Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS. REALIZAÇÃO ENTRE OS DIAS PRIMEIRO E 10 DO CORRENTE, EM KYOTO, JAPÃO, DA CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE O CLIMA, QUE TEM COMO OBJETIVO ESTABILIZAR A CONCENTRAÇÃO DE GASES QUE PROVOCAM O EFEITO ESTUFA EM NIVEIS QUE NÃO CAUSEM MUDANÇAS PREJUDICIAIS NO CLIMA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • TRANSCURSO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS. REALIZAÇÃO ENTRE OS DIAS PRIMEIRO E 10 DO CORRENTE, EM KYOTO, JAPÃO, DA CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE O CLIMA, QUE TEM COMO OBJETIVO ESTABILIZAR A CONCENTRAÇÃO DE GASES QUE PROVOCAM O EFEITO ESTUFA EM NIVEIS QUE NÃO CAUSEM MUDANÇAS PREJUDICIAIS NO CLIMA.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1997 - Página 26513
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, LUTA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, DISCUSSÃO, CLIMA, MEIO AMBIENTE, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS, PROVOCAÇÃO, POLUIÇÃO INDUSTRIAL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, dividirei o tempo que me é concedido para abordar dois assuntos que, por coincidência, nesta data, estão chamando a atenção de todos aqueles que se preocupam com dois problemas enfrentados pela humanidade. Primeiro, hoje foi o dia escolhido pela Organização Mundial da Saúde para ser o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS; segundo, estampada nos jornais está a notícia sobre a reunião iniciada hoje, em Kyoto, no Japão.

O curioso é que exatamente no dia 31 de outubro, há mais de um mês, o Jornal do Senado estampava esta manchete: “Cabral: dilema ambiental é o mesmo de 92”. Em discurso, eu chamava a atenção para a reunião prevista para o Japão, que traria - como está a trazer - questões que preocupam o mundo inteiro. A notícia se inicia da seguinte forma:

“O Senador Bernardo Cabral (PFL-AM) lamentou ontem, em plenário, que às vésperas da Conferência Mundial sobre o Clima, programada para dezembro, na cidade japonesa de Kyoto, os países que participaram da Eco-92, no Rio de Janeiro, ainda não tenham chegado a um consenso sobre quais gases poluentes devem ter a produção limitada. Esses países têm propostas muito diferentes sobre a redução que deve acontecer na emissão de poluentes.”

Até parecia para um mais desavisado que estamos apenas preocupados com o clima e com o efeito estufa, já que o assunto vem-se arrastando desde 1992.

Talvez porque nos preocupasse muito essa matéria, por volta de 1988 e 1989, levei ao então Embaixador Nogueira Batista - embaixador brasileiro junto à ONU - uma proposta perfeita, irretocável, de autoria do Professor Samuel Benchimol, para criação do que ele chamou de Imposto Internacional sobre Poluição. Aos países que mais haviam contribuído para o efeito estufa seria aplicado o imposto, em função daqueles que se preocupavam em não levar ao mundo essa emissão de gases poluentes.

Lembro-me de que o Embaixador Nogueira Batista apresentou essa proposta - eu estava presente à reunião -, e os países mais fortes, evidentemente, com assento naquele Conselho, não deixaram que a idéia medrasse, evoluísse. Hoje, quase dez anos depois, vejo, com tristeza, que a União Européia propõe a redução de 15% na emissão de gases poluentes até o ano 2010, e o faz de maneira linear, o que é recusado - peço a atenção dos Srs. Senadores - pelos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e até mesmo pelos estados árabes, sem falar nos países em desenvolvimento.

Tenho aqui um quadro de consumo de combustíveis fósseis e produção de cimento, ainda de 1994, que lerei para deixar registrado nos Anais do Senado e eventualmente para conhecimento de um ou outro Senador. Creio que todos já têm noção do que se passa, mas vale a pena citar.

