantidade muito grande de situações relevantes e urgentes, com as quais as instituições regulares e o processo regular de operação do Estado não têm capacidade de lidar. Porque, se há milhares de situações por ano que são consideradas suficientemente urgentes e relevantes para justificar a edição de uma medida provisória, isso me leva a temer que estejamos diante, na verdade, de um tipo de Estado incapaz de lidar com a realidade. Já que aquilo que deveria ser a exceção vai virando rotina em um Governo sério, que não está desejando esbulhar das instituições o seu direito, a sua responsabilidade e a sua competência, percebe-se, então, que a necessidade da sociedade não está sendo atendida pelas instituições. Estamos, portanto, diante de uma situação realmente grave! É gravíssimo descobrir que a arquitetura do Estado é incapaz de lidar com situações que, longe de serem excepcionais, pelo número de vezes que acontecem, se tornaram rotina, são do dia-a-dia. Por isso, penso realmente que ou vamos modificar o instituto de medida provisória, ou vamos repensar a forma de funcionamento das instituições a partir do processo legislativo. Se é um processo legislativo que, ao ser aplicada uma regra uniforme a todas as situações, é excessivamente lento, creio que cabe aos Congressistas repensá-lo. Mas não podemos, de braços cruzados, assistir à configuração de uma situação que vai aos poucos efetivando a dura, dolorosa e triste realidade. Todo assunto relevante, todo assunto que requer uma medida mais inovadora, mais forte e mais profunda vai ter que ser resolvido por medida provisória. Precisamos, portanto, Senador Bernardo Cabral, se muito não me equivoco, de repensar: ou a medida provisória, ou a maneira como lidamos com a realidade. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Geraldo Melo, é evidente que V. Exª fala como quem foi Governador de Estado; portanto, havia uma disposição maior em efetivar a medida que no instante lhe vinha ao conhecimento. Agora, V. Exª é Membro do Poder Legislativo. Há uma diferença. Ainda bem que não fui, não pretendo ser e algo a que não aspiro é ser Chefe do Poder Executivo, porque talvez sentisse um pouco de frustração, pela demora dos Parlamentos em relação ao Poder Executivo.

De qualquer sorte, V. Exª foi não apenas gentil, mas cavalheiro; fez uma análise da situação. Mas não pode deixar de reconhecer que, ainda na ditadura que recentemente tivemos - queiram ou não, através dos Atos Institucionais -, nem aí o Governo conseguiu disciplinar medidas que pudessem satisfazer a quem estava na Chefia do Executivo.

O que temo, o que reclamo é que, a cada instante, o Poder Legislativo vai sendo substituído pelo Poder Executivo nessa inflação de medidas provisórias. Na última, de nº 1.602, conseguiram embutir um mecanismo para tratar de importação de cigarros! Veja V. Exª que, dentre outras coisas, isso é um insulto ao Legislativo, porque o Executivo utiliza a medida provisória, quando poderia ter usado a mensagem. V. Exª sabe que, ainda há pouco, houve a reclamação de um problema relativo a fiscalizações bancárias; isso foi feito através de lei complementar, e o Congresso respondeu. Ninguém pode, em nenhum instante, atacar e dizer que o Poder Legislativo não tem dado os meios necessários, os instrumentos para facilitar a ação do Executivo.

Essa inquietação de V. Exª já poderia ter sido resolvida, porque nós, depois de um longo trabalho, realizado através de uma coordenação - talvez esse seja o termo -, exercida pelo Senador Josaphat Marinho, conseguimos aprovar o chamado mecanismo das medidas provisórias que até hoje repousam no seio da Câmara dos Deputados, por influência maior - não sei a quem atribuir -, e não temos a medida provisória disciplinada.

O grande fato - esse é impossível não reconhecer - é que estamos, hoje, de surpresa em surpresa, recebendo medidas que nem sequer são submetidas a um crivo passageiro ou ligeiro das governistas. Em relação à última, do chamado “pacote”, as Lideranças do Governo, pelo menos no Senado, se queixaram, dizendo que não sabiam que estava sendo levada a efeito - e ao cabo - a edição dessas medidas. 

