Discurso no Senado Federal

APRECIANDO ASPECTOS DO RELATORIO DA PESQUISA JUVENTUDE, VIOLENCIA E CIDADANIA, PROJETO ESTE DESENVOLVIDO PELA ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAUDE E DIVERSOS OUTROS ORGÃOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • APRECIANDO ASPECTOS DO RELATORIO DA PESQUISA JUVENTUDE, VIOLENCIA E CIDADANIA, PROJETO ESTE DESENVOLVIDO PELA ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAUDE E DIVERSOS OUTROS ORGÃOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1997 - Página 26830
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PESQUISA, REALIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), JUVENTUDE, CAPITAL FEDERAL, DISTRITO FEDERAL (DF), COMPROVAÇÃO, FALTA, CONFIANÇA, ADOLESCENTE, INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, POLITICO, JUSTIÇA, GOVERNO.
  • COMENTARIO, COMPROVAÇÃO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), INFLUENCIA, JUVENTUDE, AUMENTO, INDICE, VIOLENCIA, ZONA URBANA, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho em mãos a minuta do relatório da pesquisa “Juventude, Violência e Cidadania”, projeto este desenvolvido pela Organização Pan-Americana da Saúde; pela Organização Mundial da Saúde; pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; pela Unicef; pela Unesco; por outras instituições da ONU; pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria dos Direitos Humanos; pelo Governo do Distrito Federal; pela Secretaria da Educação e pelo Correio Braziliense, sob a coordenação técnica da Unesco.

É evidente que não vou ler este calhamaço e muito menos pedir a sua transcrição nos Anais do Senado, mas quero apreciar alguns aspectos desta pesquisa, que, de resto, foi amplamente divulgada pelo Correio Braziliense, um dos organismos responsáveis pela sua realização, e que mostra realmente uma face, não diria pouco conhecida, mas pouco mencionada dos problemas que afligem a juventude de Brasília.

Essa pesquisa foi realizada em junho e julho últimos, em 18 escolas públicas e 22 escolas particulares do Plano Piloto, Asas e Lagos Norte e Sul, Cruzeiro e Setor Octogonal. O trabalho alcançou 401 jovens, de 14 a 20 anos, e 400 adultos, pais, professores e diretores de escola e aborda o problema da violência.

Números oficiais revelam que os jovens de todas as classes sociais têm sido as maiores vítimas dessa violência. Dados do sistema de informações sobre mortalidade do Ministério da Saúde revelam que, de 1979 a 1995, os assassinatos de jovens brasileiros, de 15 a 19 anos, cresceram 234%. Representavam 8,5% do total nacional de óbitos e passaram a 28,4%. No Distrito Federal, esse crescimento foi alarmante: 702%. Em 1979, os assassinatos de jovens significavam 4,8% do total; passaram a 38,5%, em 1995. No mesmo período, em todo o Brasil, o aumento da incidência de homicídios sobre o total de óbitos foi de 162%.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses números são, por si mesmos, estarrecedores, porque mostram o crescimento da violência, dos assassinatos e aqui, especificamente, envolvendo os jovens. Essa pesquisa, realizada por essas instituições que mencionei, sob a coordenação da Unesco, mostram também outros lados da questão, que estão resumidos aqui numa matéria do Jornal do Brasil de 25 de novembro:

“Jovem de Brasília tem retrato chocante. Pesquisa da Unesco revela que a maioria dos estudantes da capital é formada de ociosos e individualistas, sem horizonte político.“

E diz num box:

“O espelho da juventude: 0,2% dos jovens confiam nos Governos; 0,5% confiam nos políticos; 0,7% confiam na Justiça; 6,7% confiam na Igreja; 11,2% preferem a ditadura ao invés da democracia.”

É um quadro de profunda descrença nas nossas instituições, naquelas organizações que deveriam ser os pilares do sistema democrático e de uma sociedade organizada e que não merecem a mínima confiança da juventude de Brasília nessa pesquisa a que me referi.

Violência: 12% pertencem a gangues de rua; 12% consideram crime humilhar travestis, prostitutas e homossexuais - apenas 12%! -;16% consideram que as pessoas só se impõem pela autoridade - quer dizer, um viés autoritário embutido aí no comportamento desses jovens -; 20% acreditam que os assassinos do índio Galdino merecem penas leves.