É o seguinte o consumo de combustíveis fósseis dos países, em milhões de toneladas por ano, em ordem decrescente: Estados Unidos, 1.387; Rússia, 441; China, 400; Japão, 300; Índia, 236; Alemanha, 220; Reino Unido, 149; Canadá, 122; Ucrânia, 111; Itália, 107; México, 97,7; França, 88,2; Austrália, 75,9; Coréia do Norte,71; o 15º e último país dessa escala é o Brasil, com 64,4.

Basta que se leia a notícia publicada na Folha de S.Paulo de ontem, para que se entenda que o objetivo deste pronunciamento é ressaltar quem paga: 

“Os EUA vêm insistindo em que países ricos ou pobres arquem com os custos das medidas necessárias para reduzir as emissões.

Só nos EUA, o custo está sendo avaliado em 0,6 % a 1% do seu PIB. Em dólares, dá algo entre US$50 bilhões e US$90 bilhões.”

Veja, Sr. Presidente, que não se trata de uma reunião em torno do aquecimento climático; isso não diz respeito apenas à ecologia. Estamos diante de um monumental interesse econômico-financeiro que não permite a nós, dos chamados países em desenvolvimento, reclamar em nosso favor, embora não estejamos gerando o efeito estufa na mesma proporção dos países altamente industrializados.

O nosso receio, Sr. Presidente, é o de que esse dilema ambiental continue o mesmo de 1992. O mais grave é que já os ricos e pobres divergem sobre o chamado clima.

Há manchetes de duas e de oito colunas. Uma diz: “Conferência fixa meta contra aquecimento”; e a outra: “Ricos e pobres divergem sobre clima”. Ora, essa Conferência, que está sendo realizada em Kyoto, no Japão, que vai do dia 1º ao dia 10 deste, que contará com a participação dos 165 países signatários da Convenção sobre mudança climática, que passou a vigorar em 21 de março de 1994, tem hoje o objetivo de estabilizar a concentração de gases que provocam o efeito estufa em níveis que não causem mudanças prejudiciais no clima. Espero, praza aos céus que de lá não saiam esses países profundamente cabisbaixos sem que se encontre uma solução.

Chamo a atenção de V. Exªs para um outro ponto, em que se diz que “os Governos de quatro países - África do Sul, Alemanha, Brasil e Cingapura - lançaram, no fim de semana, o que está sendo chamado de proposta-ponte para tentar quebrar o impasse em torno da Conferência do Clima” - destaque-se a frase -, “ameaçada de total fracasso”. “A proposta fica mais ou menos a meio caminho das duas grandes fontes do impasse. Há divergências sobre a limitação da emissão de gases e sobre quem paga o custo da redução.” E, aqui, volto exatamente para aquilo que dizia no dia 30 de outubro, ou seja, que apenas a Alemanha e a Inglaterra realmente modificaram suas matrizes energéticas e reduziram suas emissões poluentes de 1990 e para cá.

Os países não têm tomado nenhuma medida efetiva, nem chegam a consenso, porque os interesses envolvidos - volto a repisar - são inimagináveis.

Só este dado que representa a quantidade do PIB em dólar, algo entre US$50 bilhões e US$90 bilhões, nos Estados Unidos, dá bem uma idéia, ainda que panorâmica, do que possa ser essa repercussão.

Ainda, Sr. Presidente, dentro desse entendimento das emissões de dióxido de carbono de alguns países, pedirei a V. Exª. que determine o registro nos Anais no nosso Jornal do Senado, para que não tome o tempo de V. Exª - sei que V. Exª. teve um fim de semana bastante alegre para todos nós; as notícias foram todas favoráveis -, de modo que, ao requerer isso, quero finalizar, dando um ligeiro toque sobre o Dia Mundial da Luta contra a AIDS.

Brasília está toda cheia de flâmulas e faixas, com o logotipo, chamando a atenção para as crianças, e o levantamento que tenho em mãos, trazido pela assessoria do Ministério da Saúde - a nossa Drª Glorinha, que trabalhou aqui conosco -, é que hoje, Sr. Presidente, cerca de mil crianças estão infectadas pelo HIV e, a cada dia, essa propagação, se não for contida, aumentará a mortalidade infantil em 75%.