O que reclamam - e por isso, Senador Geraldo Melo, a minha defesa em função do sistema parlamentarista - é exatamente neste caminho: o Parlamento brasileiro precisa se dar conta de que, nas grandes ditaduras, a primeira coisa que se faz é enfraquecer o Judiciário e desmoralizar o Legislativo. Se não tivermos cuidado, nós, que estamos numa democracia, vamos permitir que pessoas da mídia com interesse nisso levem o povo brasileiro a não respeitar o Legislativo, a não ter por ele o carinho e o afeto que ele merece. E V. Exª. sabe que, quando um Poder Legislativo não funciona, quando um Parlamento está fechado, a democracia desaparece.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB -RN) - Permite-me V. Exª. um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço novamente V. Exª, para enriquecer o meu discurso.

Vejo que aqui está o nosso querido Senador Josaphat Marinho, a quem, em seguida, também concederei um aparte.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Com a presença do Senador Josaphat Marinho, quase que prefiro declinar da oportunidade de interferir para que possamos ter a oportunidade de ouvi-lo mais rapidamente. Mas quero apenas dizer, Senador Bernardo Cabral, que eu, pelo menos, estranho profundamente que a medida provisória no Brasil tenha chegado ao ponto de se transformar em um instrumento que inove o status quo jurídico; isto é, a estrutura jurídica se altera por medida provisória, quando era de se supor que ela fosse um instrumento para, repousando sobre a estrutura jurídica existente, ensejar providências que, pela sua urgência, para serem tomadas, não deveriam aguardar o rito do processo legislativo inteiro. Na realidade, estamos chegando a conviver com uma situação em que o papel do Poder Legislativo vai-se tornando, progressivamente, supletivo.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Quando deveria ser o inverso!

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Veja V. Exª que os Estados Unidos da América, um país apresentado como padrão de regime presidencialista, não conheço nenhuma situação em que a iniciativa legislativa possa partir do presidente da República. O presidente da República envia mensagens, que são cartas, à liderança do Governo, não ao Congresso formalmente, para que o Congresso aprecie como se fosse um projeto. Na realidade, envia sugestões, que a liderança do Governo pode inclusive acolher ou não, ou modificá-la antes de transformar numa proposta de iniciativa do processo legislativo. Por outro lado, o fato de que o Legislativo não tem a velocidade dos relâmpagos é exatemente porque ele existe como elemento de contenção de estabelecimento de limites. Existe o excesso, a demasia - o Código Civil, por exemplo, a sua história no Congresso brasileiro, é uma prova disto -, mas existe a possibilidade de se ter uma processo legislativo que não seja tão dolorosamente vergonhoso de se passar 20 anos para se decidir alguma coisa. Simplesmente, nas minhas limitações nesta matéria...

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Não apoiado!

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN)... quis provocar a manifestação de V. Exª, que agora certamente vai ser acrescida da contribuição de um dos homens igualmente brilhantes como é o nosso eminente Senador Josaphat Marinho, eu quis apenas dizer que se nós vivemos um rotina em que o fato que se deveria ser extraordinário passa a ser a rotina, de duas uma: ou nós não precisamos de Congresso dentro da nova concepção da democracia, ou as nossas instituições estão obedecendo a uma arquitetura que as inabilita a lidar corretamente com as questões do dia-a-dia.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Geraldo Melo, veja como V. Exª me ajuda, me socorre quando traz o exemplo do presidencialismo norte-americano, que é tecido em loas, e se diz deveríamos imitar pelo menos o presidencialismo norte-americano que tem dado certo, e V. Exª comprova exatamente que nós fazemos o contrário.

Ainda há pouco o Presidente da República, Bill Clinton, pediu fast track do Congresso e lhe foi negado. Aqui se diz que o nosso Parlamento não pode mexer em verbas, enquanto lá o Presidente da República pede autorização e o Congresso lhe nega as verbas, sobretudo em períodos chamados bélicos.

De modo que V. Exª me socorre, em sendo presidencialista - posição que respeito e já conheço há muito anos -, mas que vem ao encontro daquilo que defendo. Se o nosso Parlamento não se der conta de que ele precisa encontrar os seus caminhos, a cada tempo ele vai sendo deteriorado.