No caso do homicídio do índio Galdino, 20% ainda consideram que isso foi o resultado de um mera brincadeira. Os cinco assassinos, todos jovens, deveriam, segundo eles, ser condenados a penas comunitárias, como prestações de serviços, entre outras facilidades. Portanto, aí está um quadro de violência incutido no comportamento, nas atitudes e no pensamento desses jovens.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª, nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Senador Lúcio Alcântara, ontem, aqui na Casa, o assunto violência e principalmente a violência praticada e sofrida por adolescentes, por jovens, por meninos, foi discutida pelo Senador Nabor Júnior. E hoje V. Exª apresenta dados de uma pesquisa autêntica feita por organismos internacionais a respeito da violência, que atinge o nosso País e a maior parte dos países do mundo. Mas é evidente que essa violência, todos sabemos, tem causas sociais e também é produto da impunidade. A impunidade leva à descrença. E este assunto é muito complexo. Ainda ontem dizíamos da necessidade de reformulação do Código Penal Brasileiro, que data de 1940. Entendo que um dos pontos mais importantes a serem debatidos é com relação a responsabilidade penal, que hoje é de 18 anos, com pena atenuada quando o crime é praticado por jovem entre 18 e 21 anos. Sabemos que o próprio Código Civil, que foi votado aqui na Casa, já reduziu o limite da maioridade para 18 anos, quando sabemos que, ante as leis referentes à cidadania como, por exemplo, o direito de voto, hoje é facultativo a quem tem 16 anos. Esse é um assunto que devemos discutir em profundidade, não só as causas sociais - e V. Exª faz bem trazendo dados estatísticos, porque eles são importantes para qualquer assunto e debate sérios - como também esse referente à idade, o limite da responsabilidade penal. A mim me parece que deveria ser reduzido para 18 e 16 anos. Hoje é 18 e 21 anos e deveríamos baixar para, no mínimo, 16 e 18 anos. Não é possível que fiquem impunes aqueles que só têm idade cronológica, mas que estão maduros porque sabem praticar outros atos da vida civil e praticam crimes hediondos e, no entanto, ficam impunes sob o manto da irresponsabilidade penal pelo motivo da idade. Era a contribuição modesta que queria trazer ao pronunciamento de V. Exª, que tem o grande mérito de continuar o debate que estamos travando aqui nesta Casa. V. Exª hoje traz dados estatísticos, o que é muito bom para esclarecer o Senado da República e a opinião pública.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, nobre Senador Ramez Tebet, que é uma pessoa permanentemente interessada nesses temas, já que, como egresso do Ministério Público, tem conhecimento e se interessa por essa discussão e sempre tem trazido contribuições bastante úteis ao debate.

Li, ontem, nos jornais - estava no Ceará - que o Governo cogita agora de constituir uma comissão para promover um estudo sobre a reforma do Código Penal, talvez animado pela aceleração da tramitação do Código Civil, que certamente terá que ser levado a debate, porque é evidente que os jovens de hoje adquirem um conjunto de informações muito maior do que nós adquirimos na nossa época, por força da comunicação que há entre a sociedade, entre os diferentes setores e métodos de divulgação dessas informações.

Então, esse é um ponto importante e não é o único que diz respeito à questão da impunidade, mas é um tema relevante, até porque, por essas estatísticas, estamos vendo que o número de assassinatos e ocorrências violentas entre jovens está aumentando exponencialmente, evidenciando um problema a ser atacado. Se essa é uma sugestão, certamente há muitas outras no campo da educação, das famílias e da socialização que deveriam ser analisadas.

           Mas veja V. Exª, agora, alguns dados sobre a condição econômica desses jovens e das suas famílias:

Juventude, violência e cidadania desenham o primeiro e rico perfil - esta é uma matéria do Correio Braziliense de domingo, 23 de novembro - dos meninos do Plano Piloto e seu universo de vida. Eles estudam e têm como objetivo principal o sucesso profissional (97,8%). Gastam a maior parte do tempo livre conversando com amigos (84,5%), ouvindo música (68,8%) ou vendo TV (64,8%).

Pertencem majoritariamente às classes A e B; 61,8% dos pais dos pesquisados têm curso superior e 80% têm segundo grau completo. Índices de fazer inveja a países do primeiríssimo mundo.

Os meninos do Plano Piloto vivem isolados em um universo habitado por famílias das classes média e alta, particularidade da configuração sócio-espacial da cidade. Assim, a maioria tem pelo menos três TVs coloridas em casa e dois carros, além de máquina de lavar, geladeira e videocassete.