Em nível mundial - e esse é um novo dado -, aproximadamente 9 milhões de crianças perderam suas mães por causa da AIDS. No Brasil, estima-se que, até o ano 2000, cerca de 26 mil crianças ficarão órfãs por causa dessa doença.

Estima-se, hoje, no Brasil, a existência de cerca de 170 mil crianças que são filhas de mulheres portadoras do vírus da AIDS. Isso tem um aumento significativo, Sr. Presidente, a partir do número de mulheres comprovadamente infectadas.

Hoje - e aqui há um dado pesquisado também por parte das Secretarias Municipais de Saúde -, quase a metade dos Municípios brasileiros, cerca de mais de dois mil, apresentam registros de caso de AIDS. E pasmem V. Exªs: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte e Santos, nessa ordem, são as cidades com os maiores registros de casos de AIDS. Isso não pode deixar de ser um dado preocupante, uma vez que, hoje, a AIDS já pode ser considerado como um problema de saúde pública e, portanto, da sociedade como um todo.

Não adianta procurar culpados. Culpados seremos todos nós se, por omissão, ficarmos apenas de longe, tendo conhecimento do problema mas indiferentes, muito pior será para essa geração que se aproxima.

Sei que V. Exª, Sr. Presidente, é medico, e como tal, tem a capacidade da identificação muito maior que nós outros, que não somos integrantes da equipe de Hipócrates, mas que, em verdade, em verdade, isto é um mal, uma chaga que se alastra pelo Brasil inteiro e da qual precisamos tomar consciência.

Sr. Presidente, no início do aparecimento da doença no Brasil, os casos identificados se localizavam na população com grau de escolaridade médio. Hoje, essa escolaridade já está na ordem de 63,8%. Em 1995, esse grupo representava apenas 31,2%. Quer dizer, menos da metade, o que demonstra que a doença vem se disseminando nos segmentos populacionais com grau educacional inferior e, muito mais, que está se deslocando para uma faixa maior da população de baixa renda.

Como se faz a comparação ou o paralelo, Sr. Presidente? Dizia-se, primeiramente que a AIDS tinha uma penetração maior nas camadas mais pobres. Hoje, em relação à mocidade que está no grau médio, começa-se a sentir que todos nós temos a necessidade de ampliar as ações, sobretudo as que têm o seu lado preventivo, a fim de que a população de baixa renda, as mulheres, a população do interior do País, os adolescentes e as crianças nas escolas, enfim, o povo em geral sinta que há ressonância nesta Casa de um problema tão grave.

E sendo hoje o Dia Mundial da Luta contra a AIDS, Sr. Presidente, sei que V. Exª, na qualidade de Presidente do Senado e do Congresso Nacional, associar-se-á a esta manifestação de solidariedade, menos pelas minhas palavras, mas mais porque o assunto encampado pela Organização Mundial de Saúde teria, como dizia o velho Vieira, que ecoar, porque até os penhascos ecoam, senão rebentariam de dor.

Sr. Presidente, tenho certeza de que V. Exª se incorporará a este modesto pronunciamento para dizer que o Congresso Nacional, em particular o Senado, estará atento a essa manifestação.

Quero trazer a minha solidariedade àqueles que lutam país afora ou mesmo no mundo afora em favor desse flagelo que agride, ataca e diminui a humanidade. É aquela velha história: a cada criança que morre, temos que lembrar a citação de Ernest Hemingway, no seu livro Por quem os sinos dobram, dos versos do poeta John Donne. Dizia o poeta: "A morte de cada ser humano me diminui, porque dele faço parte; por isso, não me pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

Cada criança que morre é um sino que dobra. E não queremos, Sr. Presidente, com a nossa apatia e com o nosso silêncio, deixar de registrar esta solidariedade. É o que faço nesta hora, certo de que encontrarei o eco junto a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1997 - Página 26513