Eu era rapazola e o Senador Josaphat Marinho não era muito menos rapazola do que eu, o tempo não é tão longe assim entre os dois, nos anos de 1967, eu Deputado Federal e S. Exª Senador, novinho, e estamos notando que a cada tempo que passa as representações se tonam mais fracas, no sentido não só intelectual, não só no terreno da erudição, mas da convicção daquilo que se defende. Aquela velha história “eu sou amigo do rei, mas primeiro a minha consciência”.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - É em respeitando a minha consciência que ouço o nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Nobre Senador Bernardo Cabral, além das judiciosas considerações que V. Exª e o nobre Senador do Rio Grande do Norte acabam de fazer, queria pedir a atenção para uma contradição grave que existe nesse problema da absorção do Poder Legislativo pelo Poder Executivo. Como se sabe, o Poder Executivo absorveu longa extensão do poder de legislar porque era um Estado grandemente intervencionista no plano social e econômico. Foi o que ocorreu muito depois da Segunda Grande Guerra. Mas, no Brasil, se está reduzindo o poder de intervenção no Estado no domínio social e econômico.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Aí estão as privatizações.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Mas o Governo continua usurpando atribuições do Poder Legislativo. Como V. Exª salienta, isso precisa ter um basta sob pena do enfraquecimento impressionante do Poder Legislativo.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Vejo que V. Exª, não diria que está em boa companhia, mas me concede o privilégio de estar na sua companhia, na defesa que, de qualquer sorte, é também a do Senador Geraldo Melo em função do Parlamento. E não poderia ser de outro jeito por uma razão muito simples. O que se convencionou chamar Poderes independentes e harmônicos entre si? Então, temos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Com este raciocínio, os Chefes do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário são iguais. Mas, vejamos. Numa solenidade posta, o Presidente da República, que é o Chefe do Poder Executivo, tem a ascendência dentro da precedência quanto aos demais. Nem os Chefes dos Poderes Judiciário e Legislativo, que estão em nível de igualdade, comandam uma solenidade, porque quem a faz, quem a preside, a quem as honras são tributadas, é ao Presidente da República.

Devemos reconhecer que o Poder Legislativo é um Poder desarmado. O Judiciário não dispõe de verbas e o cofre está sob o comando do Executivo. E aquele que dispõe do poder das coisas passa ao poder de dispor das pessoas. E aí, queiram ou não, à medida que, sobretudo o Legislativo, começa a retroceder, o Executivo cresce, se impõe, e ficamos como estamos, enfraquecidos.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permite-me uma nova intervenção, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - V. Exª socorre-me sempre.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - E ainda há um pormenor, nobre Senador, mas, um pormenor de grande porte. É que para a prática de determinados atos, o Governo depende do Legislativo. Pede-os. O Legislativo os dá. E na opinião pública, quando sobrevierem os atos Executivos, responsáveis por eles, é o Poder Legislativo, sobretudo, os atos impopulares.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - E com um agravante, se V. Exª permite-me acrescentar, eu que não tenho como fazer acréscimo ao raciocínio sempre brilhante de V. Exª. Mas, ousaria dizer que o agravante é tanto maior que quanto mais o Legislativo lhe dá, mais no seio do povo, através do que se passa nos veículos de comunicação, é que nós, do Congresso Nacional, não estamos dando, com a ligeireza, com a presteza que o Executivo queria.

Nesse passo, é bem de se registrar que há - e isso seria muito importante - a falta, a lacuna de se mostrar ao povo brasileiro o que é um Poder Legislativo. Infeliz do povo que não o ama, que não o quer, que não o respeita, que a ele não tributa as homenagens que ele merecia, porque um Poder Legislativo enfraquecido, é sempre um sinal para que as ditaduras desfraldem a sua bandeira ao sabor de todas as intempéries.

Por isso mesmo, Senador Geraldo Melo, nesta manhã que eu iria falar sobre o Ministério da Saúde, oportunidade em que iria dizer o que o nosso Ministro fez no começo desde mês de novembro, vou ter que transferir para a próxima segunda-feira. Sei que, talvez, não tenha o privilégio de ouvi-lo - ou de me ouvir, um ao outro. Mas se V. Exª aqui estiver, fique certo, na Presidência ou na assistência, nas nossas cadeiras, V. Exª terá, como sempre, a minha admiração.

Nobre Senadora Benedita da Silva, vou encerrar. Sei que, a essa altura dos acontecimentos, estouramos todos os horários. Mas fique certa V. Exª que foi a chamada manifestação de V. Exª que me levou a este pronunciamento, eu que cada dia mais procuro recolher-me, não só pela minha modéstia, mas recolher-me da tribuna. Houve tempos em que eu achava que valeria à pena. Hoje, vejo que uma coisa só vale à pena: não ceder, não conceder e não retroceder. Ou seja, em primeiro lugar, a sua consciência.

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/1997 - Página 26366