Vinte e sete por cento das famílias dos pesquisados têm três ou mais automóveis. Só 11% dos jovens utilizam transportes coletivos, enquanto 13% já têm seu próprio carro. Setenta e sete por cento deles nunca trabalharam, 36,7% estudam línguas estrangeiras, 37% praticam esportes em academias e clubes privados.

Meninos ricos num país de pobres, os jovens do Plano também são consumistas e individualistas. Não acreditam nas instituições - já li os percentuais de credibilidade da Igreja, dos políticos e do Governo, que são baixíssimos. Confiam mesmo é na família (84%). 

           Portanto, esses dados mostram uma verdade que não podemos ignorar.

           Na cidade que tem a renda per capita mais alta do País, jovens, filhos de família em que os pais, geralmente, possuem curso superior, com um padrão de vida alto, têm, no entanto, esses pensamentos que acabamos de mencionar sobre temas importantes, como os direitos humanos, a democracia, a liberdade e a confiança nas instituições, e que nos preocupam.

           O representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, escreveu um artigo comentando os dados dessa pesquisa, pois houve uma tentativa de desqualificá-la, de negá-la, porque ela mostra números que preocupam e que traçam, para muitos, um perfil deformado da juventude de Brasília. Houve tentativas de desqualificar a pesquisa, de desconhecer esses dados, de analisar, isoladamente, comportamentos de pessoas ou de famílias, o que não é o caso aqui.

           A pesquisa foi conduzida cientificamente; os dados são irrefutáveis, ainda que eles possam nos espantar e até nos indignar.

           Assim, o Sr. Jorge Werthein escreveu um artigo no Correio Braziliense, na quinta-feira, dia 27 de novembro, sob o título: “Cultura da violência ou cultura da paz?”. Lerei um pequeno trecho, pois o considero bastante elucidativo:

Alguns dos resultados da pesquisa, quando tomados de forma isolada e fora do contexto, podem levar a pensar que estamos diante de uma nova juventude perdida, sem esperanças e desejos. Mas as evidências coletadas na pesquisa parecem indicar precisamente o contrário: 91% dos jovens estão estudando e muitos deles já na universidade. Tal situação resulta inédita no País, típica de regiões culturalmente avançadas. Também evidenciaram uma consciência ética de rejeição de facilidades e espertezas difícil de encontrar, inclusive em nosso mundo adulto.

Houve, por exemplo, um largo percentual de rejeição à chamada lei de Gerson, aquela que propõe se aufira vantagens indevidas, numa falsa esperteza que nada mais é do que uma forma ilegítima de auferir benefícios para si ou para os seus.

Diferentemente de outras pesquisas na área da juventude, que centram a sua visão nos jovens em situação de risco ou francamente violentos (infratores, consumidores de drogas, participantes de gangues, jovens de rua, etc), esse estudo, ao tomar como base de análise o universo de jovens do Plano Piloto, permitiu vislumbrar uma dualidade, esta sim, altamente preocupante. Nossos jovens são, ao mesmo tempo, vítimas e agressores. Sofrem as conseqüências de um contexto precário onde a violência se pulveriza e banaliza, alarga sua abrangência e incidência, penetra e permeia o cotidiano. Para enfrentar essa violência, o caminho escolhido pareceria o da maior violência.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos diante de uma situação que demanda o nosso interesse, que demanda ação das instituições governamentais ou pertencentes à sociedade civil para mobilizar o espírito de participação que os jovens demonstram, o fato de que são escolarizados, de que estão na universidade e confiam na família, para remover as graves deturpações e deteriorações comportamentais que foram aqui identificadas.

Como Presidente do Instituto Teotônio Vilela, o instituto de estudos políticos, econômicos e sociais do PSDB, vamos promover um evento, em parceria com a Universidade de Brasília e outras instituições, para analisarmos mais profundamente esses dados.

Brasília pareceria mesmo ser aquela ilha da fantasia? Vimos que as estatísticas sócio-econômicas que fiz desfilar aqui seriam impensáveis na maior das localidades do Brasil, tal o elevado nível delas, cotejáveis com indicadores de outros países desenvolvidos da Europa, dos Estados Unidos, etc.

Por outro lado, esses jovens como que desperdiçam essas vantagens culturais e materiais para mergulhar no pessimismo, na descrença, no ceticismo, na violência, numa rebeldia sem causa. É preciso analisar isso tudo para que, a partir da amostra de Brasília, possamos ter informações confiáveis sobre a juventude e colaborar para a formulação de políticas públicas e de participação da sociedade que revertam esse quadro, que é grave e preocupante.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1997 - Página 26830